O continente africano é marcado por um passado colonial e lutas pela independência, enfrenta, desde o final do século passado e princípio do século XXI, processos de transições políticas e democráticas, muitas vezes, marcados por instabilidades, golpes de Estado, eleições contestadas, regimes autoritários e corrupção. Este artigo é, em grande parte, extracto de uma subsecção do livro “Os Desafios de África no Século XXI – Um continente que procura se reencontrar, de autoria de Osvaldo Mboco.
A onda de contestação sem precedentes que algumas potências ocidentais enfrentam em África, traduzida em mudanças político-constitucionais, legais, por via de eleições democráticas, como as sucedidas no Senegal, e ilegais, como as ocorridas no Níger e Mali, apenas para mencionar estes países, acompanhadas do despertar da população para colocar fim às relações económicas desiguais, que configuram espécie de neocolonialismo, auguram o fim de um período e o início de outro.
Quinze anos depois, Luanda voltou a registar o desabamento de mais um edifício. O primeiro foi no dia 29 de Março de 2008, onde funcionava a sede da extinta Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).
O último episódio (queira Deus que seja mesmo o último) deu-se no dia 25 de Março. Desta vez, o edifício desabado foi o nº 76-78, na Avenida Comandante Valódia, a ex-Combatentes.
A coincidência é que os dois casos ocorreram na madrugada de um mesmo dia da semana, sábado, e não houve vítimas humanas. No caso do prédio da ex-DNIC, não houve porque o acidente ocorreu numa altura em que os funcionários se encontravam em casa, enquanto no do prédio da Avenida Comandante Valódia só não aconteceu o pior porque, um dia antes, tinha sido evacuado devido a sinais que indiciavam desabamento iminente.
Edmundo Sapalalo, engenheiro civil da empresa Vias do Bem, contratada pelo proprietário do edifício para fiscalizar a estrutura, contou que, dois dias antes do acidente, constataram-se fissuras acentuadas nos pilares, paredes e lajes, o que fez soar o alarme. Se os moradores permanecessem mais de dois dias, teríamos, certamente, uma tragédia.
A queda do edifício da Avenida dos Combatentes levantou o velho debate sobre a falta de manutenção nos edifícios, sobretudo os construídos na era colonial. A maior parte estão em avançado estado de degradação, colocando em risco a segurança dos ocupantes. Para se ter uma ideia da gravidade da situação, dizer que há edifícios que estão há mais de cem anos sem manutenção!
Com efeito, é necessário que os proprietários dos edifícios levem o assunto a sério, porque é a vida de muita gente que está em jogo. Tendo em conta que são vidas humanas em risco, o Estado também é chamado a intervir. Quando não houver solução para a reabilitação de um determinado edifício, o caminho deve ser o realojamento dos ocupantes, pois, ninguém garante que a sorte em 29 de Março de 2008 e 25 de Março deste ano será a mesma.
No caso da Avenida Comandante Valódia, deve reconhecer-se a pronta intervenção, quer da proprietária do imóvel, a Fundivest, quer do Governo da província de Luanda, para a evacuação do edifício e o alojamento dos moradores num local seguro.
Alguém chegou a afirmar que "Deus deve ser angolano”, por não se ter perdido sequer uma vida humana nos dois casos de desabamento, mas se partirmos para a negligência ou para o "espírito do deixa andar”, continuando a não fazer a manutenção nos edifícios ou contribuindo para a sua degradação, as consequências, desta vez, podem vir a ser fatais.
Uma nota positiva é o facto de o acidente da madrugada do dia 25 de Março, em Luanda, ter despertado outras províncias para a necessidade de se prevenirem para situações do género. Até porque dados do Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação apontam para a existência de mais de 500 edifícios em situação crítica em todo o país. Destes imóveis, perto de 140 estão em risco de desabar. Luanda, como é óbvio, lidera a lista.
Na província da Lunda-Sul, o Gabinete de Infra-Estruturas e Serviços Técnicos do governo local, está, desde segunda-feira passada, a fazer, na cidade de Saurimo, um levantamento para aferir a solidez das estruturas que sustentam edifícios cujo estado acentua o sentimento de insegurança manifestado por moradores e transeuntes. Os resultados do processo em curso vão determinar as medidas adequadas a tomar pelas instâncias competentes, segundo Félix Manassa, director daquele gabinete.
É verdade que a maior parte dos edifícios se encontram no estado em que estão devido ao envelhecimento. Outros também estão degradados por prováveis manifestações no terreno, nomeadamente um nível elevado de lençol freático, o que provoca a saturação do solo, como referiu, um arquitecto convidado a pronunciar-se sobre o caso do edifício 76-78 da Comandante Valódia.
Mas também não deixa de ser verdade que alterações nas estruturas de alguns edifícios têm, igualmente, contribuído para a sua degradação. Isso acontece não só em edifícios antigos, como também em novos, como nas chamadas centralidades existentes um pouco por todo o país. Moradores há que, na ânsia de ampliarem os apartamentos, fazem modificações nas estruturas, colocando em perigo não só as próprias vidas, como as dos vizinhos.
Outros encontram nos terraços espaço para erguerem moradias ou depositarem grandes reservatórios de água feitos a base de fibrocimento, muitas vezes sob o olhar silencioso dos moradores, que deviam partir para a denúncia. É que alterações como estas fazem com que aumente o peso do edifício. Como consequência, os pilares, que foram construídos tendo em conta o peso inicial, não suportam e cedem à pressão exercida sobre eles. O resultado final é o desabamento!
Portanto, não vai adiantar apenas a intervenção dos proprietários ou do Estado na manutenção dos edifícios. É preciso alguns moradores abandonarem práticas como as referidas atrás, sob pena de continuarmos a assistir à degradação dos imóveis e a criarmos situações que propiciam episódios como os ocorridos nos então prédios da ex-DNIC e do nº 76-78 dos Combatentes!
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