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Especial/ Dia da Língua Portuguesa: Linguistas propõem soluções para o ensino do Português

Gaspar Micolo

O mundo assinala hoje o Dia da Língua Portuguesa. A efeméride, instituída a 25 de Novembro de 2019, pela UNESCO, numa proclamação subscrita por 193 Estados-membros da organização, vai ser assinalada com mais de 150 actividades em 44 países.

05/05/2021  Última atualização 11H00
© Fotografia por: DR
Em Angola, país que se posiciona depois do Brasil, em número de falantes do português, cerca de 29,3 milhões, agenda igualmente um conjunto de actividades para marcar o Dia da Língua que une a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre eles Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.Uma destas actividades é o lançamento da obra conjunta de quatro autores sobre o ensino da Língua Portuguesa. O trabalho "Estudos sobre a didáctica do português na escola angolana”, repartido em dois volumes, é apresentado amanhã, na União dos Escritores Angolanos.

Os autores Araújo dos Anjos, David Suelela, José Ernesto e Nelson Soquessa fazem uma equipa de especialistas que actuam nos domínios das Linguística pura, ciências da linguagem, estudos didácticos, artísticos e culturais e da hermenêutica textual, permitindo-lhes propor soluções interdisciplinares (testadas e validadas) para um problema comum: a melhoria da qualidade do ensino da Língua Portuguesa em Angola, com particular destaque para a didáctica da frase e da escrita e a exploração de uma maior variedade de dispositivos textuais, enquanto pretextos para o ensino da gramática, sem os quais o ensino da língua é "seco”, improdutivo.O grupo revela que foi a necessidade de discutir, em comunidade de especialidade, problemas concretos relacionados com a qualidade do ensino e aprendizagem do Português na "escola angolana” que os uniu."Entendemos que o trabalho colegial permite uma discussão mais rigorosa, sistemática, ponderada e assertiva para a formulação de propostas objectivas à comunidade”, reconhecem.

Sob a chancela da editora Mayamba, a obra está dividida em dois volumes. O primeiro, com 80 páginas, intitula-se "Frase e escrita”, já o segundo, com 86 páginas, aborda os "Textos literários e autênticos”.Com estes estudos, os autores pretendem contribuir para o entendimento do processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa como uma unidade disciplinar transversal ao currículo do sistema de ensino e de educação de Angola: a língua é a chave para a aprendizagem das demais disciplinas.O linguista Araújo dos Anjos explicou ao Jornal de Angola que a equipa apresenta igualmente tópicos que servirão de mote para o debate nacional sobre a pertinência didáctico-pedagógica de uma terminologia gramatical angolana, assente nos princípios universais da Língua Portuguesa, uma das várias "pedras no caminho” ainda persistentes do ensino da Língua Portuguesa no país.

Essa perspectiva justifica-se pelo facto de que todas as línguas naturais, pelo seu carácter biológico, adaptam-se a geografias, contextos e épocas distintas. E por isso mesmo, em Angola, a Língua Portuguesa assume parâmetros próprios, resultantes do contacto dos princípios universais do português com outros sistemas linguísticos, igualmente, naturais, outras culturas, outras geografias, outras épocas."Os estudos sobre o Português em Portugal e no Brasil são seculares, o que lhes permite uma gramaticalização mais sistemática e, consequentemente, o poderio linguístico-cultural sobre os demais países membros da comunidade de expressão portuguesa”, reconhecem os autores.Entretanto, o Português de Angola, apesar de estar  em constante variação e mudança, ainda carece de estudos mais aprofundados sobre a gramática interna da língua, com vista à sua caracterização e consequente normalização.

"Já há inúmeros estudos em curso, cujos resultados levarão o seu tempo para validação, com base em corpora criteriosamente seleccionados”, revelam, acrescentando que, em Angola, "é visível uma competição de gramáticas (português europeu, português brasileiro, português angolano), até mesmo entre falantes considerados cultos, cuja norma oral diverge consideravelmente da norma escrita. Os factores são inúmeros e podem ser retomados noutros fóruns”.Por isso, os autores defendem um investimento sério na gramaticalização do Português de Angola, fundamentalmente no domínio da frase (sintaxe). Caso contrário, o comportamento linguístico considerado ideal para o ensino, administração pública, "cultura”e os média estará dependente dos ditames da norma padrão europeia do português. 

O peso do Português

O Português é falado por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes, estimando-se que, em 2050, esse número cresça para quase 400 milhões e, em 2100, para mais de 500 milhões, segundo estimativas das Nações Unidas.As projecções para o final do século apontam que será no continente africano que se registará o maior aumento do número de falantes, nomeadamente em Angola, que deverá ter uma população superior a 170 milhões de pessoas, e Moçambique, com mais de 130 milhões de pessoas.O Português é a língua mais falada no hemisfério sul e a quarta língua mais falada no mundo como língua materna, a seguir ao mandarim, inglês e espanhol, segundo o Observatório da Língua Portuguesa. É também a quinta língua mais utilizada na Internet.

Globalmente, 3,7% da população mundial fala Português, que é língua oficial dos nove países membros da Comunidade dos Países (CPLP) e em Macau. Em conjunto, as economias lusófonas valem cerca de 2.700 milhões de euros, o que faria deste grupo a sexta maior economia do mundo, se se tratasse de um país, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os Países de Língua Portuguesa representam 3,6% da riqueza mundial, 5,48% das plataformas marítimas globais, 16,3% de disponibilidade global de reservas de água doce, 10,8 milhões de quilómetros quadrados.O português é também língua oficial ou de trabalho de cerca de 20 organizações internacionais, incluindo a União Europeia, União Africana, UNESCO, CPLP, Organização Mundial da Saúde (OMS), Mercosul, Organização dos Estados Americanos (OEA), Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).

A Língua que tem um museu

O primeiro museu do mundo totalmente dedicado a um idioma, maior património imaterial de uma nação, o Museu da Língua Portuguesa, foi destruído por um incêndio em Dezembro de 2015 e está a ser reconstruído. A reabertura oficial do espaço,  localizado em São Paulo, Brasil, está prevista para o dia 17 de Julho.Contudo, o museu não deixa o Dia da Língua Portuguesa passar em branco. A instituição tem uma programação especial online e gratuita, entre os dias 3 e 7 de Maio. A Semana da Língua Portuguesa conta com uma performance do músico Tom Zé e um encontro virtual com os escritores Mia Couto (Moçambique), José Eduardo Agualusa (Angola) e Inês Pedrosa (Portugal).

Haverá ainda uma aula do músico e ensaísta José Miguel Wisnik, além de uma mesa ao vivo sobre o funk e a literatura. A cantora Maria Bethânia vai encerrar o evento, com a leitura em vídeo do poema "Os Argonautas”, de Fernando Pessoa. O evento comemora o Dia da Língua Portuguesa, celebrado em 5 de Maio.Quando for reaberto, o museu revelar-se-á completamente transformado. A sua exposição permanente, por exemplo, foi repensada, com cerca de 80% do conteúdo a ser reformulado. O museu também vai abrigar mostras temporárias, sendo que a primeira é "Língua Solta”, que faz uma relação entre obras de arte e a língua portuguesa. Nela, estarão objectos que ancoram os seus significados no uso das palavras e que foram produzidos por artistas como Leonilson, Rosângela Rennó, Jac Leirner, Emmanuel Nassar e Jonathas de Andrade. 

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