Economia

Fazer reformas e liderar: o caminho está traçado por Ngozi Okonjo-Iweala

Liderar os 162 representantes de países filiados na Organização Mundial do Comércio (OMC) é, a partir de 1 de Março deste ano até Agosto de 2025, o novo desafio de Ngozi Okonjo-Iweala, a nigeriana que na segunda-feira foi eleita directora-geral da organização.

17/02/2021  Última atualização 17H55
© Fotografia por: DR
Os grandes desafios que se avizinham vão exigir o máximo empenho de Ngozi: o livre comércio entre economias de mercado; estímulo às reformas necessárias para a organização nos seus três pilares (negociações, solução de controvérsias e transparência) e assegurar resultados realistas e ambiciosos na 12ª Conferência da OMC deste ano, especialmente para o sector da agricultura.

No meio de tudo isso, durante uma recente entrevista que concedeu, Ngozi Okonjo-Iweala afirmou que a OMC precisava de uma verdadeira "sacudidela”."Precisa-se de algo diferente. Não pode ser um negócio normal para a OMC. Busca-se por alguém disposto a fazer as reformas e liderar”, assumiu.De acordo com o economista Gilberto António, a situação com que se vai deparar Ngozi Okonjo-Iweala é bastante desafiadora.

"Dois pilares da OMC estão em ‘cuidados paliativos’: negociações, que duram desde 2001 com apenas um acordo importante (o da facilitação do comércio) e a resolução de litígios, cujo órgão de recurso não funciona por falta de quórum (nomeação de juízes está bloqueada)”, explica.Conforme lembra Gilberto António, quando foi lançado o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade, que traduzido é o Acordo Geral de Tarifas e Comércio) havia apenas umas duas dezenas de Estados-membros.

Agora, o desafio, visto por alguns como problema, é que todas as decisões da Organização Mundial do Comércio (OMC) devem ser adoptadas por consenso. A isso, esclarece o especialista em assuntos africanos, é adicionada a complexidade dos temas em discussão (incluem regras sobre direitos de propriedade intelectual, comércio de bens e serviços, resolução de litígios, etc).
Apoio de várias partes
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, já reagiu à nomeação, elogiando Ngozi Okonjo-Iweala. "Trará uma riqueza de experiência e de conhecimento num momento em que a OMC precisa de ser reformada”, escreveu Michel no Twitter, dando o "apoio total” da União Europeia à nova directora-geral.

Já a directora da Iniciativa de Políticas Públicas da Fundação Shehu Musa Yar’Adua, Nwankpa, está optimista que o impacto no comércio global será positivo, dado que "os antecedentes de Ngozi sugerem que está apaixonadamente empenhada na redução das desigualdades, da pobreza e da corrupção em todo o mundo”.

Nwankpa, que lidera uma organização nigeriana sem fins lucrativos, empenhada em promover a unidade nacional e a boa governação, diz que os antecedentes da economista demonstram que "ela traz para este trabalho competências em negociações internacionais e capacidade de liderança para enfrentar os principais desafios”.
O "puk” Biden
A ex-ministra das Finanças da Nigéria já tinha o apoio transversal de vários Estados-membros da OMC, in-cluindo União Europeia, China, Japão e Austrália. Contudo, Donald Trump, o ex-Presidente dos EUA, preferia a candidata sul-coreana Yoo Myung-hee, complicando o processo de decisão, uma vez que a nomeação na OMC tem de ser unânime. Com a chegada de Joe Biden à presidência dos EUA, o processo foi desbloqueado e a candidata africana foi aclamada directora-geral.

"A nomeação garantirá os interesses de África”

O economista Gilberto António responde a quatro perguntas sobre o que representa a presença de Ngonzi Okonjo-Iweala à frente da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O que representa a nomeação de Okonjo-Iweala como directora-geral da OMC?

A nomeação de Okonjo-Iweala está cheia de simbolismos. É o primeiro africano e a primeira mulher a chefiar o órgão de supervisão do comércio global. Acredita-se que a nomeação garantirá que os interesses do continente sejam mais bem representados na organização. Além disso, os líderes políticos e empresas do continente poderão estar mais cientes das negociações, requisitos e oportunidades do sistema comercial multilateral. Ou seja, nesta visão, a África teria a ganhar com um dos seus representantes a liderar a OMC.
E isso é bom para o continente africano?

Simbolicamente sim. É sempre bom ter representantes africanos a liderar instituições estratégicas no sistema internacional. No entanto, a questão reside no que de concreto essa nomeação poderá resultar para o continente africano.
Qual é o maior desafio da OMC neste momento? 

O primeiro é em relação ao pilar de negociações. A ronda actual, há quase 20 anos, não produziu nada de substancial em termos de resultados, excepto o acordo sobre a facilitação do comércio. Não houve avanços em questões de interesse para África.
Há ainda outros?

Um outro desafio é o órgão de litígio, que permite a um qualquer país pedir a intervenção dos órgãos de resolução de diferendos comerciais. Há um problema de quórum, porque os EUA não aceitaram a renovação de mandato de alguns juízes. Isso faz com que o órgão de resolução de litígios tenha dificuldades em cumprir as suas funções. Ora, este é um pilar importante que obriga os países membros da OMC a respeitarem os acordos. Espero que com a nova administração americana, uma solução rápida seja encontrada.
O que o país ganha ao estar filiada à OMC? 

A principal vantagem é de tirar proveito do sistema previsível de regras comerciais multilaterais, que resulta dos Acordos da OMC. Outra vantagem consiste no aumento das oportunidades de acesso aos mercados de outros membros, o que pode permitir a expansão do volume e aumento das receitas de exportação.
PERFIL

Ngozi Okonjo-Iweala Nigeriana de Ogwashi-Uku, nasceu a 13 de Junho de 1954;
PERCURSO

Estudou em Harvard entre 1973 e 76 e obteve pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 1981;Passou 25 anos no Banco Mundial, chegando à posição número 2 como directora administrativa (2007-11);Duas vezes ministra das Finanças da Nigéria — 2003-2006 e 2011-2015, e a primeira mulher a ocupar o cargo;
OUTROS

Actuou como ministra das Relações Exteriores em 2006, também a primeira mulher a fazê-lo;Faz parte do conselho do Twitter, Standard Chartered Bank e Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI, na sigla em inglês);Indicada pelo presidente Mohammadu Buhari como candidata a directora-geral da OMC em Junho de 2020;
DO GATT À OMC

GATT é a sigla correspondente de "General Agreement on Tariffs and Trade” que traduzido é Acordo Geral de Tarifas e Comércio.Em 1995, o GATT deu lugar à OMC, mantendo a missão de garantir um sistema de normas e concessões tarifárias que visam incentivar o livre comércio entre os países, combater práticas protecionistas e evitar disputas e guerras comerciais.

Após o termo da 2ª guerra mundial, já em 1944, alguns países que eram aliados se reuniram com o objectivo de criar e estabelecer regras para a economia internacional. Esse momento foi chamado de Acordo de Bretton Woods, que criou três instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD, também conhecido como Banco Mundial), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a OIC (Organização Internacional do Comércio).Contudo, na altura, apenas as duas primeiras avançaram.

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