Sociedade

Fissuras na estrutura do Kulumbimbi preocupam autoridades

O inventário da herança cultural, material e imaterial de todo o país tem sido, ao longo dos anos, das prioridades do Executivo para uma melhor preservação dos locais históricos, garantiu, ontem, em Luanda, a directora do Instituto Nacional do Património Cultural (INPC).

18/04/2021  Última atualização 16H46
Cecília Gourgel afirmou, ao Jornal de Angola, que a atenção aos monumentos e sítios é das preocupações do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, que procura não se limitar apenas a  reconhecer estes locais nas datas especiais, como a de hoje.
Para tal, garantiu, um vasto trabalho de pesquisa tem sido feito, com especialistas, nacionais e estrangeiros, no sentido de elevar a Património da Humanidade dos maiores reconhecimentos que se pode obter de um monumento muita desta herança cultural.

O reconhecimento, disse, não se limita só ao património material. O imaterial também tem tido a devida atenção, prova disso é o processo de candidatura da massemba/rebita, como música e dança, ou do semba, na lista da UNESCO.
Outro património que muito tem se cogitado pela significância, adiantou, é o Sona, desenhos na areia típicos do Leste do país, mas conhecidos como figuras geométricas por incorporar padrões e conexões significantes únicas, com aspectos de matemática, que já levou a estudos detalhados, em colaboração com a Universidade Lueji A’Nkonde, no Dundo, Lunda-Norte.


Outros candidatos
Apesar do reconhecimento internacional do Centro Histórico de Mbanza Kongo, Cecília Gourgel disse que o país tem muitos outros monumentos e sítios, com potencial para serem elevados a tal categoria, como é o caso de Tchitundo-Hulu, o Corredor do Cuanza e o Cuito Cuanavale, como marco de libertação da África Austral.
O processo de inscrição destes patrimónios, revelou, é longo e requer a obtenção de documentos, com uma base sustentável, capaz de ter o reconhecimento da UNESCO. Porém, alguns são de tão grande relevo e geram altas expectativas.

Um destes casos, explicou, é o Cuito Cuanavale, local onde ocorreu a maior batalha da história da guerra pós-independência do país, que resultou no fim do Apartheid, na África do Sul, e, também, na libertação de Nelson Mandela.
"Estamos a trabalhar com processos complexos e onerosos. Apesar da experiência que os técnicos do ministério adquiriram com a inscrição de Mbanza Kongo, vamos precisar de solicitar assistência internacional, porque temos poucos especialistas e o valor universal excepcional destes três bens são diferentes”, sustentou.


Património em risco
Em relação à preservação dos monumentos e sítios nacionais, Cecília Gourgel adiantou que a maior parte dos já classificados, independentemente da antiguidade, encontram-se num estado de conservação preocupante e parte deles necessita de obras de restauro.

A capital do país, adiantou, tem sido o centro das atenções, quanto à matéria de preservação. Com alguma preocupação apontou a urgência da recuperação do património degradado e em risco de desaparecer.
Numa lista enorme, a directora do INPC citou como as mais preocupantes a Fortaleza de São Francisco do Penedo (Casa Reclusão), Fortaleza de São Pedro da Barra e o edifício sede do INPC, bem como o Largo do Baleizão. Na Província do Namibe, a que está em maior risco é a Fortaleza de São Fernando.

Os novos de Luanda
A directora do INPC disse que entre os novos reconhecidos da capital constam os Largos da Independência e do Pelourinho, classificados como sítios de interesse histórico, e as igrejas da Nossa Senhora do Cabo e da Nazaré, como património histórico nacional.
Com o reconhecimento destes, contou, é preciso criar novas perspectivas de gestão dos problemas que afectam o património cultural, principalmente tendo em conta que há muitos destes em situações preocupantes.
Outro aspecto de relevo, considerado urgente e já solucionado, é a criação nas plataformas digitais de sítios com informações detalhadas sobre os locais turísticos. "Hoje os turistas que queiram visitar os monumentos e sítios encontram com facilidade as informações detalhadas, mas o ministério ainda está por finalizar um guia turístico nacional”.

Herança imaterial

No caso do património imaterial angolano, Cecília Gourgel garante que o Executivo tem estado a trabalhar no levantamento de todas as manifestações culturais a nível nacional e já foi elaborado um "mapa”.
Há, defendeu, danças e músicas angolanas únicas que precisam de toda a protecção, algumas delas ligadas ao Carnaval, ou a determinados grupos étnicos, como a tchianda. "A maioria está na lista de prioridades do ministério para os próximos anos, com realce para o semba”, disse, acrescentando que outros estilos singulares, como o kuduro, que têm despontado no mercado internacional e com alguns países a aparecerem como titulares também estão protegidos. "Não corremos o risco de um dia perdermos o privilégio de sermos os detentores deste género, porque os registos do surgimento do mesmo podem ser encontrados nas plataformas digitais”, afiançou.

A efeméride
O 18 de Abril, lembrou, foi instituído pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS), com o propósito de se proporcionar uma análise crítica sobre as práticas passadas de conservação e preservação dos monumentos e sítios.
Este ano, sob o lema "Passados complexos, Futuros diversos”, a data leva todos a reflectir sobre uma inclusão global e o reconhecimento da diversidade, com especial atenção às narrativas históricas existentes.


  CENTRO HISTÓRICO DE MBANZA KONGO
Fissuras na estrutura do Kulumbimbi preocupam autoridades

O  aparecimento de fissuras na infra-estrutura física da primeira igreja erguida a Sul do Sahara, Kulumbimbi, há mais de seis séculos e o ruir paulatino do alicerce do Tady Dia Bukikwa (antigo Palácio dos Reis do Kongo), dois dos muitos monumentos e sítios que fazem parte do Património Mundial da Humanidade de Mbanza Kongo, província do Zaire, preocupa o responsável da área de valorização e preservação do gabinete técnico do centro histórico local, Luntadila Lunguana.

De acordo com o responsável, os monumentos e sítios em referência já têm beneficiado de alguns trabalhos de manutenção, mas não se pode ignorar o aparecimento de fissuras inquietantes que podem colocar em causa a sua existência, pelo que urge uma intervenção para sua preservação.

"Dentro destas preocupações temos uma intervenção que deve se realizar a nível do Kulumbimbi, por ser uma construção mais antiga que temos aqui na cidade de Mbanza Kongo, com mais de seis séculos de existência, cuja acção do tempo é visível, através de algumas fissuras que requerem uma intervenção de especialistas, porque a sua progressão pode um dia provocar mesmo o desabamento daquelas ruínas históricas a nível da África Subsariana”, acrescentou.

A outra preocupação, segundo avançou, tem a ver com os sítios históricos "Tady Dia Bukikwa” e as "Doze Fontes”, este último três das quais estão em vias de secar, pelo que o Centro histórico de Mbanza Kongo advoga uma intervenção para o seu restauro e preservação.

"O Kulumbimbi e Tady Dia Bukikwa são, em geral, os dois monumentos e sítios que requerem mais atenção. As Doze Fontes, três das quais estão a secar, necessitam também de alguns trabalhos de requalificação, sobretudo nas vias de acesso e nas próprias estruturas físicas, requerem um trabalho para permitir a sua preservação para as gerações futuras”, acrescentou.

No concernente ao sítio histórico Tady Dia Bukikwa, Luntadila Lunguana frisou que requer também uma atenção particular, porque o seu alicerce original que data de muitos anos, hoje, com os efeitos das erosões provocadas pela chuva, está a desagregar-se progressivamente, consubstanciada nas pedras que se soltam da própria estrutura.
Apesar da preocupação resultante do estado físico dos referidos monumentos e sítios, como assegurou, a situação não influencia na manutenção do estatuto de Património Mundial da Humanidade atribuído em 2017 pela UNESCO à cidade de Mbanza Kongo, na medida em que existem condições próprias e específicas pata tal, mas deve-se fazer algo para mantê-los.

"O público vê a estrutura de uma certa maneira e pensa que pode influenciar a decisão da UNESCO da manutenção do nome de Mbanza Kongo na lista de Património Mundial da Humanidade. Enquanto especialista, digo que não, porque existe um leque de regras específicas a cumprir e acções a realizar para que possamos manter na referida lista e daí vamos dizer que não há nenhuma preocupação. A UNESCO esperava o nosso relatório em Dezembro de 2020, onde consta o conjunto de tarefas realizadas até agora no âmbito das recomendações. Dizer que sete das nove recomendações emanadas pela UNESCO foram cumpridas, uns de forma parcial e outras totalmente”, tranquilizou.

Remoção do aeroporto
O incumprimento de algumas recomendações da UNESCO, resultante da crise provocada pela Covid-19, nomeadamente a não remoção do aeroporto de Mbanza Kongo e não só, não coloca em xeque o estatuto de Património Mundial da Humanidade, atribuído a 8 de Julho de 2017, tudo porque muitas foram cumpridas.

"Esta recomendação referente à remoção do aeroporto não foi fechada ou rígida, a UNESCO havia frisado que, após a construção de um novo e entrar em actividade, só assim o Estado angolano poderá confirmar a remoção do anterior, portanto este atraso não é suficiente para Mbanza Kongo ser colocado na lista negra”, tranquilizou.

Segundo Luntadila Lunguana, alguns atrasos verificados na implementação de algumas recomendações, cujas razões foram reportadas à UNESCO, bem como o cumprimento de outras, tais como a remoção das antenas da Angola Telecom e da Rádio Nacional de Angola (RNA) no perímetro protegido, a gestão participativa do centro histórico, a colaboração com outros países como a RDC e Gabão, entre outras.

De salientar que o primeiro prazo estabelecido para a implementação de todas as recomendações da UNESCO apontava para um de Dezembro de 2020, mas o surgimento de um vírus, causador da Covid-19 a escala planetária, inviabilizou a execução dos projectos de vulto constantes do dossier.


Projectos para preservação adiados

Quanto aos projectos em carteira para preservação de todos os monumentos e sítios, Luntadila Lunguana avançou que existem alguns, tanto a nível local como a nível nacional. No caso do Kulumbimbi, disse haver informação sobre a sua manutenção em breve, cujo processo aguarda apenas pela disponibilização de verbas para o efeito.

"Em 2020 devia-se iniciar obras de manutenção, mas por causa da Covid-19 o projecto foi adiado. No caso das Doze Fontes, foram seleccionadas quatro que estavam para beneficiar trabalhos de requalificação e que pela mesma razão da pandemia os trabalhos também já não foram realizados”, avançou.

Sobre Tady Dya Bukikwa, Luntadila Lunguana fez saber que desde 2017 que os especialistas estiveram no local para estudar a estrutura e propor o tratamento que se impunha para a sua manutenção, mas também não há mais sinais. "De lá para cá, temos feito pequenos trabalhos de manutenção que se resumem no tratamento da vegetação nativa. Mas com a substituição da vegetação nativa por relva permitiu um controlo eficaz daquele sítio histórico, mas o que nos falta é ver como estabilizar a estrutura para impedir o seu desaparecimento”, acrescentou.


Difusão do património de Mbanza Kongo

Para além da colaboração existente entre o Centro Histórico de Mbanza Kongo e a imprensa, existem programas radiofónicos a nível local que permitem divulgar o Património Mundial da Humanidade e interagir com os cidadãos.
"Este ano vamos trabalhar muito com as redes sociais. A nível da Internet já temos um "Site”, mas infelizmente foi criado a partir da nacional e nós não temos como actualizá-lo com conteúdos. Todavia, temos em perspectiva um projecto de abertura de outro localmente, com envolvimento de informáticos locais que vão permitir não só na sua criação, mas também na actualização regular, cuja previsão aponta para o mês de Junho ou Julho do corrente
ano”, avançou.

No concernente ao calendário local para divulgar o património, disse não haver nenhum com maior realce, mas tem um plano de actividades que está mais relacionado a efemérides, em que se fazem abordagens sobre o Centro Histórico de Mbanza Kongo, mas o surgimento da pandemia inviabilizou a sua execução.

"As actividades culturais são geralmente muito abrangentes, pelo que a sua implementação pode causar maior propagação do vírus Sars-Cov-2, daí que toda uma actividade relevante para divulgação local ou que permita receber turistas, tanto nacionais como estrangeiros, não convém por enquanto”, frisou.

Depois da pandemia, como assegurou, o Centro Histórico vai elaborar um plano abrangente para que se possa divulgar o Património de Mbanza Kongo e assim rentabilizá-lo.

"Temos um projecto turístico local, mas a sua concretização depende de muitos departamentos ministeriais para a criação de um roteiro com toda uma informação necessária para quem quiser visitar o Património Mundial da Humanidade de Mbanza Kongo”, garantiu Luntadila Lunguana.

Jaquelino Figueiredo | Mbanza Kongo

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