Opinião

A perda de um grande combatente

Angola acaba de registar a perda de um grande combatente pela liberdade do seu povo. Morreu ontem em Luanda, por doença, aos 86 anos de idade, Lúcio Rodrigo Leite Barreto de Lara.

28/02/2016  Última atualização 08H17

Também conhecido por Tchiweka, pseudónimo de guerra escolhido em homenagem à terra da sua mãe, uma aldeia situada no Huambo, a morte de Lúcio Lara é a partida de uma das principais figuras da luta pela independência do país do jugo colonial.
Lúcio Lara foi o exemplo de jovens que, na década de 40 do século XX, abraçaram os ideais de liberdade e de progresso e, determinados, formaram um amplo movimento de libertação nacional com o objectivo de quebrar as algemas da repressão e devolver ao povo angolano o sonho de independência que a implantação do colonialismo havia roubado.
A repressão colonial fascista fez emergir uma geração de angolanos que procurou, dentro e fora do país, criar as condições para que o processo de luta anti-colonial ganhasse uma outra dinâmica e reconhecimento a nível africano e internacional.
É neste contexto que Lúcio Lara se destaca como um dos impulsionadores de todo o processo de organização política que veio a desenvolver-se, tendo como ponto de partida a Casa dos Estudantes do Império, em Coimbra, onde se encontrava a estudar e onde deu início à actividade política, em 1949. Com Agostinho Neto, Humberto Machado, Zito Van-Dúnem, e outros nacionalistas, Lara fazia também parte do Clube Marítimo Africano, em Lisboa, importante ponto de encontro para troca de informações, de documentos e de coordenação da luta clandestina contra o poder colonial.
Quando a PIDE (polícia secreta portuguesa) desencadeia uma vaga de perseguições e detenções, entre 1950 e 1959, Lúcio Lara refugia-se na Alemanha. É seguindo, depois,  a rota Tunes (Tunísia), Rabat (Marrocos) e Conacry (Guiné Conacry) que faz o regresso ao continente. A partir desta última capital, enceta um intenso trabalho político que, em conjunto com Agostinho Neto e demais nacionalistas, o vai guindar à posição de co-fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola.
A participação na luta de libertação nacional, a entrega total à causa do povo angolano, o empenho para tornar Angola um país uno e indivisível, fizeram de Lúcio Lara uma figura incontornável no seio do MPLA.
A luta gloriosa levada a cabo ao longo de 14 anos de guerrilha em Angola, que se espalhou praticamente por todo o país, a par das guerras de libertação que teve de enfrentar nas outras ex-colónias, levaram o poder colonial a claudicar. O golpe de Estado que em 25 de Abril de 1974 pôs fim à ditadura colonial fascista em Portugal foi o corolário de todo esse longo processo de desarticulação da máquina que Salazar havia montado.
Como resultado, a 8 de Novembro de 1974 Lúcio Lara aterrava em Luanda à frente da primeira delegação do MPLA que se deslocou à capital angolana depois do derrube da ditadura em Portugal.  Viria então preparar o regresso de Agostinho Neto, que teria lugar em Fevereiro de 1975.
Foi Lúcio Lara quem empossou Agostinho Neto como primeiro Presidente de Angola, e foi também Lúcio Lara quem deu posse ao Presidente José Eduardo dos Santos, depois do desaparecimento físico do fundador da nação.
Falar de Lúcio Lara é tão somente falar de um dos grandes vultos da política angolana que, ao lado de Agostinho Neto, marcou de forma inapagável um dos mais ricos períodos da história da luta pela autodeterminação do povo angolano e pela afirmação de Angola como país soberano no concerto das nações.
Com a sua morte, parte o último fundador até então vivo do Movimento Popular de Libertação de Angola.
Não é este texto, como é óbvio, suficiente para traduzir a dimensão política de um homem da envergadura de Lúcio Lara.
Os grandes homens podem partir, mas as suas obras ficam para a eternidade como testemunho da sua grandeza, da sua estatura política, cultural, moral e cívica invulgares. Angola agradece por tudo quanto Lúcio Lara foi capaz de fazer para engrandecer o país e tornar os angolanos cidadãos dignos no mundo, sem vergonha da sua própria identidade.