Opinião

Datas e actos marcantes

Jacques dos Santos

Escritor

Pensei no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa comemorado no passado dia 3, enquanto esboçava a crónica desta semana. Reflecti sobre a data e no que representa para o cidadão angolano a liberdade de expressão. Ela foi difícil e paulatinamente conquistada, e permitiu-nos sonhar com milhares de palavras certas para aspirarmos à arte de bem escrever.

09/05/2021  Última atualização 10H18
E fico satisfeito. A uma, pelo facto de reconhecer que, apesar do que falta fazer, ainda assim, alguma coisa já foi feita no nosso país, nesse domínio. À outra, por não ter incorrido no lapso cometido com o 25 de Abril e com outros momentos que se lhe seguiram, deixando passar sem as assinalar, significativas datas para os povos que compõem hoje a chamada lusofonia, como quem diz, a comunidade que compartilha a língua e a cultura portuguesas. Lamentavelmente, também ficaram sem registo na minha última crónica, o "Dia das mães” e o "Dia do Trabalhador”. Ora bem, pelo seu simbolismo e por tudo o que representa na viragem operada nas nossas vidas amarradas, desde aquele dia de 1974, julgo que o 25 de Abril não pode ser visto como uma mera data de calendário.

Não obstante a pouca importância que lhe é dada hoje (como a tudo ou quase tudo que vai envelhecendo) e apesar de também se ter designado o dia 5 de Maio, como o Dia Mundial da Língua Portuguesa, o 25 de Abril será para todos nós, sempre um sinónimo de liberdade e de união, de usufruto de pertencimento e de plena cidadania.

Atingir o estado de excelência no domínio da liberdade de imprensa e de expressão, tal como desejou o ministro Manuel Homem em afirmação feita no decorrer do Primeiro Encontro Nacional de Quadros da Comunicação Social, está perfeitamente ao nosso alcance mas sugere um maior (grande mesmo) engajamento da comunicação social estatal na vida da população angolana. Tenho para mim que toda a máquina comunicacional do país deve assumir compromissos públicos que estejam alicerçados em projectos e programas bem sustentados e consentâneos com a realidade de vida dos angolanos e das suas reais necessidades. Carente de impulsos de toda a ordem, a nossa sociedade, vista sob o prisma do regime político e económico, precisa de ser urgentemente educada, e isto é um facto incontestável, impossível de ser negado.

As famílias (fundamentalmente) e cada um de nós (governantes e governados) deverão ser obrigadas a aprender a comportar-se de modo cívico, ético e responsável. A comunicação social poderá ser uma aliada fundamental nesse projecto de educação (quase comparável à alfabetização) que deve abranger todos e necessariamente, os profissionais da comunicação social. Acabar, nos diversos órgãos, com programação fútil e de nenhuma serventia, aproveitar melhor os bons quadros, optar-se por temas e debates sérios e criteriosamente seleccionados, tornou-se uma ingente necessidade. Terão a palavra principal, directores e realizadores nacionais dos vários meios, que não deverão desdenhar as opiniões vindas da sociedade civil.

Analisando a relação que têm umas coisas com outras (a comunicação com todas elas), verificamos que o dia das mães sugere imediatamente o amor, o ambiente do lar, a família e a educação que deve partir do berço, tal como o dia do trabalhador alvitra naturalmente ocupação, trabalho, sindicatos, responsabilidade, futuro e, por arrasto, economia e desenvolvimento da sociedade. Coisas que nos faltam hoje, com real evidência e que devem ser questionadas. Qualquer das efemérides citadas é recordada infelizmente sob o espectro do dramatismo da nossa actualidade. Isso não nos impede de vivê-la, não podemos esquivar-nos da realidade, somos obrigados a lidar diariamente com os fenómenos da vida, aceitando a sua gravidade à medida que se vai consolidando a qualidade de "caso muito sério” em que se tornou a pandemia da Covid-19 que nos domina completamente e sem querer dar sinais de quando terminará a sua devastadora passagem pelo mundo.

Neste momento, podemos afirmar que o pensamento dos cidadãos considerados conscientes, de governantes e governados, ao verificarem a imensidão de problemas que se vão multiplicando, ao olharem para a massa que compõe o povo angolano, uma maioria prisioneira da ignorância do perigo, refém de um modo de vida anárquico, obriga a que se pense que a Pátria está em perigo. E se quisermos salvá-la teremos de adoptar o princípio segundo o qual, o País deve estar sempre acima dos partidos e a promoção das maiorias deverá ser o percurso a empreender para a harmonia social que se deseja. Há que reforçar a consciência bem formada de esperança no futuro. As eleições devem a todo o custo ser realizadas para que se conquiste a confiança das pessoas que já têm noção do que é a democracia.

E nesse esforço colectivo não podem ser contempladas imagens como algumas que percorrem as redes sociais, e nos magoam cruelmente. Como exemplo, a imitação de uma ponte improvisada por dois espertalhões, para as pessoas passarem sem molhar os pés, por valas onde corre a água da última chuvada, contra a cobrança de 50 kwanzas, sem que ninguém, ninguém que represente a autoridade, lhes faça nada; como a moça que se exibe em cambalhotas numa caixa cheia de latas de cerveja numa farra aplaudida e, como um grupo de jovens transviados a praticarem sexo ao vivo numa praia de Luanda e a serem incentivados pelo público assistente, ou ainda, a da velha senhora que desmaia de fome numa rua do Talatona.

Nesse contexto, não posso deixar de manifestar a minha satisfação pela acção da Polícia Nacional ao deter cerca de 400 pessoas, inconscientes farristas e desobedientes das medidas de segurança contra a pandemia que foram decretadas pelo Governo. Resulta tudo de educação ou de falta dela, um mal que não é só de Angola, mas que em Angola tem que ser atacado imediata e severamente por quem governa. Tem que se começar de algum modo. Há muito campo para cultivar no interior, para onde deveria ser transferida para trabalhar, muita desta malta que circula nos bairros, a circular sem rei nem roque.

Sonhar é fácil, é comum dizer-se. Mas deixem-me sonhar, já muita gente usou essa expressão. Para os meus leitores, o habitual cumprimento e então, até Domingo à hora do matabicho.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião