Entrevista

"Força Aérea aposta forte na formação do homem"

A Força Aérea Nacional completou ontem, 21 de Janeiro, 40 anos desde que, em 1976 foi proclamada pelo Presidente Agostinho Neto.

22/01/2016  Última atualização 05H27
Jornal de Angola

O comandante deste ramo das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Francisco Lopes Gonçalves Afonso “Hanga” concedeu uma entrevista ao Jornal de Angola na qual aborda aspectos ligados à evolução e perspectivas de desenvolvimento da Força Aérea Nacional. Para o general Hanga, o homem é o capital fundamental e o principal suporte de toda a acção que este ramo das Forças Armadas Angolanas desenvolve.

Jornal de Angola – Que significado têm os 40 anos de existência da Força Aérea Nacional?

General Hanga–Os 40 anos da Força Aérea Nacional estão muito relacionados com os 40 anos do país, vamos de braços dados. É verdade que este País que atingiu à Independência, fruto de uma luta que a antecedeu e que forjou as forças que por ela se bateram para esta grande conquista que foi a independência e eis que a Força Aérea surge a 21 de Janeiro de 1976, com objectivo de dar resposta à agressão que vínhamos sendo alvos. O Ramo do Exército vinha praticamente da guerrilha, mas havia a necessidade de mais um ramo das Forças Armadas e depois também surgiu a Marinha, mas fomos pressionados pela situação que vínhamos vivendo, da necessidade de defesa, porque estávamos a ser agredidos a norte e a sul e daí nasce a Força Aérea, com o seu grande percurso.

Jornal de Angola – Esta é a Força Aérea com que sonhou?

General Hanga– Quarenta anos é muito tempo e ao mesmo tempo é muito pouco tempo. Mas quarenta anos provavelmente crescidos num ambiente de paz teríamos atingido outros patamares em que o País não teria conhecido outros conflitos, íamos crescendo normalmente, ­formando o pessoal, ao mesmo tempo que ­íamos adquirindo os equipamentos, criando infra-estruturas, teria sido um crescimento harmonioso. Como se sabe, a formação da Força Aérea e da Defesa Anti-Aérea foi sendo forjada num ambiente muito convulsionado de guerra. Por isso, ela não ficou devidamente estruturada. E é esse caminho da estruturação que nós hoje, num ambiente de paz, tentamos percorrer já com a criação de infra-estruturas académicas, que permitem ter um crescimento harmonioso. Ainda não é aquela Força Aérea que nós gostaríamos que fosse.

Jornal de Angola – Durante a fundação do Ramo, a 21 de Janeiro de 1976, pelo primeiro Presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto, onde é que se encontrava?

General Hanga– Eu não me encontrava em Luanda. Encontrava-me no Congo Brazzaville, na altura, numa missão com os companheiros cubanos.

Jornal de Angola – Quais os suportes fundamentais que sustentam a nossa Força Aérea nestes novos

General Hanga– O grande pilar são as pessoas, são os nossos efectivos, os nossos militares. Esses militares que, apesar das dificuldades que atravessamos, garantem a operacionalidade da nossa Força Aérea. Este é o grande pilar. Claro está, depois estão os equipamentos, as infra-estruturas, mas fundamentalmente os homens são o grande pilar da Força Aérea, com todo o suporte que vimos tendo da estrutura superior.

Jornal de Angola – Que transformações significativas o Ramo teve ao longo do tempo?

General Hanga– Eramos Força Aérea Popular de Angola/Defesa Anti-Aérea (FAPA/­DAA). Até 1992 fazíamos parte de um regime que era de partido único. Após 1992, com todo o processo eleitoral havido, levou-se as Forças Armadas a zero, criaram-se as novas Forças Armadas, as Forças Armadas Angolanas (FAA), de onde ressurge o Ramo da Força Aérea Nacional. Isto foi uma grande transformação. Depois, infelizmente, começaram os conflitos e ela teve quase a se renascer das cinzas para continuar o processo. Foi uma experiência terrível, mas fruto das conversações chegou-se a algum entendimento e é assim que surge a Força Aérea Nacional, onde o termo Defesa Anti-Aérea não surge, mas subentende-se do termo Força Aérea Nacional a componente Aviação, embora naquela altura, limitados pelo número de e­fe­ctivos impostos pelos a­cordos, nos vimos obrigados a prescindir de parte da Defesa Antí-Aérea que foi para a Marinha e é assim que ela aparece, praticamente só Força Aérea. A componente DAA reincorpora à Força Aérea muito mais tarde. E esse foi o grande momento de 1992.

Jornal de Angola– E depois, houve outro momento significativo?

General Hanga– Sim, na verdade houve. Há um outro momento em que a Força Aérea sofre uma alteração, quando abandonámos o critério de Comando e Estado-Maior, com os Comandos Operacionais (Comandos de Pessoal, de Logística e Operacional). Deixámos de ser tão uma estrutura vertical para sermos mais horizontais. Posteriormente houve  outra alteração em que se passou novamente ao Estado-Maior e ultimamente ao Comando da Força Aérea, com uma estrutura mais vertical em que o Estado-Maior deixou de ser um Estado-Maior coordenador, para ser novamente um Estado Maior Operacional. Por outro lado, também houve momentos de salto qualitativo nos equipamentos, com a aquisição dos MIG’s-23 e SU-22 isto ainda na FAPA/­DAA e que continuaram a ser empregues  pela Força Aérea Nacional após 1992, e com o reinício do conflito, também foram ­introduzidos os SU-27 e os radares 36D6 digitalizados. Foram momentos de transformações qualitativas muito grandes.

Jornal de Angola – Falando da Defesa Anti-Aérea, já que agora já se faz sentir a existência dessa arma adicionada às Tropas Radiotécnicas, não se pensa em adoptar uma nomenclatura do Ramo em que a DefesaAnti-Aérea se reveja?

General Hanga– Não. Eu acho que não é necessário. O que é mais importante é que essas componentes devem existir dentro do Ramo e cumpram efectivamente sua missão. Isso é o mais importante. Não está no nome, porque a Aviação, as Tropas Radiotécnicas (TRT) e a componente de Defesa Anti-Aérea são as armas que contribuem para a preservação do espaço aéreo. Elas acabam por configurar uma Força Aérea que preserva o espaço aéreo. Enquanto o Exército preserva o espaço terrestre e a Marinha o meio aquático, nós temos a responsabilidade de preservar o que é aéreo. Então podemos subentender, vemos subjacente na palavra “aérea” a participação destas três armas.

Jornal de Angola – Considera que a Força Aérea Nacional já está num patamar respeitável a nível da Região e do continente africano?

General Hanga– Podemos ver isso de vários ângulos. Regionalmente temos uma posição respeitada, mas temos um longo caminho a percorrer. Hoje nós temos uma grande capacidade de projecção de forças em termos de aviação de transporte, mas temos que crescer mais em termos de aviação de helicópteros e em termos de aviação de caça, para haver uma sombrinha efectiva sob o nosso território, bem como um crescimento maior em termos de vigilância do espaço aéreo e capacidade de defesa do espaço aéreo, a partir da terra.

Jornal de Angola – Fala-se persistentemente da renovação das distintas frotas do Ramo, como a aviação de transporte, de caça, helicópteros e outros. O que tem a dizer em relação a isso?

General Hanga– Em relação aos reequipamentos eles decorrem. Já há contratos assinados. A perspectiva da aquisição de equipamento está desenhada. Neste momento há um processo de preparação de pessoal no exterior e interior do País. Agora há condicionalismos que não dependem da Força Aérea. Dependem de toda uma ­conjuntura política, financeira e económica. Nós somos filhos deste País com todos os seus problemas e nós sofremos esses condicionalismos, mas que as coisas estão desenhadas, não só para a Força Aérea, como a nível dos outros ramos, elas estão.

Jornal de Angola – Em relação ao futuro e no que diz respeito a continuidade, como está a formação de cadetes, atendendo que a Academia e o Instituto Superior do Ramo são já uma realidade?

General Hanga– É verdade, que essas instituições estão criadas e estão a dar os seus primeiros passos, mas de maneira nenhuma atingiram patamares da excelência. Isto é uma caminhada e o caminho faz-se caminhando. Os bebés nascem, engatinham, põem-se de pé, vão caminhando, de vez em quando desequilibrados e depois caminham vigorosamente com o seu crescimento. É uma questão de tempo real para que as coisas se forjem efectivamente. Estamos a caminhar bem. Estas instituições já estão a trabalhar, a formar e nessa caminhada estamos a verificar insuficiências e necessidades. Estamos a tentar colmatá-las da melhor forma possível.

Jornal de Angola – Pode afirmar-se que o futuro em termos de recursos humanos qualificados no Ramo está assegurado?

General Hanga– Sim. Está garantido. Nós temos é que estar preocupados com a qualidade desses recursos humanos no futuro. Eles têm de aprender bem e nisso nós temos sido exigentes com os jovens que mandamos para as academias no exterior. Temos de cuidar dessa matéria-prima, dessa massa cinzenta que nós temos no mercado, temos tentado procurar o melhor, para que possamos  colher bons frutos, para que os nossos substitutos na gestão do Ramo sejam pessoas competentes, imbuídas de valores, capazes de responder aos grandes desafios do futuro.

Jornal de Angola – Particularmente no que respeita à Defesa Anti-Aérea e as Tropas Radiotécnicas, como qualifica o estado dos seus meios e pessoal e quais as perspectivas existentes?

General Hanga– Está tudo desenhado nesse sentido. É claro que são equipamentos extremamente onerosos. Volto a referir que a situação económico-financeira, com a crise do petróleo seguramente se vai reflectir no processo, mas está tudo desenhado para que as três armas se venham a reforçar nos próximos tempos.

Jornal de Angola – Sendo as infra-estruturas um elemento-chave para o progresso e sucesso, como estão as Bases Aéreas, os quartéis de uma maneira geral e outros serviços para assegurar a fluência do trabalho administrativo?

General Hanga– Homens, equipamentos e infra-estruturas são três elementos que devem crescer juntos. Claro está que o desenvolvimento e produção desses três pilares nem sempre vai na proporção desejada. Voltamos a referir os constrangimentos de ordem financeira que vamos tendo. É claro que nós hoje observamos muitas melhorias nas infra-estruturas das nossas unidades, mas de maneira nenhuma estamos satisfeitos com o nível de desenvolvimento, com o nível de preparação. Não estamos satisfeitos com o nível que essas infra-estruturas têm de reabilitação. É óbvio que as condições de vida e de trabalho dos jovens que vêm para a academia e dos jovens que nós estamos a formar nas academias e no instituto, têm de ser melhores e superadas todos os dias. No entanto, é uma lógica da vida, ontem era pior que hoje e o amanhã vai ser melhor que hoje. Esse é o nosso lema.

Jornal de Angola – Para quando a construção, de um Comando com toda a dignidade que o Ramo merece?

General Hanga– Olhe, o projecto está feito. Volta a ser o mesmo problema dos constrangimentos ­financeiros. O desenho está concebido, inclusive, já por indicações superiores, se prevê a construção desse edifício do Comando, no espaço da Base Aérea de Luanda, onde o primeiro Presidente da República de Angola, Dr. Agostinho Neto fundou a Força Aérea a 21 de Janeiro de 1976.

Jornal de Angola – Sabemos que foi reconduzido para mais um mandato a frente dos destinos do Ramo.

General Hanga– As perspectivas são a continuação da preparação dos homens. Prepará-los para a recepção do equipamento, bem como a criação das condições técnico materiais para que esse equipamento seja devidamente explorado. Depois, quando essa harmonia de homens, equipamento e infra-estruturas estiver perfeita, de uma forma paralela, cuidar do treino das pessoas para que possam utilizar esse equipamento em prol da defesa do País e da segurança do território nacional, não só aqui, nas nossas águas territoriais, como também continuar a assumir da melhor forma, as responsabilidades que temos no Golfe da Guiné em que temos de estar devidamente engajados. Esses são os grandes desafios que temos. Isso leva tempo mas, estamos neste momento a lançar as sementes para que com a chegada dos equipamentos possamos absorvê-los e paulatinamente irmos empregando esses equipamentos.

Jornal de Angola – Acha que a nova geração tem sabido receber o testemunho para as responsabilidades e desafios futuros?

General Hanga– Provavelmente não recebem na dimensão que nós gostávamos que eles recebessem. E aqui há questões que afectam muitas vezes a atitude do homem para aquilo que são as Forças Armadas. Pois,   infelizmente, ainda vamos tendo muitos jovens que entram para as Forças Armadas, essencialmente na parte do pessoal do serviço militar obrigatório (SMO), que vêem as Forças Armadas como um posto de trabalho, quando de facto estar nas Forças Armadas é servir, ou seja o militar no serviço militar obrigatório vem dar de si, sem esperar retornos. Agora quem está no quadro miliciano e no quadro permanente sim. Estes acabam por estar na vida militar como profissionais. Mas aqueles, entrados para as Forças Armadas, tendo jurado à Bandeira, devem estar de corpo e alma para servi-las, porque há um grande elemento particular que é nossa grande característica, ou seja, podemos dar a própria vida para defender o País. Aqui tem de se estar de corpo e alma. Essa resposta hoje não é homogénea. Isso sentimo-la. Isso não é segredo para ninguém, pois que pelos sentimentos das pessoas, pelas vontades, e pela maneira de estarem na vida, elas são diferentes. Então essa juventude não está ainda de corpo e alma. Nós temos de ensiná-las, isto tem de ser educado na escola, através da comunicação social, os pais, em casa, têm de incutir valores à nossa juventude. Isso é um aspecto muito importante que tem a ver com a defesa do território nacional, do Estado Angolano, enfim, da Pátria.

Jornal de Angola – Perante todo esse quadro, como qualifica o estado de prontidão e de moral dos efectivos da Força Aérea Nacional?

General Hanga– O estado da moral é bom, a prontidão é a possível em função dos condicionalismos que nós temos, mas devemos dizer que nós, dentro dos desafios que vimos tendo durante estes últimos anos, temos respondido nos vários domínios, desde a cooperação com outras Forças Aéreas, participando em exercícios, evacuando feridos, transportando dignitários, assegurando o transporte logístico. Não temos virado costas aos desafios e fazemos isso com muitas dificuldades, mas fazemos. Essa é a nossa prontidão possível. O nosso regulamento, as nossas exigências escritas são bastante elevadas. Infelizmente para que isso se processe, há grandes elementos, nomeadamente a preparação devida do homem, a disponibilidade do equipamento e da qualidade das infra-estruturas que ainda não são as melhores.

Jornal de Angola – Que mensagem deixa aos efectivos da Força Aérea em alusão ao quadragésimo aniversário?

General Hanga– A mensagem que eu deixo aos efectivos da Força Aérea Nacional é a mesma que de uma forma geral ­tenho sempre expressado. É uma mensagem de esperança, é uma mensagem de que todos nós devemos estar disponíveis para os desafios que se nos apresentam. Não podemos virar costas a esses desafios, há muito sacrifício a fazer e temos de estar prontos para esses sacrifícios que se nos apresentam a cada momento. Fruto da situação económica, a crise financeira que vivemos implica que os militares, aí onde estiverem, nas suas unidades, têm que ser mais parcimoniosos, têm que fazer contenção de gastos, não só nas suas unidades, como também no próprio lar, devem evitar gastos supérfluos para poderem acudir aos filhos, às esposas, nos momentos difíceis, na sua educação, etc. Envio uma palavra de apreço a todos aqueles combatentes que tornaram possível estes 40 anos da Força Aérea, rápidas melhoras a todos aqueles que se encontram hospitalizados. Estamos aqui hoje a comemorar os 40 anos, muita gente ficou nesta longa caminhada e através deles tornou-se possível os 40 anos. Para esses que foram, para as suas famílias e para aqueles que ainda nos dias de hoje passam sacrifícios, que se encontram longe das suas famílias para poderem responder à esta grande missão que é a de defender a Pátria, vai um grande sentimento de gratidão e um muito obrigado.

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