Entrevista

Osvaldo João: Estado apoia empresas privatizadas no acesso ao crédito

O secretário de Estado para as Finanças e Tesouro e Coordenador do Grupo Técnico do Programa de Privatizações (Propriv), Osvaldo João, afirmou, em entrevista à ANGOP, que o Estado angolano dará passos muito concretos, em 2021, para a privatização de activos. O Estado prevê que todas as empresas do programa tenham os seus processos de privatização iniciados até 2022, ou seja, que os processos de privatização dos 195 activos estejam lançados neste período - afirmou

01/10/2020  Última atualização 12H07
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Que balanço é possível fazer do Programa de Privatizações (PROPRIV), dois anos depois do seu lançamento oficial?

Até ao momento, foi arrecadado um valor de 64 mil milhões de Kwanzas, resultante da privatização de 23 activos. Estes dados referem-se ao 3º trimestre de 2020.
Estes activos pertencem aos lotes enquadrados na lista anexa ao Programa de Privatizações, nomeadamente, unidades industriais localizadas da Zona Económica Especial, empreendimentos agroindustriais e agropecuários, três unidades industriais têxteis, além de activos imobiliários que pertenciam à Sonangol e que se localizavam em Portugal.
De notar que estão na fase final os processos de privatização de quatro participações no sector financeiro, que incluem a contratação de um intermediário financeiro, que apoiará todo o processo, desde a “due diligence” (avaliação de risco prévia a uma contratação) à definição de um calendário final.
É neste âmbito que foi contratado o Standard Bank de Angola, para apoiar o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) no processo de privatização do Banco de Comércio e Indústria (BCI). Estão ainda a decorrer os concursos para uma nova fase de privatização de outros cinco empreendimentos agropecuários, 12 empreendimentos agroindustriais, além de sete participações da Sonangol em empresas do sector dos petróleos e três empreendimentos hoteleiros.
Em termos de participações, está ainda em fase de conclusão a alienação de participações no sector das bebidas, nomeadamente, na Cuca, EKA e N’gola. Ao mesmo tempo que estamos a concluir estes processos, estamos na iminência de lançar outros.

Até ao momento, os resultados estão em linha com os objectivos definidos?

O PROPRIV insere-se na estratégia de consolidação fiscal, sendo parte do Programa de Estabilização Económica, que foi gizado desde o início desta legislatura, com o objectivo de promover a estabilização das finanças públicas, por via da consolidação fiscal, do mercado monetário, cambial e da recuperação de níveis robustos de crescimento económico.
Em relação à consolidação fiscal, o Executivo pretende aumentar a receita fiscal não-petrolífera e reduzir ou conter a despesa pública, empreendendo, de igual modo, esforços para melhorar a sua qualidade. É, precisamente, nestes dois eixos que se enquadra este programa de privatizações, iniciativa que permitirá ao Executivo reduzir a presença do Estado no sector empresarial, promover a concorrência e a iniciativa privada, melhorar a disponibilização de produtos e serviços para a população, melhorar a distribuição do rendimento ao nível da economia nacional, bem como promover o mercado de capitais no país.
Naturalmente, sem descurar da angariação de receitas para ao erário. Temos, portanto, objectivos financeiros e económicos.

Como é feita a gestão do programa de privatizações, para que dê certo?

Associado ao alcance dos objectivos é fundamental referirmo-nos à estrutura de governação do PROPRIV, que visa níveis de transparência muito elevados e reconhecíveis a nível internacional, para contribuir e melhorar o ambiente de negócios. Por este motivo, foi aprovada a Lei de Bases das Privatizações (LBP), que determina as linhas gerais para a alienação de activos e participações do Estado no quadro do PROPRIV, entre outras informações relevantes.
De igual modo, foi criada a Comissão Nacional Interministerial para Acompanhamento do Programa de Privatizações, que reúne várias entidades do sector público, com o objectivo de coordenar a implementação do programa.
Esta Comissão é coordenada pelo senhor ministro de Estado para a Coordenação Económica, professor-Dr. Manuel Nunes Júnior, e inclui um Grupo Técnico Permanente (GTP), coordenado pelo secretário do Estado do Tesouro.
O GTP é responsável pela componente operacional do Programa. Conforme determinado na LBP e orientações da Comissão Nacional Interministerial, temos a obrigatoriedade de fazer publicações dos resultados do programa. Por isso, iremos tornar público, em breve, o relatório do 1º semestre de 2020, apresentado, recentemente, em reunião do Conselho de Ministros.

Estamos já no segundo semestre do ano e nem metade do que se propuseram alienar foi privatizado? Qual é o constrangimento?

O próprio calendário prevê que todas as empresas do programa tenham os seus processos de privatização iniciados até 2022, isto é, os processos de privatização dos 195 activos devem estar lançados neste período. Por isso, estamos muito empenhados e focados em cumprir este objectivo.
Estamos nesta altura a priorizar aqueles activos que, do ponto de vista da sua estrutura de governação empresarial, apresentem condições mais favoráveis de alienação no actual contexto. Enquanto isso, decorrem os trabalhos de preparação dos activos de maior dimensão e que requerem alguma alteração e ajustamento ao seu modelo de governação, entre outras medidas, sendo que os concursos serão lançados em 2021 e 2022.
Estamos convictos de que, em 2021, daremos passos muito concretos para a privatização de activos e participações de referência na-
cional. Todo o trabalho realizado até ao momento permitiu-nos constatar que temos de ser rigorosos na preparação, de modo a que tais empresas continuem a desempenhar um papel essencial na economia e despertem o interesse dos investidores.
Portanto, como que numa incubadora, temos de assegurar que todos os envolvidos na gestão das empresas e do PROPRIV trabalhem em conjunto. Naturalmente, do universo das 195 empresas e activos, nem todas as empresas encontram-se na mesma situação e, por isso, temos de dar o tratamento adequado. São os casos de participações no sector financeiro, como os 10% no Banco Angolano de Investimentos, 25% no Banco Caixa Geral Angola e alienação de 100% do BCI.
Gostaria também de realçar que está em curso o processo de privatização da maior empresa de seguros de Angola, a ENSA, que decorrerá em duas fases. Num primeiro momento, procederemos à selecção de um parceiro estratégico, dada a dimensão da empresa e a sua representatividade no sector, onde detém a maior quota de mercado. Desta forma, continuará a ser robusta e a prestar um serviço de qualidade à economia.

Esta privatização será parcial ou total?

Como referi, será feita em 2 fases. Primeiro, está em estudo a alienação de uma percentagem que pode ultrapassar os 50%, com a entrada de um parceiro estratégico. A segunda fase inclui o processo de dispersão do capital na bolsa de valores, até 2022. Este é apenas um dos muitos processos do PROPRIV que contribuirão para a dinamização do mercado de capitais.

Com a privatização destas 195 empresas, quanto o Estado prevê encaixar em termos financeiros?

A previsão de arrecadação de receitas do PROPRIV é dinâmica e afectada, directamente, por um conjunto de factores, como o contexto macroeconómico, o comportamento dos investidores, a atractividade relativa do mercado angolano e os próprios activos e participações, entre muitos outros.
Por exemplo, os preços dos activos, que podem servir para a definição de uma expectativa, servem de referência para a equipa de privatização, mas são afectados pelas condições objectivas do mercado e dos próprios activos. Por isso, consideramos sempre um valor de reserva, isto é, um valor mí-nimo aceitável considerando a defesa do interesse públi-co, os cursos incorridos para a criação do activo, entre outros factores.
Como referi, depois temos de considerar as condições do mercado e o apetite de quem investe. Para todo o programa, temos uma estimativa de valores mínimos à volta de mil milhões de dólares. Repito, entretanto, que o que mais nos anima é a recuperação destes activos, no sentido de gerarem maior valor para os investidores e condições de maior empregabilidade para a população.

Do ponto de vista contabilístico, estas empresas têm apresentado os relatórios de contas, e qual é a situação patrimonial destas empresas que vão à privatização?

Para as empresas de referência nacional tem havido essa exigência. Na verdade, foi um dos critérios para a segmentação do programa. A grande maioria das empresas públicas, com representatividade na economia, apresenta relatório e contas anuais ao IGAPE. Mas temos que considerar que grande parte das 195 empresas e activos não têm actividade. São unidades nos vários sectores, como a agricultura, por exemplo, que não têm actividade e para as quais não se aplica a exigência de contas, mas compete ao grupo técnico criar as condições e avaliação destes activos.

Em relação às empresas consideradas “valiosas”, como a ENSA e a UNITEL, o Estado preservará uma participação estratégica?

Reiteramos que o objectivo do Programa de Privatizações é a redução das despesas com empresas públicas, promover o sector privado e garantir que os cidadãos tenham acesso a produtos e serviços com qualidade, além da arrecadação de receitas. Por isso, a análise destes temas é contínua. Por isso mesmo, referimos que para várias empresas a privatização será feita em 2 fases, como é o caso da ENSA.
Em função da apetência do mercado e das condições oferecidas pelos investidores, teremos várias opções de decisão. Mas o racional é que o Estado esteja presente em empresas estratégicas e onde se justifique do ponto de vista do interesse público.

O Estado nestas empresas teria o poder de veto em determinadas matérias?

Efectivamente, a recente alteração da Lei do Sector Empresarial Público introduziu o estatuto de golden share para as participações do Estado em várias empresas. Mas os privilégios têm como objectivo garantir que o Estado possa proteger o interesse nacional apenas em situações muito concretas. Continuamos focados em assegurar que os investidores privados possam desenvolver a sua actividade, salvaguardar a concorrência porque entendemos que a iniciativa privada é um componente fulcral para o desenvolvimento económico do nosso país.


A criação de empregos é um dos objectivos do Programa de Privatizações

Da lista em posse da comissão, quantos investidores estrangeiros manifestaram o interesse em participar no capital destas empresas que estão à venda?

Temos sido contactados por vários investidores, em função dos vários tipos de activos e participações incluídos no Programa. Por exemplo, para os cerca de 40 activos em concurso neste momento e os 14 já alienados, tivemos vários investidores. Em função do processo de privatização, temos também a participação de investidores estrangeiros, como é o caso das unidades industriais têxteis, "players" com grande "expertise" nesse tipo de negócios.
O número de investidores deverá crescer com a concretização dos processos das empresas de referência, nomeadamente, as do sector financeiro e das telecomunicações. A preparação será um factor importante para a atracção de investidores de referência.
Por isso mesmo, seleccionamos o banco Standard Bank de Angola, na expectativa de que na privatização do BCI desperte o interesse de investidores estrangeiros que fazem parte da rede de contactos do intermediário financeiro.

Em relação às 14 empresas já vendidas, quais são as informações que a comissão tem acerca do funcionamento das mesmas?

Os resultados são satisfatórios, considerando o contexto desafiante que vivemos. Existem vários activos já em funcionamento, como são os casos de duas unidades industriais localizadas na Zona Económica Especial. Estavam sem funcionar há cerca de 10 anos e neste momento, além de criarem empregos, geram produtos para o mercado.
Temos outros empreendimentos no sector agrícola que foram privatizados e estão já em pleno funcionamento, mas uma das medidas que tomamos é associar os investidores que se en-contram no Programa de Pri-
vatizações aos demais programas do Executivo, nomeadamente, o PRODESI. O Executivo tem dado orientações claras sobre a necessidade de integração dos programas. Por exemplo, as empresas que participam no PROPRIV podem beneficiar das linhas de apoio e outros benefícios previstos no PRODESI e PAC.

Para aquelas empresas que estavam, antes da privatização, a funcionar na normalidade, estão salvaguardados postos de trabalho ou o seu destino fica a mercê do novo proprietário?

A criação de empregos é um dos objectivos do Programa de Privatizações. Por isso, nas negociações com os empresários temos privilegiado a salvaguarda dos postos de trabalho. O objectivo é que haja aumento dos postos de trabalho no futuro, fruto dos novos investimentos que os empregadores venham a fazer.
Para determinadas empresas que constam do PROPRIV, o próprio Executivo tem implementado o saneamento antes mesmo de privatizar, para que as entidades que adquirem os activos se concentrem na geração de empregos de qualidade.
Notamos já que, relativamente às empresas que já foram privatizadas, foram gerados 150 postos de trabalho directos e, por via da dinâmica das empresas associadas, 320 indirectos. Temos ainda de notar que alguns matadouros já privatizados estavam em funcionamento e os pontos de emprego foram mantidos. Estamos cientes de que é um tema que deve merecer a nossa máxima atenção.
Por este motivo, em todos os concursos públicos de privatização são atribuídos pontos adicionais em função da manutenção ou criação de novos empregos potencialmente.

Neste processo de privatizações, gostaríamos que nos falasse sobre o que representa o passado, presente e o futuro?

O futuro representa, claramente, a liberalização da economia e a melhoria das condições de vida das famílias, por via da sua participação na actividade económica, quer seja como trabalhadores, quer seja como accionistas nas várias empresas que se pretende privatizar.
Conforme referi, um dos grandes objectivos do Programa é também a redistribuição da renda nacional, que será feita a todos os níveis e para todos os investidores da economia nacional, tanto para aqueles que têm rendimentos elevados, como para os que possuem pequenas poupanças. E os aforradores de pequenas poupanças poderão adquirir participações sociais nas empresas que estão a ser privatizadas por via da dispersão de capital em bolsa, onde cada um pode adquirir pequenas parcelas do capital.
Estes e os outros benefícios referidos anteriormente, permitem-nos antever que podemos começar a beneficiar dos efeitos deste Programa no presente, embora atinjamos a sua plenitude no médio e longo prazo.

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