Opinião

As razões que o livro tem

O Dia Mundial das Bibliotecas, 1 de Julho, passou quase despercebido entre os angolanos e tal seria isso ainda mais vincado se não corresse pelo país a iniciativa “Um livro, uma criança e muitas leituras”.

10/07/2017  Última atualização 07H01
Angop | © Fotografia por: Projecto “Um livro, uma criança e muitas leituras” já criou várias bibliotecas no país inteiro

Coordenada por Rui Filipe Ramos, um angolano de 61 anos, que parece querer vingar-se das injustiças do Mundo, levando aos menores com menos possibilidades em todo o país a oportunidade de terem um livro à mão de semear.
Informações do próprio indicam que com a iniciativa já foram constituídas 110 bilbliotecas infantis e escolares nas 18 províncias. O projecto, iniciado com a criação da primeira biblioteca no Hospital Pediátrico "David Benardino", em Luanda, com 200 livros, com a presença do juíz Onofre dos Santos, já permitiu a distribuição 35 mil livros em todo o país.
Pelo conteúdo dos posts na rede Facebook, Rui Filipe Ramos parece ter assumido a iniciativa como um desafio. Daí, as suas palavras: “Não somos os melhores, mas que outra acção semelhante existe no nosso país?” E atira a lança: “Que quem critica, pergunte a si próprio: eu já ofereci um livro a uma criança?”
A iniciativa reúne já uma vasta equipa em Angola e Portugal e a sua página no Facebook conta com mais de 32 mil “amigos”. Num desabafo, o coordenador lementa que o esforço, uma iniciativa não-governamental, pareça “estar a ser desprezado por muitas autoridades que fingem que isto não existe”.
Por estrada, os promotores têm percorrido o país e já foram a Menongue, Ondjiva, Luena, Saurimo, Dundo, Luachimo, Namibe, Lubango, Benguela e Sumbe, só para citar essas cidades, entre as muitas outras já visitadas.
Rui Filipe Ramos, que avisa os companheiros das redes sociais do seu velho “nome de guerra”, “Lulendo”, deixa claro o carácter da empreitada. “Pensar que a iniciativa ‘Um Livro, Uma Criança, Muitas Leituras’ tem conotações partidárias é viver alheado do que se passa em Angola”, escreve.
A inicitiva de Rui Filipe Ramos precisa de um suporte de lojística e boa vontade dos participantes, que imaginamos voluntários, mas tem a seu favor um forte aliado, a curiosidade natural das crianças.
O sessentão, se assim podemos chamar-lhe, deixa transparecer um toque de emoção quando refere “a alegria das crianças e dos jovens, até nas estradas, quando recebem um livro cheio de cores, de imagens, de palavras bonitas, pela primeira vez nas suas vidas”.
“Lulendo” chama a si uma espécie de cruz que o Mundo inteiro devia carregar.
 A data de 1 de Julho foi criada para enaltecer a importância da leitura na educação e formação das pessoas. O Manifesto da UNESCO Sobre Bibliotecas Públicas refere-se à “biblioteca pública como uma porta de acesso local ao conhecimento fulcral para o desenvolvimento cultural do indivíduo e dos grupos sociais”.
Na imprensa mundial, dá-se nota de actividades realizadas em vários países para promover a leitura na população e o desenvolvimento cultural. Entre estas iniciativas destacam-se as bibliotecas itinerantes, móveis, que possibilitam o livre acesso a livros, revistas e jornais em locais públicos, a sessões de leituras e a encontros de autores e leitores.
Nota de destaque é dada às pesquisas que mostram que as crianças que têm contacto com a literatura desde cedo, sobretudo, se forem acompanhados pelos pais, aprendem e pronunciam melhor as palavras e comunicam muito melhor. Através da leitura, a criança desenvolve a criatividade, a imaginação e adquire cultura, conhecimentos e valores.
Sublinhe-se ainda que a biblioteca desempenha um papel fulcral na democratização da sociedade através da promoção da leitura, do desenvolvimento cultural, da aprendizagem e do espírito crítico, contributo esse que fomenta a criação de laços entre indivíduos e conhecimento.
Nesse aspecto, devem-se referir as bibliotecas escolares, que desde sempre se apresentaram como uma necessidade e tiveram grande adesão por parte dos estebelecimentos de ensino. É de mencionar que as bibliotecas ultrapassam hoje o sentido clássico do termo: o de um espaço físico em que se guardam livros. A ideia de um depósito é extemporânea. O que se pretende é que cada vez mais a biblioteca vá ao encontro do leitor, que interaja com ele, o sensibilize antes de mobilizá-lo. Mais do que fornecer meios de aprendizagem, aprenda com o leitor.
Em muitos casos, as mediatecas chegam para as encomendas, mas esse é apenas um início. O livro tem cheiro próprio. A leitura do e-livro tem o som da nossa própria voz, que ecoa no cérebro a cada palavra lida, mas não tem o mesmo tacto. O livro físico tem razões que a razão desconhece.