Cultura

Filho do deputado

Há dikas que os candengues fazem quando alguns dos seus direitos estão em causa. É assim que o deputado que nasceu no Mbilá (Sambizanga) e passou no Nzengá (Cazenga) e noutros bairros como Rangel, Marçal, e Cassoneca, não aceita que o seu filho de 13 anos vai visitar os seus avôs, os seus primos e amigos, tudo isto dito pelo Kinama.

24/01/2021  Última atualização 14H19
Deputado, reunidos © Fotografia por: DR
Com o confinamento o candengue, o filho do deputado, na sexta-feira passada, quando lhe deram os mil kwanzas para ir comprar tomate e cebola, porque a empregada estava dispensada, decidiu utilizar o valor para pegar táxi para ir no Mbilá ver o avô Zé Dya Louje (Zé Feiticeiro), porque se sentia oprimido. Porque isto de todos os dias ver bonecos na televisão já estava a aborrecer.
O candengue, mesmo sem conhecer Luanda, conseguiu pegar um táxi e chegar ao mercado do S. Paulo. Daí pediu explicação de onde é o mbanji do avô Zé Dya Louje. Muitas pessoas estavam com receio de indicar, segundo o Kinama, pensando que o candengue estava a ir pedir pau (feitiço) para engatar as caçulas do bairro.

Felizmente, o candengue cruza-se com a sua avó-tia (linguagem que os do Norte, Centro e Sul não gostam de usar, mas os crioulos, os que vivem há mais de 40 anos em Luanda, utilizam). Sem saber que é seu sobrinho lhe explica da seguinte forma, isto segundo o Kinama: "aqui nessa rua, vai sempre em frente, depois da escola nova curva, vai dar com um beco, vai sempre em frente. Vai dar com o Sumba Fuba e vai sempre em frente. Aí vai encontrar a mana Fefa Dya Cuidia e lhe pergunta onde é que fica a casa do Zé Dya Louje”.

O candengue agradeceu e seguiu e acompanhou o mapa tim-tim por tim-tim. E chegou lá. Como na zona qualquer candengue que passa sem saudar é suspeito, por instinto o miúdo foi saudando. Só que chegou na hora errada no balandi (casa) do avô Zé Dya Louje. Porque este estava a tratar os jogadores da equipa juvenil do Baião - onde o Progresso Associação do Sambizanga (PAS) nasceu – que ia defrontar o Viemos para Ensinar. Equipa que deu alguns jogadores ao PAS.

Como Zé Dya Louje trabalha com espírito, segundo o Kinama, assim que o massambissambi (espírito)  lhe subiu  abanou a cabeça e disse : "hum hum hum, vamos ganhar esse jogo e não vamos descer. E o Viemos para Ensinar não vai ser campeão”.
Kinama, como acompanhou o milongo, conta que ninguém estava a acreditar. Porque se o Viemos para Ensinar ganhasse o jogo seria o campeão e o Baião descia de divisão. A verdade é que o milongo foi feito. Mas faltavam três grandes reforços que a equipa do Baião contratou no bairro Palanca. Estes não puderam comparecer por conta da Covid-19. No bairro Palanca saíram bons jogadores, como o Balongá Alonga, Nguto e Mampanela.

O jogo ia decorrer no campo do Bucavú. Como o candengue, o filho do deputado, nunca tinha treinado e nunca ninguém lhe viu a jogar, os dirigentes do Baião entraram em pânico. Falam com o mestre e este diz que vai falar com o filho dele, o pai do candengue, para autorizar o miúdo a jogar. Zé Dya Louje fez, segundo o Kinama, várias chamadas. O deputado não atendeu. O avô preparou o neto, mas só para jogar na segunda parte. E qual foi o tratamento? Esfregar bastante dendém no esquedelo (sapatilhas ou ténis) e ficar com uma vela vermelha acesa durante 45 minutos no banco dos suplentes. Como os mbilas gostam nomes especiais, o candengue foi alcunhado como Quifumbi, porque nas suas jogadas inesperadas conseguiu marcar quatro golos. Zezinho marcou três.

A verdade é que o Baião estava a perder 5 a 0 com o Viemos para Ensinar. Também, de acordo com o Kinama, quando mandaram o candengue aquecer todos estavam a rir e não contavam com a reviravolta. O certo é que o miúdo, quando entrou no jogo, conversou com o Zezinho, grande esquerdinho como ele. Depois da conversita Zezinho lhe passou a bola e ele marcou de cabeça. Minutos depois recebeu um passe, disparou mas bateu na barra.

O Baião começou mais animado. Das Panelas, jogador do Baião, recebeu a bola do guarda-redes, atirou e a bola bateu na barra, mas na recarga marcou o golo de bica (ponta do pé). O Panhanha, que estava a acompanhar a conversa, também deu o seu mujimbo. Agora, se ele falou bem ou mal, o certo é que ele disse que o deputado devia libertar o seu filho da "cuzueira” (casa). Mas o miúdo tem de saber donde saiu: do Marçal, Zengá e Mbilá.

Foi um jogo de futebol do bairro no campo do Bucavú, onde as equipas jogavam sete contra sete. O resultado deste trumunu faz lembrar o embate entre Petro de Luanda e 1º de Maio, Não sei quem foi o cronista que escreveu a matéria sobre esse jogo, mas o título foi este: "Jogo de futebol com resultado de andebol”. Esta matéria saiu no "Jornal Desportivo Militar” (JDM).  

Pereira Dinis

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