Opinião

Quem não lê, chapéu!

Leonel Kassana

Jornalista

Existe um ditado popular que afirma: “Quem não lê, chapéu!” A palavra “chapéu” aqui representa a cegueira mental. Este dito tem a sua razão de ser na constatação de que a leitura de bons livros aumenta a cultura geral do leitor. Também é amplamente reconhecido que a literatura permite ao seu cultor um domínio maior da língua e, consequentemente, uma maior apreensão dos conceitos e uma maior capacidade lógico-dedutiva. Por isso se deu o nome de “mestres mudos’ aos livros. O livro dá-nos uma noção das várias dimensões em que se estrutura o viver social e a marcha da Humanidade.

10/06/2019  Última atualização 08H17

Mas é igualmente um dado adquirido que, em Angola, o livro viu reduzido o seu impacto cultural, educativo e recreativo, a partir de meados dos anos 90, devido à crise de leitura que afectou toda a população, principalmente a escolar. Essa crise de leitura tem raízes na carência de livros a preços acessíveis e na baixa produção livreira, para além da fraca promoção e distribuição do livro. É uma crise social e comportamental que se enquadra na crise geral que tocou o país, com o recrudescimento do conflito na altura e, depois da paz, com a heresia política da acumulação primitiva do capital, cujas sequelas não se apagarão tão cedo.
Contudo, o livro desempenha e desempenhará, por longos anos, uma função informativa e cultural insubstituível, cujos resultados vão para além dos alcançados pela crescente aposta no ecrã (do android ou da TV). Investir no livro em Angola é, portanto, uma adaptação às próprias condições histórico-sociais que dominam o país com um índice de sub-desenvolvimento humano catastrófico.

Dez milhões de leitores sem livros
A maior decepção, o maior constrangimento, na experiência de qualquer professor de Língua Portuguesa em Angola, acontece quando não consegue realizar o plano de ensino – assente na dissecação de um autor clássico por cada turma – simplesmente por escassez de livros no mercado. Provavelmente, é devido à baixa oferta que os livros custam os olhos da cara. É desta constatação que qualquer acção concertada pelo Governo deve partir. Ninguém pode pretender ter um Ensino de qualidade sem livros em abundância nas livrarias, quiosques e papelarias do centro às periferias, e nos supermercados que agora tomaram o lugar das livrarias. Angola tem escassez de livros no mercado e uma irrisória rede de livrarias e locais de venda a retalho do livro nas periferias.
É no serviço de Educação pública onde se localiza o público-alvo por excelência do produto chamado livro, com uma estimativa de 10 milhões de potenciais leitores de literatura diversificada (livro didáctico, antologias de textos, e a literatura artística), o que perfaz numa previsão por defeito de 50 milhões de livros-ano, repartidos pelas disciplinas do currículo escolar. Deste número, se considerarmos apenas 1 milhão de obras literárias para o universo estudantil, ensino primário, médio e universitário, teremos uma dinâmica editorial só relativa ao livro de ficção e poesia e um rendimento comercial e editorial vantajoso tanto para os autores como para os produtores, bem como uma alavanca a agregar ao desenvolvimento económico. Não se esqueça, porém, que um factor que provoca a queda do preço do livro, para além da oferta massiva, é o renascimento da indústria do papel que já existia no passado colonial (Fábrica de Papel e Celulose do Alto-Catumbela).
Nessa onda de promoção da leitura, há que considerar o livro on-line: o livro electrónico (e-book) e a leitura no tablet portátil. Porém, nenhum sistema de Ensino pode incentivar o vício da leitura nos estudantes sem que ensine, primeiro, os docentes a lerem. Quem não lê, chapéu!

Comissão do Livro e da Leitura
Em Agosto de 2018, o Presidente João Lourenço criou uma comissão coordenada pela ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, com a tarefa de “propor e implementar o Plano Nacional de Leitura com o envolvimento dos departamentos ministeriais competentes, assim como apoiar iniciativas que visam conferir ao livro infantil prioridade na política livreira, desde o processo de criação ao de distribuição”.
Sabendo que a referida Comissão tem um mandato de cinco anos, tendo já quase decorrido um ano desde a sua criação, e não tendo visto até agora nenhuma acção iniciada por esta Comissão, não se estará a perder o tempo valioso que a criança e a juventude devem investir na leitura?
Steen Jakobsen, economista-chefe do banco dinamarquês Saxo Bank, em entrevista ao Observador disse que “o investimento na educação é o principal indicador de produtividade futura.” Acrescentou este economista europeu que “a educação preocupa-me, acima de tudo, porque, como economista, é fácil constatar que os países mais produtivos do mundo – países como a Austrália, a Dinamarca, Suécia, Suíça, etc. – o que têm em comum é um sistema educativo que prepara bem as pessoas para serem ágeis, produtivas, qualificadas.” Com a leitura dirigida de bons livros, é claro! Pois quem não lê, chapéu!

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