Reportagem

Marco da história da independência

Em 10 de Novembro de 1975,  os bairros de Luanda registavam um movimento frenético de jovens, adultos, anciãos e crianças, para travar a as forças que queriam impedir a proclamação da independência nacional. Em Kifangondo era travada, entre as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola e a FNLA, com o apoio dos exércitos do ex-Zaire e África do Sul,  a batalha que foi decisiva e que mudou  a história do país.   

14/11/2011  Última atualização 09H47
Jornal de Angola © Fotografia por: Monumento aos Heróis da Batalha de kifangondo no município de Cacuaco

Um dia antes da independência, 10 de Novembro de 1975, os bairros de Luanda registavam um movimento frenético de jovens, adultos, anciãos e crianças. Todos estavam preparados para a reacção não passar. Em quase todos os bairros havia bases improvisadas onde as pessoas com armas feitas de pau e granadas artesanais faziam porta de armas e mantinham o posto avançado com efectivos para neutralizar os inimigos.
Foi assim quase todo o dia 10 de Novembro de 1975. Às 23 horas desse dia todos os caminhos davam para o Largo 1º de Maio, hoje Largo da Independência.
Defronte do actual Instituto Médio Comercial de Luanda, estava uma tribuna feita de madeira. Quando faltavam alguns minutos para as zero horas do dia 11 de Novembro, o Largo estava apinhado de gente e na tribuna registava-se já a presença de ilustres figuras do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e das extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), como Agostinho Neto, Imperial Santana, Lúcio Lara, entre outros.
A cerca de 20 quilómetros do local, em Kifangondo, era travada entre as FAPLA e a FNLA, com o apoio dos exércitos do ex-Zaire, África do Sul e de mercenários, a batalha que foi decisiva e que mudou o curso da história do país.
No local da batalha, uma colina com vista para o rio Bengo, foi construído um Memorial da Batalha de Kifangondo, como um tributo a todos aqueles que participaram na luta de libertação nacional.
 O memorial foi projectado pelo escultor Rui de Matos e inaugurado em 2004 pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Acompanhado pelo então Chefe do Estado Maior General das FAPLA, general João Luís Neto “Xietu”, a reportagem do Jornal de Angola visitou o Marco Histórico de Kifangondo e mostra aquilo que foi exactamente a batalha.
“Com a aproximação da data da independência, os dois movimentos de libertação nacional que, juntamente com o movimento MPLA, haviam assinado os acordos de Alvor, FNLA e UNITA, recusaram-se a participar na proclamação da independência, que estava marcada para 11 de Novembro de 1975, em Luanda”, disse.
O general Xietu acrescentou que esses dois movimentos aliaram-se a outras forças mercenárias para se dirigirem a Luanda e impedirem a proclamação da independência. Infelizmente para eles, disse, naquela altura a situação na cidade de Luanda estava favorável às forças fiéis ao MPLA, no caso as FAPLA.
“Os invasores dividiram-se em duas frentes. Uns vinham do sul do país, liderados pela UNITA, e outros vinham do norte, liderados pela FNLA”, disse Xietu que, enquanto chefe do Estado-Maior General das FAPLA, tinha a função de coordenar todas as operações militares que se desenrolavam em todo o país.
Neste sentido, afirmou, a 23 de Outubro de 1975, numa quinta-feira, as forças invasoras, compostas por um batalhão do ELNA, braço armado da FNLA, mercenários portugueses, três companhias de outros exércitos e um pelotão regular sul-africano de canhões de 130 e 140 milímetros, entraram em ofensiva pela parte norte com intenção de romper as linhas de defesa, ocupar as posições das FAPLA e iniciar uma marcha final com destino a Luanda. Começava aí a Batalha de Kifangondo.“O combate foi bastante duro porque foi intenso, na medida em que o inimigo queria avançar a todo custo até Luanda para impedir a proclamação da independência”, afirmou, acrescentando que naquela altura as FAPLA já contavam com uma unidade que podia ser considerada de elite, que era a 9ª brigada de infantaria motorizada, comandada pelo comandante David António Moisés “Ndozi”, que se instalou no Morro de Kifangondo para impedir o avanço das forças que vinham da parte norte do país para Luanda.
Encontrando-se numa situação desvantajosa tanto do ponto de vista de força como estratégico, disse, as FAPLA, constituídas por cerca de 890 homens, tiveram de efectuar um recuo estratégico, para ocupar posições definitivas e igualmente vantajosas no Morro de Kifangondo.
Por outro lado, para tornar invulnerável a defesa e deter a progressão do inimigo, foi derrubada a ponte sobre o rio Kifangondo.
A situação manteve-se estacionária até 6 de Novembro de 1975, data em que o inimigo voltou a atacar as posições das FAPLA e, explorando a cobertura de fogo das suas auto-metralhadoras, tentou tomar o morro de Kifangondo. Felizmente, isso não aconteceu.
Ante a aproximação do dia 10 de Novembro, data limite que o inimigo tinha para tomar de assalto a capital, para boicotar a proclamação da Independência e virar a página à neo-colonização, sublinha o general Xietu, as forças invasoras entraram em desespero e lançam mão de todos os recursos.
No dia 9 de Novembro, acrescenta, as baterias de artilharia das forças invasoras bombardearam maciça e intensivamente o Morro de Kifangondo sem que, por questões tácticas, as forças das FAPLA ripostassem ao fogo. Então, a 10 de Novembro tem lugar o mais decisivo combate.
 Um dispositivo inimigo, composto por uma companhia de mercenários portugueses e um pelotão sul-africano de canhões de 140 milímetros, comandados pelo coronel fascista Santos e Castro, tentou ocupar o morro, ao mesmo tempo que aviões bombardeavam as posições das FAPLA.
Entretanto, às 6h00 do mesmo dia, já a artilharia inimiga havia iniciado um bombardeamento maciço com canhões de 130 e 140 milímetros, enquanto a sua infantaria, apoiada por veículos blindados AML 60 e 90 avançavam e encontravam-se já praticamente diante das linhas de defesa das FAPLA.
Nessa altura, as FAPLA, utilizando todo o poderio concentrado na área, ripostaram ao ataque inimigo com fogo cerrado, obrigando-o a retirar-se em debandada, depois de dez horas de encarniçados combates. Estava assim gorada a possibilidade  dessas forças chegarem a  Luanda, antes da proclamação da independência nacional pelo MPLA. 

   O menino que fez história

Muitos anos depois da Batalha de Kifangondo, o general Xietu diz que “sinto-me felizmente porque se concretizaram alguns programas que o MPLA preconizou e continua no poder para erguer o nosso país e por isso acho que não foi em vão o sangue derramado para que Angola se tornasse um país independente”. Constituído num dos emblemas do partido no poder, Diniz  Kanhanga, o último dos três actores emblemáticos da independência nacional, ao lado de Agostinho Neto e Imperial Santana, continua a ser referência na história contemporânea de Angola.
Falecido em Fevereiro de 2008, aos 45 anos de idade, vítima de doença, Diniz Kanhanga, o menino que auxiliou o também falecido comandante Imperial Santana a içar a bandeira da República Popular de Angola nos primeiros momentos do dia 11 de Novembro, na cerimónia da Proclamação da Independência do país, no antigo largo 1º de Maio, é considerado por muitos observadores políticos como um herói.
É  incontornável falar da proclamação da independência de Angola sem se associar o nome desta figura lendária do MPLA, que aos 12 anos de idade, vencendo o medo e o receio, se tornou num símbolo da “Dipanda”.
O menino da bandeira, como também era carinhosamente tratado pelos seus camaradas, militou nas fileiras da OPA e da JMPLA, acabando por ser o escolhido para a noite que há-de ficar eternamente marcada na história de Angola.
Kanhanga sempre sonhou em ser jornalista e nos anos que se seguiram à Proclamação da Independência rumou para a República de Cuba, onde frequentou um curso de jornalismo, tendo posteriormente ingressado nos quadros das Edições Novembro, proprietária do Jornal de Angola, Jornal dos Desportos e o Semanário Economia e Finanças.
 Diniz Kanhanga era natural de Malange e tinha “Os Saiotes”, no Nelito Soares, como seu bairro de estimação. Filho de um casal de camponeses humildes, originários do município do Mussende, província do Kwanza-Sul, Kanhanga, se hoje estivesse em vida completaria 48 anos de idade.
 Numa altura em que o país completa 36 anos de liberdade, os angolanos recordam com nostalgia o heróico pioneiro do Movimento Popular de Libertação  de Angola (MLA), que foi a enterrar numa manhã de quarta-feira, no cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda, numa cerimónia testemunhada pelos seus camaradas.

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