Cultura

Revivalismo de Jorge Rosa na Trienal de Luanda

Marcelino Wambo | Caála

Jornalista

Herdeiro legítimo da obra do lendário Sofia Rosa, Jorge Rosa foi um dos convidados do último sábado, no âmbito da programação de concertos da III Trienal de Luanda, da Fundação Sindika Dokolo, ocasião em que o cantor e compositor interpretou os clássicos, “Mu Sambila”, “MahingaMami”, e “Kalumba”, incluindo três canções memoráveis da cantora Ilda Rosa.

28/03/2016  Última atualização 07H05
Cândido Rocheta © Fotografia por: Na apresentação de sábado no palco do Palácio de Ferro Jorge Rosa foi bastante aplaudido ao interpretar temas do seu repertório e do tio

A programação de concertos da III Trienal de Luanda pretende enaltecer a qualidade artística dos cantores, compositores e instrumentistas angolanos, valorizando um segmento musical reflexivo e experimental, que, normalmente, está distante do grande sucesso comercial da música de consumo imediato.
 Neste sentido, já desfilaram no palco do Palácio de Ferro: a Banda “Afra Sound Star”, o cantor compositor e guitarrista, Carlitos Vieira Dias, acompanhado por Nanutu, saxofone soprano, Dalú Roger, percussão, a Banda Next, formação jovem que funde canções referenciais da Música Popular Angolana, segmentos de rock, e referências da soul music norte americana, Anabela Aya, uma das vozes mais promissoras do universo afro-jazz angolano, Duo Canhoto, formação que representa, na actualidade, a vanguarda mais prestigiada da trova angolana, e da musicalidade endógena da cultura angolana, NdakaYoWiñi, cantor e compositor que valoriza a tradição pela estética da modernidade, Gari Sinedima, referência incontornável da nova geração de cantores e compositores, e Gabriel Tchiema, celebração sublime da musicalidade e da cultura tchokwe, Kiezos, conjunto histórico da Música Popular Angolana, Wyza, defensor dos valores culturais da tradição bacongo, Hélder Mendes, cantor e compositor da angolanidade aberto ao mundo, e  a Massemba já esteve representada pelos Novatos da Ilha de Luanda, e pelo União Elite, do Maculusso.

Percurso

A experiência adquirida ao longo de uma prática musical exercida em locais de exibição intimista, com destaque para a II Trienal de Luanda, em 2010, e Bienal Internacional de Poesia de Luanda, em 2012, motivaram o cantor e compositor, Jorge Rosa, a enveredar pela interpretação, com voz e violão, de clássicos de  Artur Nunes,  André Mingas, David Zé, Urbano de Castro, Sofia Rosa, e Ilda Rosa.  Para além de pertencer a uma importante genealogia de cantores, a edificação da carreira musical de Jorge Rosa tem sido marcada pela absorção de um conjunto de culturas e influências, que vão desde o fado lisboeta, Música Popular Brasileira, e clássicos do jazz, e da soul musicnorte-americana. O processo de culto deste hibridismo equilibrado,tem influenciado, positivamente, a solidificação crescente da universalização da sua carreira.
 
Genealogia

Sobrinho do cantor e compositor,  Sofia Rosa, e da cantora e compositora, Ilda Rosa, Jorge Rosa adquiriu o gosto e  refinamento musical, no interior da sua família: “A minha  infância e vida, foram desenhadas com notas musicais, interpretadas bem perto de mim. Na realidade pretendo transmitir o legado da minha  linhagem cultural, personificando um manifesto, ou seja, trilhando pelo renascimento de novos conceitos. Tenho um projecto revivalista,  que resgata a identificação cultural, dando a conhecer ao mundo a tradição angolana, estilizando as suas origens”.
Filho de José Elísio Rosa e de Maria Benita da Costa Gomes Rosa, Rui Jorge Gomes Rosa nasceu em Luanda, no Bairro da Samba, no dia 7 de Abril de 1964.

Axiluanda

Em “Axiluanda”, um CD cujo ineditismo e transmutação estética assentam na finalização sonora, arranjos, magnitude dos recursos instrumentais, e, sobretudo, na interpretação,“Axiluanda” é o resultado lírico de uma peregrinação apaixonada pela memória das canções de Sofia Rosa e Ilda Rosa. Para além dos temas assinados por Jorge Rosa, “Nini NdingiTuandala” e “Axiluanda”, canção homónima ao título do CD,  o cantor interpreta: “Makixe”, “NgaNjibidisa”, e “Lumoxi”, de Ilda Rosa. Jorge Rosa recordou ainda: “Ngexile Mutunda mu Sambila”, “Manhingamami”, e “Kalumba”, canções  emblemáticas de Sofia Rosa.  Destacamos “Lumoxi”, “Kalumba” e  “Manhingamami” três momentos ímpares de interpretação de Jorge Rosa. Pelo simbolismo histórico, transcrevemos a letra da canção, “Manhingamami”: Nakuetuenugividenu/ muxumauamiuadibangenzaba/ ó mahingamamie/ menemenha ma kixima/ eme kikikingoloimbaze/ ia difungoiolo banga ifulu/ ó ifuluyonoyo ué/ iolongisukula ó nguludia/ petelo zé dyapetelo zé/ kyolo banga zeiolobekela ó dixe/ eyekukijimbe/ sonhyuolo banga paletotoso. “Axiluanda” é um disco de memória, no sentido de reflexão histórica do passado, contemporâneo e intemporal, com firme solidez para a fruição crítica das gerações vindouras. No fundo, “Axiluanda”,  é uma obra futurista, com nobres ressaibos do passado.

Crítica

Para uma melhor compreensão da obra de Jorge Rosa, retiramos um extracto do texto que consta no encarte do CD “Axiluanda”, assinado por Jardim Fernandes, um dos mais visíveis críticos da obra de Jorge Rosa, que diz o  seguinte: “Este trabalho reflecte o resultado de uma vida, observado de perto, por dentro e fora, a odisseia de um povo que se espalhou pelo mundo, e que continua a resistir por tanto querer o reencontro com as suas origens. Na realidade Jorge Rosa é aquele que nos quer transmitir o legado da sua linhagem cultural, é a personificação de um manifesto, a ideia de renascimento de uma nova era com opções inovadoras. Um revivalismo que quer resgatar a identificação cultural de um povo que se quer dar ao mundo através da sua tradição a partir das origens. São os trovadores quem transportam e transmitem a sua cultura através dos tempos. Angolano de todo o sempre, filho de Luanda e da Samba, ninguém adorou mais esta cidade do que ele próprio, sobrinho do mártir Sofia Rosa e Ilda Rosa é  chegada a hora de tomar o testemunho dos seus antecessores prestando-lhes homenagem cantando em kimbundu como forma de preservar a tradição, e ao mesmo tempo uma forma de tributo à própria língua...”

Sofia Rosa

As gravações de Sofia Rosa, iniciadas em 1970 com o selo da Valentim de Carvalho, foram acompanhadas pelos conjuntos  “Os Corvos”, “Os Astros” e “Ngoma jazz”. Parte substancial da obra de Sofia Rosa foi reeditada no CD “Memórias”, em 2006, uma edição do programa “Poeira no Quintal”, da Rádio Nacional de Angola, e reúne as canções: “Ngala Ny Gienda”, “Ngolo Binga Kuá Nzambi”,“Maria diá Pambala”, “NgalaNy Nela Ya Xiquelela”, “Issuma”, “KambaUaia”, acompanhadas pelo conjunto “Os Corvos”, “Muku tunda”, e “Longo longologiami”,  com o Ngoma Jazz. Por último as gravações de “Kalumba”, “Nguexile Mutunda Mu Sambila”, “Kumulundo”, “Imbua iolo Boza”, “Makuanhadiyamivu”, e “Manhingamami”, tiveram  “Os Astros”, como suporte de acompanhamento.  As canções de Sofia Rosa abordam, fundamentalmente, a beleza da mulher, saudade, petição a Deus, criminalidade, e conflitualidades sociais do quotidiano dos musseques.
Filho de Elísio Sofia Rosa e de Marquinha Rosa, Fernando Sofia Rosa  nasceu no Ambriz, província do Bengo, e viveu no Bairro da Samba, em Luanda. Em 1963, integrou o agrupamento de teatro Ngongo, fundado por José de Oliveira Fontes Pereira. No âmago da sua carreira, Sofia Rosa participou numa digressão a Portugal, tendo gravado um programa para a televisão.

Homenagem

Sofia Rosa foi homenageado, a título póstumo, em Maio de 2006, no Centro Recreativo e Cultural Kilamba, pela importância do conjunto da sua obra,  no âmbito da quadragésima nona edição do Caldo do Poeira.  Na ocasião, os cantores Jorge Rosa, Mamukueno, Nito Nunes, Zecax, Pakito, Zé Manico , Dom Caetano, Filomena Gegé e o grupo tradicional Semba Muxima,  interpretaram os principais sucessos de Sofia Rosa,  acompanhados pelo conjunto “Kimambas do Ritmo”. Sofia Rosa morreu, em 1975, na cidade do Lobito, em consequência da guerra entre os movimentos de libertação, havendo várias versões sobre as verdadeiras causas da sua morte.

Concerto

A fidelidade do público, tem sido uma das marcas do programa de concertos da III Trienal de Luanda, no palco do Palácio de Ferro. Na sua apresentação, sábado último, Jorge Rosa foi bastante aplaudido, tendo interpretado, “Axiluanda” e “Nini Ndingi”, duas canções de sua autoria, “Makixe”,“Manhingamami”, “Lumoxi”, “Lelukumundu”, “Kalumba”, “Mu Sambila”,  “NgaNjibidisa”.
No concerto, Jorge Rosa, voz e violão, foi acompanhado pela Banda Maravilha, com Marito Furtado, bateria, Miqueias Ramiro, teclas, Moreira Filho, guitarra baixo, Isaú Baptista, guitarra solo, Chico Santos, congas, Yasmane Santos, percussão, Madrilena Cardoso e Djanira Mercedes, nos coros.