Opinião

E a terceira idade senhores?

Jacques dos Santos

Escritor

Não tem sido fácil assumir a assinatura semanal desta coluna de opinião. Dificultada, curiosamente, pela presunção de ter feito a escolha correcta, acaba por se tornar incómoda.

28/02/2021  Última atualização 08H00
É desagradável para mim, para os meus mais próximos e até para amigos que, a despeito do que se observa, preferem a paz de espírito, boca calada distante de problemas e, como é óbvio, para os que se sentem atingidos pelo que escrevo. Expondo-me, vislumbrei a única via capaz de, nesta fase da vida, oferecer algo de útil à sociedade em que me insiro.
Ciente dos riscos que corro e admitindo sem qualquer complexo que os meus textos não podem, em termos estruturais e de análise política, ser comparados aos dos bons analistas e jornalistas da nossa praça. Ainda assim, e apesar de uma certa incontinência verbal que me sai espontânea e resulta da situação insólita que vivemos, julgo-os de alguma serventia, ao certificar que há gente a aplaudir a pertinência dos assuntos que abordo e a frontalidade com que os trato. Existem do lado contrário os que não suportam as minhas estocadas, o que é perfeitamente normal numa sociedade que, contra a vontade de muitos, se pretende plural, com cada um a falar e a dizer de sua justiça.

A minha escolha recaiu, desde o primeiro número, sobre uma área delicada e exigente. Requere coerência e sujeita-se a diversas interpretações. Por melindroso que é, o tema da crítica social força-me a falar de pessoas, instituições, serviços, direitos e obrigações do serviço público, para além de fazer alusões ao desempenho de muitas entidades e dos seus responsáveis. Leva-me a apontar erros e omissões. Também os êxitos, quando eles ocorrem. Atinjo sujeitos que nunca se habituaram à crítica e estão, quase sempre, posicionados em lugares importantes do aparelho da governação do país e juntam-se àqueles que, por vontade própria ou cumprindo ingrato serviço, mostram-se solidários com o funcionalismo impróprio e incumpridor, defendendo-o desesperadamente, sem argumentos válidos, no bem e no mal.

A minha actuação fere também os que se colocam no campo da oposição política que, a par de louváveis posicionamentos públicos a favor de uma discussão que conduza o país à estabilidade, também se aproveita deste momento insólito que vivemos (não há como negá-lo), para pôr a descoberto particularidades que revelam oportunismo político e consequente aproveitamento. É disso que se alimenta a política, contudo uma oposição séria em Angola deve ter propostas concrectas para o desenvolvimento do país e das suas populações e formas claras de as pôs em prática. Depois, ser coerente.
É deste modo que observo as figuras que me obrigam a opinar, as mesmas que hoje e em próximas ocasiões continuarão a merecer a minha atenção. Dentro da linha que escolhi, tratarei, com a verticalidade possível (é difícil ser aprumado com pessoas desalmadas), essencialmente aquelas que ao invés de se explicarem ou ao menos aceitarem ideias e sugestões, os recados que a sociedade, desesperada, envia das mais diversas formas, se mantêm a alimentar sonhos sobre a sua intocabilidade. Como fazer entender, sem ferir a verdade, os que insistem em não aceitar o país que temos, com as suas diferenças, potencialidades e carências globais? Como demover a ideia dos que o observam na perspectiva de um país feito apenas para a sua medida, exclusivo para eles? Muito difícil!

Faço um brevíssimo reparo a um indivíduo que há dias resolveu falar de mim sem razão. Atende pelo nome de Raul Diniz e a sociedade angolana, pelo menos a do meu tempo, conhece-o bem, e não por coisas boas. Ele não me conhece, não pode conhecer-me, o que torna insólita a sua provocação.
Posto isto, passarei a falar do que mais me importa para agora. Da geração de angolanos que, por altura da independência nacional, tinha entre vinte e quarenta anos. Uma geração de quadros técnicos que, nas várias frentes, lutou pelo país e participou durante os primeiros anos para que, com o seu trabalho, se sustentasse a economia de Angola. Aconteceu num período difícil, onde ninguém se poupava a esforços. Descontaram do seu salário para a Segurança Social, pagaram sempre os seus impostos. Acreditaram no Governo e no partido no poder. Evitaram a saída de divisas ao substituírem expatriados, assumindo inúmeras e altas responsabilidades. Reformaram-se a partir dos primeiros anos do século XXI.
Beneficiavam de reformas de 300/400 mil kwanzas que equivaliam a três/quatro mil dólares por mês. Como é sabido, grande parte dos fundos da Segurança Social foram desviados (para não dizer roubados, que é um termo muito forte) por indivíduos bem identificados, para serem utilizados indevidamente, em vez de servirem para suportar aqueles que descontaram para seu benefício futuro.

É doloroso reconhecer hoje que o Estado, para além de nunca se pronunciar sobre esta matéria, não assegurou até hoje a função fundamental de assistir os trabalhadores em geral e acima deles os reformados. Estes foram abandonados à sua sorte, inexoravelmente.
Ainda recentemente, as redes sociais mostravam muitos deles a dormir no chão para levantar a pensão miserável no banco onde estavam sedeadas as ditas pensões (situação que parece estar resolvida). O que não está resolvido e é totalmente inaceitável é a ausência da actualização das pensões. Já era tempo de se corrigir esta insólita situação que demonstra o desrespeito por aqueles que durante toda a vida contribuíram para o funcionamento do país e não merecem este tratamento em fim de vida. Será que terão de fazer vigílias junto do Palácio da cidade Alta para que lhes seja garantido um fim de vida digno e o necessário respeito? Ou será que devem morrer a pensar que deveriam ter roubado para não passar pelas humilhações actuais? Deixo isto à consideração de todos. Dos que gostam ou não do que escrevo. Fico por aqui. Até domingo à hora do matabicho.

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