Sociedade

Desbravar terrenos agrícolas por Angola adentro

Leonel Kassana

Jornalista

Naquela que terá sido a maior expedicão alguma vez realizada por Angola adentro, jornalistas de vários órgãos deixaram o conforto das redacções e, em cerca de um mês, percorreram exactos 6mil 674 quilómetros ao encontro das familias camponesas, cooperativas, associacões agricolas e grandes proriedades agropecuarias em oito provincias.

04/04/2021  Última atualização 06H55
© Fotografia por: Quintiliano dos Santos
Num diagnóstico possível, a terceira edicão do projecto jornalístico "Andar o país pelos caminhos da agricultura e do desenvolvimento” foi uma oportunidade ímpar para ver o que  de melhor se faz no campo, os constrangimentos que os produtores enfrentam diariamente para levar a comida à mesa dos angolanos e os grandes desafios das fazendas para a produção em escala de cereais e carne.

A expedição também permitiu perceber, com detalhe, as grandes assimetrias entre as diferentes regiões de Angola, no que à poducão de alimentos diz respeito, numa altura em que as populações do centro e sul de Angola enfrentam grave escassez de comida, por conta de uma prolongada estiagem que levou já a perda do que se esperava das colheitas da primeira época.

Idos de Luanda, os componentes da expedicão organizada pela estacão de Rádio Luanda Antena Comercial (LAC), a que se juntaram jornalistas da TPA, TVZimbo, ZAP, RNA, do Jornal de Angola, Novo Jornal, Expansão, transportados em dez viaturas de marca Toyota Land Cruizer, seguiram para o Norte, flectindo depois para o Centro até alcancarem, 25 dias depois, a Tunda dos Gambos, no extremo Sul de Angola, hoje o epicentro da fome na Huíla.

Terra do Bago Vermelho

A primeira etapa da excursão foi consumida na principal província cafeícola de Angola, Uíge, com uma paragem no município de Quitexe, para uma visita à Fazenda Marcela e um encontro com uma cooperativa de agricultura familitar. Isso depois de uma viagem entre as comunas de Caxito e Úcua, no município do Dande, Piri, Dembos e Quibaxe, na província do Bengo, e Vista e Alegre e Quitexe no Uíge.

Uma chuva torrencial inviabilizaria a visita à Fazenda Vila Mawete, descrita aos jornalistas pelo governador do Uíge, José Carvalho da Rocha, como tendo grandes performances. Em compensação, os excursionistas foram recebidos, no dia seguinte, na fazenda Kinvovoto, no município do Songo, um exemplo acabado da aposta na produção de café em alta escala, apesar das dificuldades de acesso ao financiamamento bancário.

Uma realidade que afecta a maioria dos cafeicultores que se juntaram nessa propriedade, para apresentarem as suas "queixas” aos jornalistas.
Ainda em território do Uíge, a jornada acabaria por passar por Negage, para uma visita aos Institutos de desenvolvimento agrário e superior político. Depois, a caravana "guinou” para Sanza Pombo, onde assistiu a abertura da safra de arroz na Fazenda Agrícola Kimuanza e visitou uma cooperativa agrícola familiar. No Sanza Pombo, os expedicionistas foram surpreendidos, numa unidade sob gestão da Gesterra, com cerca de duas mil toneladas de arroz que não chegaram a ser descascadas.


Gado de Camabatela
A etapa do Cuanza-Norte foi totalmente cumprida no conhecido Planalto de Camabatela, que se estende ainda pelas províncias do Uíge e de Malanje, com um registo de 208 fazendas, das quais apenas 58 estão operacionais. Na fazenda Pecuária Sorte Atalaia – Camabatela e Capeka, os profissionais puderam ver grandes manadas de gado bovino, provienientes do sul de Angola ou importados da Namibia, criados a pensar na dininuicão da importação da carne.

Particularmente interessante, foi o encontro com  pequenos e médios criadores, de quem foram ouvidos os projectos, mas, sobretudo, as dificuldades de acesso ao financiamento bancário.
No Planalto de Camabatela, existem extensões de terras a perder de vista e a precisarem de investidores, algo que poderá contribuir para a diminuicão dos elevados índices de desemprego na região, como espera o governador do Cuanza-Norte, Agostinho Mendes de Carvalho, que, numa bem sucedida operação de marketing,se juntaria à caravana de jornalistas.

Mas há preocupações de monta no Planalto de Camabatela. O gado proveniente do Chade, como contrapartida de uma dívida de cem milhões de dólares a Angola, não terá conseguido adaptar-se facilmente, do que resultou a morte de um, pouco desprezível, número de animais.
Na Fazenda Capeca, por exemplo, quase metade das 600 cabeças de gado, do lote chegado do Chade, já morreu, levando os criadores a interrogarem-se sobre as condições criadas para a recepção e adaptação dos animais. "Aqui, o gado do Chade é para esquecer”, sublinhou um responsável da Capeca.

Picadas em Malanje

Depois de Camabatela, os jornalistas subiram para Malanje, seguindo a rota Luinga-Cassule-Cateco Cangola-Cabaça Muhongo-Calandula, um troço em péssimo estado,  que a exigir muita perícia dos condutores.
As dificuldades de comunicação foram, também, um teste aos nervos dos profissionais para o envio dos seus despachos. Houve quem, imagine-se, subissse a copas de árvores para conseguir uma ligação.

No Luinga, onde fomos recebidos pelas autoriodades de Malanje, há uma cooperativa agrícola familiar, a Ana Senda, que é considerada um caso de sucesso. Existem, também, duas fazendas, uma agrícola e outra agropecuária. A primeira, a "Raízes da África”, dedica-se, sobretudo, à produção de abacaxixi e cana-de-açucar, de que já resultou a montagem de uma unidade para a produção de aguardente e licor. A segunda, a "2M”, posssui quinhentas cabeças de gado bovino e pretende chegar às mil e quinhentas  nos próximos tempos, segundo declarações do seu sócio gerente, Mário Rui, que ao Jornal de Angola indicou terem sido investidos até agora cerca de um milhão de dólares.

Já era noite, quando a caravana chegou à Fazenda Tchimutaluta, na localidade do Soteco, Cacuso, para retemperar forças num resort desenhado a pensar no turismo rural.
A estada em Malanje incluiu, ainda, a passagem pelos projectos agrícolas da Quizenga e UNICANGA, que se destacam na produção de milho e soja em alta escala, antes de  atingir a Quibala, em território do Cuanza-Sul, seguindo a linha Lombe - Cacuso - Pedras Negras –Lauca – S.Pedro da Quimba – Alto Dondo e Lussusso.


Cereais da Quibala

Com números que surpreendem  algumas das tradicionais regiões agrícolas de Angola, a Quibala é já um caso de sucesso notável. Os jornalistas foram atraídos para a Fazenda Santo António, que produz anualmente mais de dezoito mil toneladas de milho, seis mil de soja e duas mil de sorgo. O investimento realizado até aqui está próximo dos cem milhões de dólares, como revelou o seu gerente, José Alexandre. Foram, pois, dois dias, para diagnosticar a produção de cereais nesta unidade, de que o Jornal de Angola fez eco numa das suas edições.

A caravana foi até  às fazendas Kambondo, Cassamba e Vissolela, esta que se destaca na producão de café com olhos na competitividade internacional, enquanto, mais abaixo, no Waco Kungo, nas empresas 7 Quintas, Emirais, SEDIAC e Fazenda 27, Ouviram-se queixas pela falta de mercado para os ovos produzidos em grande quantidade nos aldeamentos e fazendas.


Faltam fertilizantes
no Planalto Central

Ao descer para Huambo, primeiro, e, depois, subir para o Bié, os jornalistas puderam confirmar relatos coincidentes sobre a falta de adudos e fertilizantes para a prática de uma agricultura compatível com as potencialidades da região planáltica de Angola. Um quadro que é ainda agravado com a falta de chuvas, que desta vez atinge drasticamente toda a região Centro e Norte de Angola, a indiciar uma crise alimentar de contornos ainda por calcular.

Assim foi nas localidades como Sambote, Chinguar, Kunhinga, Tchicala Tcholoanga, Caala, Galanga, Lepi e Ekunha e outras, onde há um verdadeiro "grito de socorro”, para tornar as terras mais produtivas. Os mais afortunados são aqueles que têm as suas propriedades junto dos rios e riachos, com curso de água mais ou menos estável. Do Chinguar, os jornalistas foram "perder-se” no mercado Cutato, o maior da região, para onde afluem compradores de todo o país.

Apesar desse quadro desolador, há no planalto central um trabalho notável das autoridades, para incentivar as famílias a aumentarem os níveis de produção, algo que é feito através das chamadas escolas do campo,  a que várias comunidades aderem.
A questão dos fertilizantes, adubos e outros inputs agrícolas é o tónico para as entrevistas com os governadores do Bié e Huambo, para fechar essa passagem pelo planalto central.


Rota do Milho
Na comuna do Cusse, Caconda, está um bom exemplo da gravidade da situacão alimentar na Huíla, só superada pela região dos Gambos. As poucas chuvas que cairam nos últimos dias não vão salvar as culturas, os animais estão a sucumbir à fome e das hortas , quase não sai nada para as famílias.
O antigo colonado do Huaba, um activo importante, atravessado por sete rios e com mais de trinta e quatro mil campos,aptos para o cultivo em tempos de chuvas regulares e com apoio técnico, está  hoje  totalmente vinactivo. O chamado "corredor do milho”, de que fazem parte os municípios de  Caluquembe, Chicomba e Caconda está a perder a vitalidade na produção cerealifera.

Mas o verdadeiro choque na Huíla é mesmo a fome na Tunda dos Gambos, como reportou o Jornal de Angola.

O "Andar o país, pelos caminhos  da agricultura” terminaria no Vale do Cavaco, onde a banana aos poucos vai cedendo lugar a outras culturas tidas como mais rentáveis, como o tomate. Antes, a cavarana radiografou o Dombe Grande, numa reportagem que mete pelo meio a açucareira.

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