Política

Estado disponibiliza verba para a construção do memorial às vítimas de conflitos políticos

César Esteves

Jornalista

O Memorial Nacional em homenagem às vítimas dos conflitos políticos ocorridos no país, no período entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002, com realce para os do 27 de Maio, já conta com verba inscrita no Orçamento Geral do Estado (OGE) deste ano, acto que poderá permitir o arranque da sua construção ainda nos próximos tempos.

27/05/2023  Última atualização 08H55
© Fotografia por: DR

A informação foi avançada, ontem, em Luanda, pelo coordenador da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos (CIVICOP), o também ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Marcy Lopes, na abertura da reunião daquele órgão criado, em 2019, pelo Presidente da República, João Lourenço.

Marcy Lopes não se referiu ao montante que o Estado vai desembolsar para a execução desta empreitada, mas, de acordo com uma consulta feita pelo Jornal de Angola ao OGE deste ano, publicado na página do Ministério das Finanças, será mais de dois mil milhões de kwanzas, ou seja, 2.947.949.398.

A construção e conclusão do memorial às vítimas de conflitos políticos, cuja primeira pedra já foi lançada, corresponde à última fase deste processo.

O coordenador da CIVICOP lamentou, na ocasião, o facto de, apesar das várias acções desenvolvidas pelo Estado, no quadro deste processo, surgirem, ainda assim, nos últimos tempos, informações a atacar a credibilidade do processo e dos trabalhos realizados pela comissão.

Marcy Lopes lembrou, a propósito, que o Executivo angolano é o primeiro e o principal interessado na realização deste processo, de forma exitosa, idónea, credível, cumprindo todos os procedimentos técnicos, legais e de outra natureza técnica, que se impuserem, para permitir que os resultados sejam os mais credíveis e idóneos possíveis.

Ressaltou que o Governo angolano adquiriu equipamentos necessários que permitem ao Laboratório de Criminalística de Luanda realizar exames médico forenses com elementos próprios, tendo sublinhado que foram estes os meios que permitiram a realização, com êxito, dos trabalhos que culminaram com a identificação "das pessoas referidas”, homenageadas e, consequentemente, a realização de um funeral condigno e adequado à sua dimensão.

"Os respectivos exames foram realizados com responsabilidade e entregues aos familiares, de modo a possibilitar a realização de exames paralelos pelas famílias”, destacou o coordenador da comissão, para quem as famílias têm a faculdade de procurar por outros especialistas para obter resultado comparado em relação ao apresentado pelo Laboratório.

Marcy Lopes assegurou que os trabalhos da CIVICOP continuam e o objectivo é obter o maior número de resultados positivos possíveis. Disse já terem sido realizados vários exames médicos forenses, que permitiram a identificação de vítimas, cujos restos mortais foram entregues aos respectivos familiares, acto que, como adiantou, foram antecedidos das correspondentes homenagens.

Em termos numéricos, o coordenador da CIVICOP revelou terem recebido 4.234 pedidos de certidões de óbito e a emissão de 2.787 certificados de óbito, referindo que parte deste total foi emitido no âmbito do episódio do 27 de Maio.

Marcy Lopes salientou que, desde a criação da CIVICOP, pelo Titular do Poder Executivo, foram já realizadas várias actividades em memória de todas as vítimas de conflitos políticos, tendo destacado as várias reuniões de trabalho presenciais e virtuais, em busca de consensos e entendimentos possíveis, estruturação da comissão, com a criação do grupo técnico e do secretariado, o discurso solene do Presidente da República, no qual apresentou, em nome do Estado angolano, desculpas públicas às famílias vítimas dos acontecimentos políticos da História do país. Disse constar também das acções neste quadro a realização do acto solene, no Cemitério da Sant’Ana, que envolveu uma missa religiosa da Igreja Católica, que foi seguida de uma marcha até ao Largo da Independência, onde ocorreram os pronunciamentos de várias partes envolvidas no processo de reconciliação, bem como a criação, em condições legais, para a emissão das certidões de óbito.

Posteriormente, prosseguiu, foram constituídos quatro grupos de trabalho de especialidade de organização interna da Comissão, nomeadamente o Grupo Médico Forense, coordenado pela ministra da Saúde, que tem como principal executor o Laboratório de Criminalística de Luanda, o Grupo de Operações e de Logística, coordenado pelo Ministério da Defesa Nacional, Antigos Combatentes  e Veterano da Pátria, o Grupo de Emissão de Certificado e de Certidões de Óbito, coordenado pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, e o Grupo de Comunicação Institucional, coordenado pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.

 

Fundação 27 de Maio

valida os resultados

O presidente da Fundação 27 de Maio, o general na reforma Silva Mateus, disse que não há qualquer contradição em relação aos dados até aqui divulgados pelo Estado, numa clara alusão aos testes feitos às ossadas de algumas vítimas do 27 de Maio.

"Como membros da comissão e parte integrante dela, acompanhamos e estamos dentro do assunto. Tudo o que foi dito, nós reiteramos. Não há qualquer problema. Está tudo a correr bem”, aclarou.

Silva Mateus, que participou na reunião de ontem, disse estar reservada, para hoje, no Cemitério do Alto das Cruzes, a realização de um acto de homenagem às vítimas do 27 de Maio.

Esclareceu que a escolha deste local se devee ao facto de estarem ali enterrados, agora, Nito Alves, Monstro Imortal, Sianuc e Ramalhete. "Antes, estavam lá as sete pessoas, tais como Nzaji, Saydi Mingas e outros, que estão lá desde 77 e, agora, com essas quatro pessoas que lá foram, fazem o grosso de individualidades  vítimas do 27 de Maio”, explicou.

  Laboratório de Criminalística reitera a eficácia dos testes

A técnica do Laboratório de Criminalística de Luanda Sandra Morais descartou qualquer possibilidade de  invenção ou alteração dos resultados dos testes às ossadas, tendo em conta que os mesmos são, depois, checados por outros laboratórios internacionais.

"A certeza da identificação é plena, até porque os nossos aparelhos e reagentes estão devidamente certificados e, em função disso, temos plena confiança nos nossos resultados”, destacou.

Em relação à reclamação até aqui feita por um dos familiares das vítimas do 27 de Maio, que nega a autenticidade do resultado do teste, Sandra Morais esclareceu que a referida inquietação nunca foi feita de forma directa ao Laboratório de Criminalística.

"Foram órgãos de comunicação social que relataram esse engano”, salientou a técnica, para quem, após essa acusação directa ao Laboratório, "será respondido de certeza absoluta”.

Apresentação do Memorial

O Gabinete de Obras Públicas revelou, em Julho do ano passado, em Luanda, como vai ficar, na prática, o Memorial às Vítimas dos Conflitos Políticos, através da exibição do projecto para a sua construção.

O memorial, a ser edificado entre as ruas Dr. António Agostinho Neto e Dack Doy, na Praia do Bispo, será um edifício que vai comportar nove pisos, erguidos numa estrutura arquitectónica de 35 metros de altura.

O edifício, de acordo com a maquete, vai estar constituído por três corpos principais, sendo que o destaque recai para a Aliança Eterna. O mesmo eternizará o percurso histórico das vítimas e a trajectória do processo de reconciliação nacional e vai ser um marco de excelência da reconciliação entre todos os angolanos.

O edifício contará, ainda, com áreas técnicas, lojas de recordação, acervo digital, uma sala de convenções e uma outra de exposições, assistidas por uma ala que, com o recurso a novas tecnologias, fará uma representação cronológica dos diversos conflitos. O memorial vai dispor, na parte externa, de uma árvore petrificada "Mulembeira”, com 12 metros de altura e de cor branca, como símbolo da paz.

O espaço identificado, inicialmente, para a construção do referido memorial, era a encosta da Boavista, mas acabou por ser alterado, por orientação do Titular do Poder Executivo.

O coordenador do Grupo Técnico da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos, o historiador angolano Cornélio Caley, avançou, à imprensa, que o memorial em homenagem às vítimas vai conter os nomes das vítimas.

"O memorial vai ser uma estátua grande quanto possível”, revelou. A reunião de ontem da CIVICOP teve como objectivo fazer o balanço das acções desenvolvidas no ano passado e traçar as subsequentes.




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