Entrevista

Dionísio da Fonseca: “A reforma e modernização do Estado requerem um compromisso de todos em fazer diferente”

Adelina Inácio

A implementação da desconcentração administrativa e financeira de grau máximo, por via da conclusão do processo de transferência de competências dos Ministérios e dos Governos Provinciais para as Administrações Municipais, transformando-as nos principais órgãos responsáveis pela prestação de serviços aos cidadãos, estão entre as prioridades do MAT para este ano.

02/02/2023  Última atualização 08H16
© Fotografia por: Rafael Tati| Edições Novembro

 No entanto, o ministro Dionísio da Fonseca afirmou, em entrevista ao Jornal de Angola, que o processo da nova Divisão Político-Administrativa, que suscita, previamente, uma relação com as Autarquias, vai preparar, de forma objectiva, as condições da participação dos cidadãos nesse processo  

Senhor ministro, estamos a iniciar o novo ano. Olhando para o percurso por fazer, tendo em conta que estamos apenas no segundo mês, que prioridades aponta para o Ministério que dirige?

Primeiro, gostaria de situar, em jeito de memória, que o Ministério da Administração do Território é o departamento ministerial auxiliar do Presidente da República que tem por missão formular, coordenar, executar e avaliar a política do Executivo relativa à Administração Local do Estado, Administração Autárquica e demais instituições do Poder Local. Tem igualmente a missão de cuidar da organização do território e de apoiar os processos das Eleições Gerais e locais.

Para 2023, as prioridades são as seguintes: implementar uma desconcentração administrativa e financeira de grau máximo, por via da conclusão do processo de transferência de competências dos Ministérios e Governos Provinciais para as Administrações Municipais, transformando essas últimas nos principais órgãos responsáveis pela prestação de serviços  ao cidadão; promover a conclusão dos projectos do PIIM e começar a preparar a segunda fase do PIIM; elaborar e começar a executar o plano integrado de implementação das Autarquias Locais, um documento de carácter estratégico com acções concretas e encadeadas, que visam criar as condições para a institucionalização das autarquias locais.

 

Quanto à nova Divisão Política e Administrativa? 

Vamos submeter à aprovação da Assembleia Nacional a proposta de Lei que define a nova Divisão Política e Administrativa do país; criar as condições para a realização do registo eleitoral no modelo de Prova de Vida através dos Balcões Únicos de Atendimento ao Público e das brigadas de registo eleitoral, nos casos em que se justificar; reforçar os mecanismos de participação do cidadão na governação e melhorar os serviços públicos ao nível municipal; continuar a implementar o programa Kwenda, por via do Instituto de Desenvolvimento Local (IDL - FAS), expandindo-o para outros municípios, comunas e aldeias, em função dos recursos e das prioridades definidas para o programa.

 

Quais as principais acções que o MAT pretende implementar?

Durante o mandato 2022-2027, o MAT pretende implementar cinco programas estratégicos, nomeadamente o Programa de Reforma e Melhoria dos Serviços Públicos a nível municipal; Programa de Promoção da Cidadania e da Participação do Cidadão na Governação; Programa de Desconcentração e Descentralização Administrativa; Programa de Fortalecimento da Protecção Social (Kwenda) e o Programa de Desenvolvimento Local.

Esses programas comportam várias acções, sendo que, para 2023, destacamos a aprovação da nova Lei da Divisão Político-Administrativa, actualização do diagnóstico dos municípios, aprovação e execução da estratégia para o registo eleitoral, aprovação da legislação em falta do pacote legislativo autárquico, conclusão do processo de reforço da desconcentração administrativa.

Está prevista, também, a realização da conferência sobre as Autarquias Locais, instituição do Prémio Melhor Cidade, Melhor Município, do Fórum de Coesão Territorial, identificação de novas formas de participação dos cidadãos na governação.

 

O senhor ministro anunciou recentemente que estão a ser elaborados Planos Integrados de Intervenção municipal e provincial.  Qual o principal objectivo desses planos?

O balanço do PDN 2017-2022 e a análise do seu impacto na vida das populações demonstrou a existência de um número considerável de projectos iniciados em 2013 que não foram concluídos, devido à crise económica e financeira que afectou o país, desde 2014. Além desses, estão em curso projectos que têm financiamento garantido.

Adiciona-se a esses um número considerável de novos projectos, identificados pelas Administrações Municipais, Governos Provinciais e Departamentos Ministeriais, cuja execução requer, por um lado, a identificação de fontes de financiamento e, por outro, a definição de prioridades, além de uma coordenação e articulação institucionais bastante eficaz.

 

Mas as províncias continuaram a beneficiar de acções?

Durante os meses de Novembro e Dezembro de 2022, o MAT, sob orientação do Presidente da República e supervisão do ministro de Estado para a Coordenação Económica, coordenou a elaboração dos planos integrados de intervenção nas províncias. Desta feita, essas acções comportam, a nível global, 13 .246 projectos e demandam uma necessidade de financiamento estimada em Kz. 57. 667. 660 923. 784.90 (Cinquenta e sete biliões, seiscentos e sessenta e sete mil milhões, seiscentos e sessenta milhões, novecentos e vinte e três mil, setecentos e oitenta e quatro kwanzas e noventa cêntimos).

São recursos avultados. Por essa razão, tomou-se a decisão de escalonar a execução dos referidos projectos, enquadrá-los no OGE, tendo em conta, sempre, os próximos exercícios económicos, em função da disponibilidade financeira do Estado.

 

Quando ficam concluídos os projectos?

As 18 províncias estão contempladas com os planos integrados, estando o Ministério das Finanças a concluir o aprimoramento de alguns aspectos técnicos, com vista a inseri-los na Carteira Nacional de Projectos. A nossa expectativa é que esses planos sejam a base de orientação dos investimentos públicos a realizar em cada província, independentemente de quem seja o governador provincial ou o administrador municipal.

 

Para quando a institucionalização do Fórum  Municipal de Prestação de Contas?

O Fórum Municipal de Prestação de Contas é uma iniciativa que se insere no Orçamento Participativo, que possui duas vertentes. Uma tem a ver com o Orçamento do Munícipe, por via do qual o Executivo disponibiliza anualmente Kz. 25.000.000,00 (Vinte e cinco milhões de kwanzas) para cada Comité Técnico de Gestão do Orçamento do Munícipe.

Este comité é integrado por cidadãos escolhidos nas comunidades, a quem compete auscultar os membros, identificar, seleccionar e executar os projectos que considerem prioritários. Nesse domínio, o Orçamento Participativo está implementado nos 164 municípios e registou-se, até Dezembro de 2022, a aprovação de 1.586 projectos definidos e executados pelos munícipes.

 

Como será a participação dos cidadãos?

Temos de perceber isto no âmbito da segunda vertente do Orçamento Participativo, que tem a ver com o orçamento participado da Administração Municipal, por via do qual os munícipes são chamados a apresentar propostas concretas para constar no orçamento das Administrações Municipais. Nesse âmbito, foram realizados 164 fóruns de recolha de contribuições ao OGE de 2022 das Administrações Municipais. Isto demonstra que os munícipes têm voz no processo de elaboração do Orçamento Geral do Estado e participam directamente na execução de projectos das suas comunidades.

 

Como será feita a prestação de contas?

O Fórum Municipal de Prestação de Contas surge a jusante. Ou melhor, depois de executado o orçamento, a Administração Municipal presta informação aos munícipes sobre a forma como utilizou os recursos financeiros postos à sua disposição. Nesse sentido, já realizámos dois fóruns municipais de prestação de contas na província do Namibe, mais concretamente nos municípios do Tômbwa e Moçâmedes, que permitiram testar a metodologia, provando que há condições para levarmos essa iniciativa a todos os municípios do país.

 

Quais as vantagens?

O Fórum Municipal de Prestação de Contas é uma boa prática de governação. É um instrumento de administração aberta e transparente. Promove a participação do cidadão na gestão pública, responsabiliza os administradores municipais e a sua equipa, reforça a fiscalização da acção governativa, por parte dos munícipes. Numa palavra, é um instrumento que reforça e contribui para a consolidação da nossa democracia e um passo importante no processo de implementação das Autarquias Locais.

 

Como conciliar a implementação da nova Divisão Política e Administrativa com a implementação das autarquias?

Considero que há pelo menos três questões a clarificar. A primeira, é que devemos compreender que as Autarquias Locais visam, essencialmente, consolidar o nosso processo democrático, assegurando que a gestão pública municipal seja da responsabilidade de entidades eleitas localmente, por, em princípio, serem conhecedores da realidade e assumirem o compromisso político de administrarem cada circunscrição territorial no interesse exclusivo dos respectivos habitantes. Por conseguinte, do ponto de vista material, as Autarquias Locais representam uma forma distinta de organizar a prestação do serviço público.

 

Quanto à segunda...

A segunda questão, é preciso ter em conta que devemos encarar a implementação das Autarquias Locais como um processo que envolve várias acções. Aqui, aproveito para esclarecer que, contrariamente ao que se tem afirmado, nós temos recenseados, até agora, pelo menos mais quatro diplomas legais para concluirmos o pacote legislativo sobre a institucionalização das Autarquias Locais.

Isto é, a Lei sobre a Polícia Municipal, a Lei sobre as Medidas de Transição a adoptar para a implementação das Autarquias Locais, a Lei que aprova o Estatuto Remuneratório dos Titulares dos Órgãos e Serviços das Autarquias Locais. Todavia, para além da legislação, uma tarefa fundamental é a organização do território, com a definição clara e precisa dos limites das unidades territoriais.

 

Isto quer dizer...

Quer dizer que a nova Divisão Política e Administrativa proporcionará uma melhor delimitação do espaço territorial de intervenção de cada autarca e uma gestão mais efectiva e plena do território nacional. O critério demográfico, em alguns casos, e a extensão territorial, em outros, estiveram na base da definição da proposta inicial de novos municípios.

O princípio orientador foi a elevação das comunas e distritos urbanos à categoria de município, valorizando as estruturas já existentes. Outro princípio, foi o da desanexação de algumas unidades territoriais em municípios territorial ou demograficamente complexos e que não possuíam comunas como são os casos dos municípios de Benguela e do Uíge.

O trabalho técnico continua, e os resultados iniciais da auscultação recomendam algumas anexações e, por consequência, é provável que registemos a redução do número de municípios inicialmente previstos.

 

Como se vai operar a nível dos municípios?

No processo de municipalizacão, alguns entendem que primeiro se deveriam criar as condições em termos de infra-estruturas e de recursos humanos, para depois criar os municípios. É uma opinião legítima que compreendemos. Porém, entendemos que o paradigma pode ser mais disruptivo. Podemos seguir um caminho diferente. Podemos ser mais audazes. O importante é estarmos claros e seguros em relação à meta final.

Nós encaramos a nova DPA como uma medida capaz de estimular o desenvolvimento das novas unidades territoriais. As 518 comunas e os 44 distritos urbanos já existem. No contexto actual, representam despesa pública, mas são pouco efectivas na resolução dos problemas dos munícipes. Não possuem competências para praticar vários actos administrativos. A generalidade não possui orçamento. Servem, fundamentalmente, como um interface entre o cidadão e a Administração Municipal. Podemos tirar um melhor proveito dessas estruturas e conferir maior dignidade aos funcionários que lá trabalham, tornando-os mais úteis para os cidadãos.

Portanto, o nosso foco é aproximar os serviços à população, nossa visão é, assaz, tornar mais efectiva a participação do cidadão na gestão dos municípios em que residem. Assim, entendemos não ser possível alcançar esses objectivos de boa governação com a actual divisão política e administrativa.

 

Parece que o problema está no conceito?

A alteração da divisão político-administrativa é uma iniciativa de que muito se fala há vários anos, e teve avanços e recuos. Mas a matriz continua a ser a herdada do período colonial. Agora, temos uma proposta que privilegia, no essencial, a municipalizacão do Estado. O MAT recebeu várias contribuições, quer dos Conselhos de Auscultação das Comunidades, quer de associações ou organizações da sociedade civil, bem como de cidadãos a título individual.

Tivemos, também, acesso a muitos artigos publicados por alguns profissionais sobre o tema. É uma forma de participar no processo. Muitas contribuições têm chegado até nós de modo espontâneo, sem convites formais para o efeito. Temos estado no terreno a colher contribuições. Eu, pessoalmente, tive um diálogo muito interessante sobre o assunto com o Rei Mbingo-Mbingo no Cuito Cuanavale e com outras personalidades. Cada um tem opiniões muito próprias sobre a iniciativa. Por isso, valorizamos todas sem preconceitos. Para esse processo, o Executivo definiu um paradigma de consulta pública que não é exclusivo. Todos podem enviar as suas contribuições quer ao MAT, como muitos têm feito até agora, quer, posteriormente, à  Assembleia Nacional.

 

Quanto às autarquias locais?

Temos de desmistificar a ideia que alguns apregoam sobre um pretenso receio do Executivo não instituir as Autarquias Locais. Porque, podemos afirmar, o Executivo tem todo o interesse na sua implementação. Uma evidência disso, é o trabalho que vimos fazendo no domínio da municipalização do Estado. Ou seja, através do reforço das competências das Administrações Municipais, transferindo poderes para a prática de actos administrativos que antes só poderiam ser feitos pelos ministros e/ou governadores provinciais. Outra evidência, é o trabalho que temos realizado no domínio da promoção da participação do cidadão na governação com iniciativas atinentes à revitalização das comissões de moradores e a implementação do orçamento participativo.

Uma prova adicional é a implementação dos Balcões Únicos de Atendimento ao Público e a emissão dos cartões de munícipes que permitem alocar o cidadão eleitor na sua respectiva área de residência, onde exercerá o seu direito de voto. Portanto, estamos a progredir.

Em síntese, nós encaramos a nova divisão política e administrativa do país como uma acção que contribui, também, para institucionalizar as Autarquias Locais. Não as substitui nem as coloca em segundo plano.

 

Quais são os mecanismos de acompanhamento dos governos provinciais?

Uma das principais tarefas do MAT é auxiliar o Presidente da República na coordenação e acompanhamento das actividades dos Governos Provinciais. Para tal, existem instrumentos de gestão que são os Planos de Desenvolvimento das Províncias, os Planos Directores Municipais, os Planos de Actividades e os Orçamentos.

O MAT acompanha o processo de elaboração e execução desses instrumentos através dos relatórios periódicos de execução e das visitas de constatação realizadas pelo ministro, secretários de Estado e pelos directores nacionais às provincias e aos municípios. Temos, também, o Conselho de Governação Local e o Fórum dos Municípios e Cidade de Angola que são órgãos de consulta do Presidente da República e que servem de plataforma de acompanhamento do desenvolvimento da acção governativa nas circunscrições territoriais provinciais e municipais.

 

Esses mecanismos são eficientes?

Há duas iniciativas que temos em curso que contribuirão para melhorar o acompanhamento às províncias e aos municípios, que passam, nomeadamente, por identificar soluções para os problemas detectados nas localidades. A primeira é o Diagnóstico Municipal Dinâmico que permitirá recolher informação actualizada e permanente sobre a actividade dos municípios. A segunda é o laboratório de governação local,  a que apelidamos de MAT- LAB, que é um centro de estudos que visa identificar soluções para os problemas de gestão dos municípios e das cidades.

 

Como avalia o Programa de Modernização Administrativa?

O Programa de Reforma da Administração Pública tem como pressuposto a necessidade de remover as barreiras que obstaculizam a actividade do cidadão, das famílias e das empresas. Para o efeito, foi aprovado um roteiro. Nesse sentido, têm sido implementadas medidas concretas de reforma através do projecto Simplifica e iniciativas no âmbito da governação electrónica, cuja execução nos parecem estar no caminho certo.

São medidas necessárias e voltadas à satisfação dos interesses dos cidadãos e da modernização do Estado. No que ao MAT diz respeito, ambicionamos que os Balcões Únicos de Atendimento Público sejam os principais centros de prestação de serviços públicos aos cidadãos. Por isso estão instalados em todo o país, e têm uma grande capilaridade e podem funcionar como porta de entrada das solicitações de vários serviços públicos, tais como os pedidos de emissão do Bilhete de Identidade, cartas de condução, passaportes, títulos de propriedade diversos, licenças, entre outros. Temos, ainda, trabalhado com os departamentos ministeriais responsáveis por prestar esses serviços para integrar esses serviços nos BUAP, tornando-os mais próximos e acessíveis aos cidadãos e, consequentemente, melhorar os níveis de satisfação dos seus clientes.

 

Em que nível se encontra o processo de integração?

Estamos a caminhar bem, principalmente com o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, com quem temos um projecto comum, a que denominamos "Caminho Conjunto MAT-MINJUSDH”. No entanto, temos de acelerar o passo, considerando que aprofundar o processo de transferência de competências é uma missão de todo o Executivo.

A reforma e modernização do Estado requerem, antes de mais, um compromisso de todos em fazer diferente, romper paradigmas, alterar o status quo, transferir competências e capacitar os quadros dos órgãos da administração local do Estado. Fá-lo-emos por Angola e pelos angolanos.


Perfil

Dionísio Manuel da Fonseca

Data de nascimento: 19 de Março de 1982

Naturalidade: Província de Luanda

Formação Académica

2008 - Mestrado em Direito pela Universidade de Aberdeen, Escócia/Reino Unido, com distinção

 2018 - Mestrado em Negócios Internacionais (Global Business), pela Said Business School da Universidade de Oxford, Inglaterra

 2006 - Licenciatura em Direito pela Faculdade  de Direito da Universidade  Agostinho Neto

 

Formação Profissional

2021 - Formação para alta liderança sobre "Regras de Planificação e Orçamentação”, Escola Nacional de Administração e Políticas Públicas (ENAPP)

2016 - Especialização em Concepção e Implementação de Programas de Transferências Sociais pelo Economic Policy and Research Institute e United Nations University, África do Sul

2011 - Especialização em Infra-Estruturas em Economia de Mercado: Parcerias Público-Privadas num Mundo em Mudança, Harvard University, Kennedy School of Government, Cambridge, Massachussets, EUA

2010 - Curso sobre Elaboração e Análise de Projectos de Investimentos, IFBA, Luanda, Angola

 

Experiência Governativa

2019/2022 - Vice-governador da Província de Luanda para o Sector Político e Social

 

Experiência Profissional

 2017/2019 - Assessor jurídico de Modernização Administrativa e Intercâmbio do Vice-Presidente  da República

 2012/2019 - Assessor para os Assuntos Jurídicos do Vice-Presidente da República.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista