Sociedade

Falta de cuidados causa a morte de 2,6 milhões de pessoas por ano

Alexa Sonhi

Jornalista

Eram 6 horas da manhã quando Ivone Gomes acordou o seu filho mais novo, Ivan Alexandre, para tomar banho, preparar-se e ir à escola, como sempre fazia. Depois do pequeno almoço, deixou-o ficar na sala de aula e seguiu para a Mutamba, à baixa de Luanda, onde trabalha.

17/09/2023  Última atualização 08H00
Segundo a OMS, as evidências mostram que, quando os pacientes são considerados parceiros, o número de mortes diminui © Fotografia por: Edições Novembro

Depois de três horas, Ivone Gomes recebeu uma ligação da escola e foi informada que o seu filho, ao brincar com os colegas, pisou em falso, caiu, bateu com a cabeça no passeio, perdeu os sentidos e muito sangue, mas já tinha sido levado a uma unidade sanitária.  

Ivone Gomes, aflita e impotente, fez uma hora e 20 minutos até chegar ao hospital onde estava o filho, devido ao engarrafamento causado por um acidente envolvendo dois taxitas. 

"Minha querida, durante todo esse tempo, acredita, o meu filho não foi atendido, porque não havia médico, os poucos enfermeiros estavam a assistir outros pacientes e o Ivan continuava desmaiado e todo ensanguentado, no colo da professora”, contou Ivone Gomes, com um olhar muito triste, acrescentando que teve que ligar para uma irmã que trabalha na área administrativa do Hospital Pediátrico David Bernardino, que recomendou que levassem rapidamente o menino para lá. 

"Levámos o Ivan, sempre desmaiado, à Pediatria de Luanda e, como a minha mana já estava na porta à nossa espera, fomos prontamente atendidos, tentaram de várias maneiras reanimá-lo, mas só recuperou os sentidos depois de três horas e estava muito confuso”, explicou.     

O pequeno Ivan teve de ficar internado por uma semana, para ser acompanhado por um especialista em Neurologia Pediátrica e, por meio dos exames, conseguiu-se diagnosticar um pequeno sangramento no cérebro, que, se fosse diagnosticado rápido, não causaria nenhuma lesão. 

"A demora no atendimento, no primeiro hospital onde levaram o Ivan, fez com que ficasse com sequelas graves. O meu filho, que era muito inteligente, agora tem défice de aprendizagem e, por vezes, fica nervoso sem motivo, isso me deixa triste e muito irritada, porque é por falta de bom e rápido atendimento que o meu menino ficou assim”, contou, chorando. 

À semelhança do pequeno Ivan Alexandre, que ficou com sequelas graves no cérebro, devido ao mau atendimento hospitalar, estão vários pacientes, tendo alguns perdido a vida.  

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) dão conta que cerca de 2,6 milhões de pessoas morrem anualmente, em países de média e baixa renda, por falta de cuidados de saúde seguros.

Segundo a OMS, a maior parte das mortes pode ser evitada se os sistemas de saúde públicos forem melhorados e começarem a olhar os pacientes como parte activa dos cuidados de saúde. 

De acordo com a OMS, as evidências mostram que quando os pacientes são considerados parceiros, as instituições hospitalares obtêm ganhos significativos, como a redução do número de mortes.   

Objectivos da OMS para o corrente ano 

Para este ano, em alusão ao Dia Mundial da Segurança do Paciente, que hoje se assinala, entre os objectivos da OMS destaque para o aumento da conscientização global sobre a necessidade de envolvimento activo dos pacientes, famílias e cuidadores em todos os ambientes e níveis de assistência, para melhorar a segurança do paciente. 

Outro grande objectivo é envolver formuladores de políticas, líderes e profissionais de saúde e de assistência, organizações de pacientes, sociedade civil e outras partes interessadas nos esforços para envolver pacientes e famílias nas políticas e práticas para cuidados de saúde seguros. 

O terceiro objectivo é capacitar pacientes e familiares para se envolverem activamente em seus próprios cuidados de saúde e na melhoria da segurança dos cuidados de saúde, bem como promover acções que visam o envolvimento do paciente e da família, no âmbito do Plano Global de Acção para a Segurança do Paciente 2021/2030, a ser adoptado por todos os parceiros. 

Para assinalar a efeméride, a OMS escolheu o seguinte lema: "Engajar pacientes para a sua segurança", em reconhecimento ao papel crucial que os pacientes, familiares e cuidadores desempenham na segurança dos cuidados de saúde. 

Defendida redução de riscos em unidades sanitárias 

Um dos especialistas em Qualidade e Segurança de Pacientes explicou que o tema escolhido pela OMS visa promover acções em instituições de saúde para reduzir, a um mínimo aceitável, os riscos e danos nas unidades sanitárias. 

Acácio Silas acrescentou que os danos podem ser de vários tipos, como doenças adquiridas após atendimento hospitalar, lesão, sofrimento, incapacidade e morte. 

Para se reduzir ao máximo estes danos, explicou, as instituições hospitalares devem implementar o chamado "núcleo de segurança do paciente” e instruírem os profissionais de saúde a seguirem à risca as directrizes. 

"Devem passar as informações aos pacientes e seus familiares para poderem colaborar com os profissionais de saúde, porque, tal como os trabalhadores do hospital, os pacientes não têm só direitos como também deveres, que devem ser cumpridos para que as coisas corram bem para todos”, sublinhou.  

Segundo o especialista, que também é professor universitário, em Angola, embora não contabilizada nem divulgada, a taxa de mortalidade registada nos hospitais por falta de cuidados seguros de saúde é muito alta. 

De acordo com Acácio Silas, infelizmente, na maior parte dos hospitais do país, tanto privados como públicos, se desconhece a temática de segurança do paciente, porque não faz parte dos currículos académicos dos cursos de Saúde. 

O médico defende a existência em unidades sanitárias de pelo menos cinco especialistas em qualidade e segurança do paciente, tendo em conta que não há défice de recursos humanos, a maior parte dos quais concentrados em Luanda.  

Na óptica de Acácio Silas, muitos familiares passam a noite ao redor dos hospitais porque há falta de segurança no atendimento dos pacientes.  

Exigências da OMS  

Acácio Silas informou que constam das metas da OMS a identificação correcta do paciente, comunicação efectiva, melhoria da segurança dos medicamentos, cirurgia segura, redução do risco de infecções associadas aos cuidados e dos danos resultantes de lesões por pressão e quedas.  

O também professor universitário realçou que a OMS tem insistido várias vezes para que os países, principalmente, os de média e renda baixa, adoptem as normas e directrizes de acordo com as regras internacionais, visando a segurança dos pacientes. 

"Infelizmente, no nosso país, se visitarmos as instituições hospitalares, é fácil constatar que, na sua maioria, trabalham sem nenhum protocolo. O Governo apoia o sector da Saúde, mas o grande problema está na falta de preparação de muitos profissionais, isto justifica a razão de várias pessoas buscarem tratamento no exterior, incluindo gestores do próprio Ministério da Saúde, o que é inadmissível”, sublinhou. 

Em relação à comunicação que deve existir entre profissionais de Saúde e utentes, Acácio Silas disse que é a primeira meta internacional de segurança do paciente. "A comunicação deve ser efectiva para se evitar a permanência de familiares nos arredores dos hospitais para, supostamente, controlarem os parentes internados”. 

Na opinião do especialista, é importante se que criem associações de pacientes, à semelhança de outros países, tendo afirmado, entretanto, que seria necessário percorrer um longo caminho, devido ao baixo nível cultural e educacional da população. "Quanto maior for o nível de um povo maior será a percepção das coisas, incluído a sua participação activa no próprio tratamento”.  

O Dia Mundial do Paciente foi institucionalizado na 72ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Maio de 2019, com o objectvo de mobilizar pacientes, profissionais de Saúde, formuladores de políticas, pesquisadores e redes profissionais no sentido de promoverem acções que visam a segurança do paciente.

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