Opinião

Encanto do Interior

Sousa Jamba

Jornalista

Não sei se é por eu sofrer de claustrofobia mas não gosto das cidades. Já passei algum tempo no meio de Nova Iorque, Chicago, Paris, Miami, Lagos, Nairóbi Joanesburgo e não gostei.

19/02/2021  Última atualização 08H40
No Reino Unido, onde vivi por uma boa parte da minha vida, gostei de viver nos subúrbios — bem longe do centro, rodeado de árvores e parques bem verdes e cheios de flores. Já fui professor de Inglês na Escócia. Eu vivia numa pequena casa do campo perto do mar. Passava as noites sozinho, lendo romances e pondo turfa na lareira. Os vizinhos, às vezes, me convidavam para o bar na aldeia. O dono do bar metia música congolesa e sul-africana e os bêbados dançavam girando as bundas com as línguas por fora, pensando que esta era a forma que todos os africanos dançavam. 

Lá, naquela aldeia de Kirkubright, eu passeava pela  floresta e à beira-mar, que era altamente agressivo,  ninguém fazia praia por lá, por ter tantas pedras e dizia-se que a água era tão fria que um ser humano não sobrevivia mais de trinta minutos. Havia, na Escócia, alguns aristocratas que, às vezes, me convidavam para ir à caça,  na altura eu montava cavalos. (Deixei de montar depois de uma grande queda). E lá, passávamos pelas montanhas e outros terrenos, apreciando a natureza. Soube nadar aos cinquenta anos — cinco anos atrás. Eu admirava aqueles europeus que chegavam ao lado de um rio, despiam, e davam um mergulho,  eu admirava aqueles britânicos que iam para as áreas rurais à procura de inspiração.

Saí de Angola em 1976, com dez anos, ainda criança. Cresci na diáspora a ouvir os mais-velhos (mãos no coração e com olhos bem fechados) a falar da poesia das paisagens do Planalto. Já estou cá no Planalto há quatro anos,  eu não trocaria isto por qualquer parte do mundo. Adoro viver aqui. Adoro ver  aquelas montanhas verdes e os pequenos rios cheios de mistério,  à beira destes rios não só há comida como também há medicina. A vida dos aldeões está completamente ligada à terra. Vai-se a uma aldeia e alguém pergunta porque razão ninguém construiu no topo de uma montanha. A resposta, às vezes, tem a ver com a história —- lá na montanha, os sobas podem dizer, é um local tradicionalmente sagrado. Antes de dar um mergulho num rio convidativo, é preciso pagar ao soba para "amarrar" os jacarés e todas as forças negativas lá no rio.

Talvez o meu amor pela natureza começou no tempo quando eu era refugiado na Zâmbia. Vivíamos no bairro, nos arredores de Lusaka, chamado Kaunda Square. Aí não havia nenhuma privacidade,  famílias inteiras tinham que partilhar uma casa de banho. Se o vizinho decidisse que iria fazer uma festa, então todos tinham que aguentar o barulho. Na biblioteca, eu me perdia em livros que falavam dos rios da Austrália, das pampas da Argentina, do silêncio assustador da Sibéria. Os livros eram para mim a "National Geographic.” Os romances que lia na Zâmbia falavam de castelos no meio das florestas da Inglaterra. 

Muitos amigos meus, em Londres, tinham, também, a sua casa de campo, para onde se retiravam para relaxar. Aqui em Angola noto que muitos citadinos perderam aquele encanto profundo com o interior. Quando vou para Luanda, visito parentes que vivem em alguns bairros onde a vida é difícil. Há localidades onde não há água,  é preciso comprar a mesma de camiões, alguns, me disseram, a serem conduzidos por cubanos. Há famílias inteiras a partilhar uma só casa de banho. Os jovens não têm nenhuma conexão com a natureza, o que é triste.

Historicamente, em Angola o interior foi sempre associado à guerra. Quando se fala do Leste de Angola, pensa-se logo na Guerra de Libertação Nacional e também da nossa Guerra Civil,  o Leste com as suas matas serradas albergava os guerrilheiros. Esta noção do interior vai ter que ser superada. 

Alguns meses atrás, estive nas Lundas e no Moxico onde vi locais que não estariam fora de uma brochura para férias nas Caraíbas. Há umas cachoeiras na Jamaica, Caraíbas, que são usadas em várias publicidades para atrair turistas para aquela ilha. No Moxico, vi centenas de cachoeiras muito superiores às da Jamaica de que se sabe quase nada. A serra da Leba, na Huila/Namibe está lá com os grandes lagos e quedas do continente, em termos de plena beleza, mas nem todos os angolanos sabem dela. O interior de Angola e as suas florestas vão ter que ser vistas como uma grande riqueza. As nossas elites vão mesmo ter que passar férias no Saurimo, Namibe, Lubango e não Lisboa, Madrid ou Paris.

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