Entrevista

José Carlos da Silva: “Se não tivermos cais apropriados nunca iremos atrair esse movimento turístico”

Havendo infra-estruturas adequadas para dar suporte a chegada e partida de cruzeiros aos nossos portos é de uma vital importância para o turismo e para a economia nacional

23/10/2020  Última atualização 11H10
© Fotografia por: DR
Qual é importância de se ter uma infra-estrutura que sirva para os cruzeiros?

Havendo infra-estruturas adequadas para dar suporte a chegada e partida de cruzeiros aos nossos portos é de uma vital importância para o turismo e para a economia nacional. Se não tivermos cais apropriados para embarque e desembarque de passageiros é óbvio que nunca iremos atrair esse movimento turístico praticado em muitos locais a nível mundial.

 
E quais devem ser estas condições?

O cais de embarque e desembarque têm de ter profundidade suficiente para os navios cruzeiros atracarem com a maior segurança, tem de estar verdadeiramente equipado, mobiliário apropriado para espera, balcões de atendimento, controlo de vistos, iluminação adequada, climatização para os dias mais quentes, material informativo para a chega e partida dos passageiros, equipamento informático, câmaras de vídeo vigilância que funcionem e que registem o movimento. Pequenas lojas de conveniência para atender algumas necessidades básicas. Pessoal qualificado e hospitaleiro.

Tudo isso assegurado...

... será sem dúvida uma garantia para os navios cruzeiros sentirem-se atraídos em passar por um dos nossos portos e visitar as nossas cidades.

E o que representaria para o turismo e economia angolana?

Representaria uma grande fonte de receita para o país e gerava muitos empregos. A vinda de um navio cruzeiro para Luanda, por exemplo, traz inúmeros turistas que podem ficar entre 12 a 24 horas até a partida para o próximo destino. Durante esse período de estadia, os turistas procuram visitar os pontos mais turísticos da cidade.

O que é que essas visitas poderiam gerar?

Havendo uma calorosa recepção e não precisa de ser nada muito folclórico, basta atender bem, para deixar o turista tão satisfeito que irá fazer a melhor campanha de marketing, que é passar a palavra da experiência que viveu e isso atrair mais turistas. Daria emprego para centenas de jovens como guias turísticos, os jovens teriam uma grande oportunidade de ler um pouco mais, investigar, estudar a história e geografia do país e dos locais de visita para se apropriar de matéria credível para informar com verdade e deixar os turistas mais curiosos.Daríamos a oportunidade de pequenos negócios de artesanato e sabores da terra serem comercializados, muitas famílias poderiam viver dessa indústria, com um trabalho digno e um salário. Lojas dentro dos cais de embarque e desembarque, pequenas lojas próximas dos locais turísticos com venda de vários artigos ligados à nossa cultura, história, geografia. Poderia fazer nascer e crescer algumas agências de turismo com serviços de táxi para os destinos turísticos e dando emprego aos jovens guias turísticos. Os bancos e as lojas de câmbio poderiam ter a oportunidade de vender e comprar moeda estrangeira diretamente dos turistas
Seria sem dúvida um ganho para a economia nacional, gerando emprego o Estado teria mais contribuintes.

Quais os factores, neste momento, tirando a pandemia, que jogariam contra este movimento para Angola?

Falta de infra-estruturas apropriadas, dificuldades na obtenção de vistos de entrada na fronteira, burocracia nas chegadas e partidas, quanto mais célere for o processo melhor é para essas agências/navios de turismo uma vez que há horários a serem cumpridos nas rotas e destinos de cada país. Episódios de assaltos, roubos, crimes também podem ser um factor de bloqueio, preços exorbitantes na venda de pacotes de visitas aos locais de interesse turístico que possam afugentar qualquer turista, falta de transparência e desonestidade.

Já por cá cruzaram cruzeiros, foi uma experiência válida e lucrativa?

A experiência foi válida, deu para sentir um gostinho de oportunidade de negócio, mas não creio que tenha sido lucrativa porque não estávamos devidamente preparados, não tínhamos a experiência necessária para tirarmos o maior proveito da quantidade de turistas que pisaram o nosso solo. Não tínhamos e creio que ainda não temos as lojas que possam atrair a atenção dos turistas num curto espaço de tempo. Um navio que esteja parado por 12 horas, pouco ou nada dá para o turista visitar alguns pontos e ao mesmo tempo ir até ao Benfica porque é quase o único mercado que há de peças de artesanato, como o turista (especificamente os dos cruzeiros) têm pouco tempo em terra, tudo deve estar quase próximo para ele consumir e ter tempo para as visitas.

A questão está em investir em meios para apoiar este segmento, ou primeiro no sector do turismo?

Penso que o investimento deveria ser no turismo de uma forma geral e dessa forma este segmento dos cruzeiros também sairia beneficiado, porque o turismo é um sector pouco explorado em Angola, que vive exclusivamente dos turistas internos, nacionais e estrangeiros que trabalham em Angola, pois o país tem um potencial turístico incalculável, paisagens, fauna, flora, costa marítima, rios, montanhas e ainda não conseguimos olhar para tudo isso como fonte de rendimento. Se já olhamos então deve estar a faltar o próximo passo que é a ação e isso é que ainda está lento. O investimento tem de ser em todas as frentes: vias rodoviárias, ferroviárias, marítimas e aéreas seguras e fiáveis com ligação as províncias. Meios de transportes de apoio ao sector, de preferência privado, para gerar emprego e ter melhor gestão. Hotéis e outras modalidades de acomodação para os turistas . Alimentação obedecendo as regras internacionais de saúde e higiene. Polícia fronteiriça treinada para atender ao fluxo de turistas, sem criar transtornos
Um mecanismo mais célere na aquisição de vistos de fronteira. Melhor atendimento e celeridade nos processos de aquisição de vistos de turistas nos consulados de Angola, quanto mais burocracia e mais bloqueio tivermos, menos atraímos e quanto menos turistas tivermos, mais afectamos todos os negócios que precisam dos turistas para gerar receita e serem dignos contribuintes para o estado.

E a questão segurança?

Garantir a segurança dos turistas é um chamariz para mais turistas. Por exemplo, não impedir que o turista fotografe o nosso país, é uma óptima campanha de marketing, devemos ter orgulho do país que temos, da beleza que tem e que poder ser partilhada com outros povos.

Parece faltar alguma sincronização?

Havendo uma verdadeira sincronização de todos os responsáveis, cada um fazendo a sua parte e bem feita, todos saem a ganhar, o turista ficará satisfeito porque quer voltar e quer trazer mais pessoas, as pequenas e médias empresas ganham, geramos mais empregos, garantimos mais salários para as famílias, os jovens têm uma grande oportunidade para serem mais criativos, o país ganha mais contribuintes, passamos uma imagem melhor de Angola para o exterior e consequentemente o atrairemos mais investimento estrangeiro para a economia nacional. Ganhamos todos se pensarmos todos com o mesmo propósito.

Quais as estratégias, políticas, que o Executivo deve apelar para uma possível materialização e tornar esta fragilidade numa verdadeira fonte de receita?

A Covid-19 veio fazer um reset em todas as economias, obrigando os governos e a sociedade de uma forma geral a reprogramarem-se, aprender a conviver com esta nova realidade não é um exercício do dia para noite, estamos todos a aprender. A vantagens de alguns governos/sociedades é que são mais estáveis, mais robustas, com níveis de desenvolvimento que permitem passar pelas crises e saírem mais fortes.

Neste caso, qual deve ser a visão imediata?

 É a de  pensarmos Angola para médio/longo prazo. Investir no turismo é para ontem, mas não temos como voltar atrás e calcular o que já perdemos. Por isso, temos de investir hoje, pensando em 2023/2025, altura em que voltaremos a ver o turismo a voltar ao "normal” um pouco por todos os países e é nessa altura que deveremos estar minimamente prontos para receber. Aproveitar que o mundo está todo "parado”, pensar onde é que queremos estar e como queremos estar quando ele acordar. Temos de estar prontos em várias frentes, principalmente na força de trabalho, os jovens têm aqui uma grande oportunidade para se capacitarem, investir em formação porque quando o mundo "acordar”, vai precisar de gente pronta, qualificada para os novos tempos. Estamos a atravessar uma situação pandémica a nível mundial o que significa dizer que o fluxo de turistas diminuiu consideravelmente, criando um caos para as companhias aéreas, navios cruzeiros, para a indústria hospitaleira, restauração, espetáculos, teatro, uma redução da força de trabalho muito grande, mandando inúmeros trabalhadores para casa Por isso, deveríamos aproveitar este interregno até voltarmos a ter novamente circulação entre fronteiras e construirmos tudo que for necessário.


Pequenas lojas próximas das chegadas
Isto daria um investimento avaliado em quanto em termos de montagens destas infra-estruturas de apoio?

Bem esta pergunta requer um pouco mais de avaliação/estudo, levantamento de tudo que é necessário e depois orçamentar, porque o objectivo não é pensar em turismo pensando apenas em Luanda, uma vez que existe mais potencial no resto das províncias, por isso, teria de se avaliar as necessidades de todas as províncias.

Onde se poderia montar estes locais de atracção?

Basicamente em todos os lugares de atracção turística do país, respeitando um certo distanciamento como forma de protecção da fauna, flora, costa marítima, montanhas etc. Construir seja o que for justamente no coração dessas atracções, é um risco. Estamos a falar de restaurantes, lojas para venda de artesanato e lembranças sobre Angola, aguçaria à imaginação dos artesãos em produzir mais variedades ao invés de ficarem só pelas estátuas de madeira e dos quadros de areia, sobre as províncias, sobre os lugares visitados, bares, agências de turismo para venda de serviços, venda de cartões de telefonia móvel temporário, rosas de porcelana artificiais, os nossos quitutes devidamente embalados para serem transportados, venda da fruta local com toda a informação calórica e vitamínica, daria a oportunidade de jovens escreverem livros com contos das vilas, das cidades e dos locais e disponibilizar para venda em 3 línguas etc. Dentro das cidades o conceito é diferente, há muito comércio espalhado por centros comerciais, lojas, restaurantes, bares, mas não nos devemos esquecer de construir pequenas lojas o mais próximo das chegadas e das partidas.

Em termos de emprego, quanto se empregaria e como faria este exercício custo/benefícios?

Havendo movimento de pessoas, naturalmente surgem os problemas. Havendo problemas, tem de existir a solução para esses problemas, solução é igual a oportunidade de todos encontrarmos a resposta para os problemas e nessa corrida para se encontrar a solução para o problema A, B ou C, vence quem for mais criativo, quem pensar melhor na satisfação do cliente, quem está sempre a inovar, quem for amigo do meio ambiente, quem vender o melhor produto, melhor serviço ao melhor preço, quem for honesto, porque as oportunidades serão para todos, desde o empregado de limpeza da casa/hotel/acomodação onde o turista se hospeda até ao motorista que conduz os turistas, o mecânico no percurso que tem o pneu para substituir, o óleo para trocar, do fotógrafo que vai tirando alguns momentos e que depois disponibiliza para venda, do jovem mais atendo que cria as histórias e que publica em livros, dos empregados das lojas, postos de combustível passam a ter mais movimento, venda de artigos de todas as espécies desde que seja atractivo para os turistas.