Cultura

Das terras de Ombaka para o palco nacional  

Analtino Santos

Jornalista

Agora com a sua base em Luanda, a Banda FM concorre e partilha o mercado musical com formações como Os Kiezos, Os Jovens do Prenda, Banda Movimento, Banda Maravilha, Banda Yetu, Banda Cana de Açúcar, Banda Prontidão, Tropicalíssimo, Muzangola e outras formações que dão o suporte instrumental a cantores individuais e a determinados projectos.

15/01/2023  Última atualização 08H10
© Fotografia por: DR
Para este ano, a banda está a preparar um projecto discográfico. Em jeito de apresentação deste projecto, no dia 31 de Dezembro de 2022, foi lançado um single com as músicas "Farra de Kambas” e "Te Escolhi”. 

Segundo Adão Filipe, promotor do grupo e autor dos temas, o disco terá catorze temas musicais e contará com as participações de Sabino Henda, Kintino, Yuri da Cunha, Moniz de Almeida, Kiaku Kyadaff, Dodó Miranda, Samangwana e Ricardo Lemvo, artistas que foram determinantes para o início da carreira da banda. A fase de estúdio será em paralelo com a realização de espectáculos, dentre os quais constarão dois concertos comemorativos em Benguela e em Luanda.

Filhos adoptivos de Adão Filipe

A formação actual é composta por Alexandra Bento, voz principal e coro; Padre, guitarra ritmo e solo; Dimilde, guitarra  solo e ritmo; Chico, baixo; Manuya, teclado e coro; Elly, teclado e Mona Itepo, bateria e coro. Conta-se ainda com a colaboração do percussionista Valdo.

Em Luanda, os músicos, oriundos de Benguela, vivem como família no Benfica. É a partir deste ponto que se deslocam para os estúdios e as salas de ensaios. Esta rotina afastou temporariamente Fred, outro vocalista, que optou por regressar à terra das Acácias Rubras. Os outros integrantes, quando a agenda lhes permite, participam nos mais variados projectos de artistas e nas iniciativas de promotores culturais da praça.

Padre, guitarrista e director artístico

Padre é dos mais antigos do grupo, daí que conte a história do conjunto com propriedade. "Foi uma iniciativa da Rádio Nacional de Angola em Benguela, na pessoa de Adão Filipe, na altura director da Emissora Provincial. Ele criou vários projectos culturais, dentre os quais o "Gentes e Música”. E para dar suporte a estes projectos juntou jovens como nós, que já,trabalhávamos em música, mas não de forma profissional e responsável. Com a gestão do director Adão Filipe crescemos muito. Com a transferência dele para Luanda, optamos por fazer o mesmo em busca dos nossos sonhos”.

O ritmista, que em paralelo com as actividades da banda tem conquistado o seu lugar como instrumentista, aproveitou para falar do privilégio que tem sido trabalhar com músicos de referência: "A inclusão de Lito Graça na nossa vida é uma sorte e fazer parte de projectos em que ele está tem sido uma honra. O Tio Lito tem nos ajudado muito a perceber a essência da nossa música, quais são as balizas para apresentarmos os parâmetros. Sentimo-nos sem palavra para dimensionar o tamanho do seu suporte”.

Padre revela como a música entrou na vida dos seus colegas: "Grande parte de nós vem da Igreja Tocoista e os demais trazem a bagagem musical de outras igrejas. Comecei como solista mas agora, pelas responsabilidades que tenho dentro do grupo, como director artísticoe coordenador geral, fico no ritmo e dei o solo ao meu irmão mais novo”.

Mona Itepo Baterista internacional

Outro veterano do grupo é o baterista Mona Itepo. "Venho de uma formação anterior à Banda FM  e tivemos que mudar o nome, Fusão. Hoje digo que a evolução de uma banda local para nacional não é fácil. Mas como jovens com muita vontade de aprender, e por gostar do que estávamos a fazer,  atingimos o objectivo. No início ficávamos com medo quando acompanhávamos os grandes que só víamos na televisão, com carreiras já consolidadas. Depois passamos a acreditar no nosso talento. Foi assim que os cantores, produtores e público começaram a dar credibilidade à Banda FM e hoje estamos aqui”.

Mona Itepo falou do processo de morar na capital. "Amudança não tem sido fácil. Benguela, a nossa província, é de muita paz e tranquilidade, diferente da confusão aqui, mas estamos a nos adaptar à correria. O objectivo da banda é trabalhar e deixar obra, por isso estamos a preparar o nosso projecto discográfico. Por outro lado, estamos mais ligados aos fazedores de música”.

Dimilde Tonico

Dimilide pertence ao grupo de jovens solistas que têm conquistado os amantes da música angolana com uma malha própria, fruto da revisitação aos gigantes da guitarra nacional. "Entro primeiro acompanhando o meu irmão nos ensaios. Lembro que para o concurso ‘Gentes e Músicas’, no concerto com Eduardo Paim, em Benguela, como eu gostava da musicalidade dele e principalmente da guitarra de Simmons Massini, em casa eu tirava algumas coisas. O meu irmão e o director Adão Filipe deram-me a oportunidade de participar em dois temas, onde os solos sobressaem. Depois do concerto, para a minha felicidade, tive elogios de Eduardo Paim, assim como de Totó, Nino Jazz e de outros músicos e convidados. Depois, numa fase em que o guitarrista estava de saída, fui convidado a integrar a Banda FM, primeiro em 2016 como estagiário e depois em 2017 como efectivo”.

Dimilde também falou da interacção com os jovens músicos da capital. "Tenho a sorte de me dar bem com todos, principalmente com os que estão muito mediatizados, como o Mário Gomes, o Yark Spin, o Texas, o Sankara e outros. Por exemplo, o primeiro convidou-me para tocar no concerto do Filipe Mukenga no Jazz In, depois de participar no Show do Mês com a Banda FM, e também no concerto dos Kiezos. Tenho recebido convites para tocar em vários concertos e em estúdio”. O jovem tem o seguinte sonho: "Pretendo gravar instrumentais originais com a Banda FM”. 

Chico, o baixista

Outro instrumentista que tem conquistado o seu espaço, Chico contou a sua história de modo resumido: "Entrei na banda no final de 2016. A Banda FM representa muito na minha carreira artística, porque tem sido uma escola.  Antes não tocava muito as nossas coisas até que fui contactado pelo director Adão Filipe. Inicialmente eu não estava muito disponível e reconheço que naquela fase estava tudo muito complicado. Hoje como baixista, estou não apenas para a Banda FM mas para servir Angola”. 

Manuya, o teclista

Jovem que começou a destacar-se no meio religioso, Manuya contou-nos o seu percurso: "Integro a banda nos finais de 2019, quando o grupo perdeu o teclista e precisavam de mais um. Foi assim que se fez  um casting na Rádio Benguela. Fiz o teste e felizmente fui aprovado. De lá para cá temos tido bons resultados, quer pela entrega do colectivo, quer pelo empenho individual de cada um e o empenho administrativo de Adão Filipe”.

Em relação ao seu percurso no grupo e na cena artística disse: "Venho da Igreja Adventista. Aos quinze anos começo a fazer trabalho de estúdio, mas apenas com música religiosa. Profissionalmente, em 2012, parto para bandas e projectos fora do Gospel. Deste modo a minha musicalidade fica mais enriquecida com uma linguagem mais ampla, com o nosso Semba e a Kizomba. Com a minha entrada na Banda FM, onde tocamos uma variedade de estilos e ritmos, o meu trabalho ficou mais apurado”.

Ely, outro teclista

Companheiro de Mamuya nos teclados, Ely tem muito em comum com o colega, pois ambos se destacavam na produção musical em Benguela. "Estávamos em finais de 2018,quando integro a Banda FM e a minha história musical mudou bastante. Antes tocava apenas na igreja e noutras actividades religiosas”.

Falando do traquejo em palco e da sua versatilidade, esclarece: "Hoje com esta agenda temos conseguido gerir a preparação dos concertos com ensaios, estudos e a ouvir muito. Um outro lado é que grande parte dos artistas já os acompanhámos no passado, então é uma questão de lembrar os registo, o que fica mais fácil. Aquando de uma nova experiência, o trabalho árduo fica menos complicado”.

Alexandra Bento, voz principal

"Estou muito feliz com o lançamento das duas músicas porque são os primeiros bebês da FM!”

A jovem tem se destacado como uma cantora que explora diferentes géneros musicais e não foi por  acaso que a sua imagem consta da parede da fama do espaço Rasgado Jazz Club, localizado na cidade de Benguela, sua terra natal. Eis a história na primeira pessoa: "Integro a Banda FM em 2013, depois de participar do concurso Benguela Gentes e Músicas”

Aproveitou para revelar a sua génese musical: "Comecei a cantar profissionalmente em 2009 em pequenas festas com a minha primeira banda, que foi a ‘Família Guitarra do Lobito’. Fui percorrendo de bar em bar e depois conheci a Banda Morena, tendo sido convidada a ser uma das vocalistas. Eis que neste percurso surge o concurso  ‘Benguela Gentes e Músicas’. Foi aí que tive o prazer de conhecer o meu mentor Adão Felipe. Passei nos castings todos e fui até a final, mas infeliz ou felizmente perdi. Depois de um tempo fui convidada a ser a corista e cantora coadjuvante da Banda FM. Hoje sou a cantora principal”. 

Em relação à nova fase, ela diz: "Ainda estou me adaptando à cidade capital. Não está a ser difícil porque quando  se corre por gosto tem de se estar preparado para todos os desafios. Estou muito feliz com o lançamento das duas músicas, porque são os primeiros bebês da FM. Agradeço a Deus pela oportunidade de poder mostrar ao mundo a nossa arte e com isso o sentimento de continuar e fazer melhor e bonito”.

História musical escrita por Adão Filipe

A Banda FM foi criada em 2013 na Rádio Benguela, para dar corpo aos vários projectos da estação, que incluíam a produção de programas, jingles e vinhetas assim como  responder à necessidade de se realizar actividades artísticas a nível das rádios da região. O nome FM surge como referência ao termo radiofónico Frequência Modulada. 

A Banda FM começou por garantir o suporte instrumental ao projecto "Benguela Gentes e Músicas”, com o objectivo de descobrir talentos na província.  Actualmente, como dito acima, está baseada em Luanda, onde tem actuado em vários palcos, no acompanhamento de vários artistas e projectos musicais.

Ao longo do seu percurso de 10 anos, a Banda FM já garantiu  o suporte instrumental aos artistas nacionais e estrangeiros como: Samangwana, Ricardo Lemvo, Waldemar Bastos, Monique Seka, Eduardo Paim, Yuri da Cunha, Kyaku Kyadaff, Derito, Don Kikas, Carlos Burity, Botto Trindade, Walter Ananás, Sabino Henda, Irmãos Almeida, Bonga, Gabriel Tchiema,  Nando da Cruz, Juka, Filipe Mukenga, Suzana Lubrano, Tito Paris, Johnny Ramos,  Beto Dias, Yola Semedo, Carlos Lamartine, Elias dya Kimuezu, Dina Santos, Mago de Sousa, Yola Araújo, Euclides da Lomba, Santocas, Proletário... E vários outros.

Nesta sua pequena trajectória, a banda tem registadas passagens em projectos culturais como: Variante, Festikongo, Rock na Catumbela, Palco do Semba,  A Nossa Kizomba, Maratona Reggae, Top dos Mais Queridos, Live do Kubico, Show do Mês Live, Festival Rasgado’s Jazz da Baía Azul e  FENACULT.

Como banda de acompanhamento, resumimos duas actuações da Banda FM que mereceram destaque nas páginas do Jornal de Angola, nomeadamente Ritmos e Cantares da Terra, realizado em Novembro do ano passado, no âmbito do Fenacult, e a passagem pelo Show do Mês em 2021.

Ritmos e Cantares da Terra

Este concerto proposto pelaAF Produções foi concebido por Adão Filipe com um roteiro onde os artistas subiam ao palco em blocos, em representação dos seguintes grupos étnicos: Ibinda, Bakongo, Ambundu, Ovimbundu, Cokwe, Nyanekha Humbe e Ovambo. Foi um momento carregado de simbolismo, onde a riqueza da diversidade cultural angolana esteve presente.

Momento Ibinda. De Cabinda, Josefina Winy, uma das referências musicais das terras de Mayombe,  e Beto Bungo, dos mais reconhecidos defensores do Kintuene.

Momento Bakongo. Com os artistas Júlio Gil, Gato Bedseiele e Lito Graça e propostas de ritmos Kinsiona, Kilapanga, Konono e Kumbazanga.

Momento Ambundu - Dembos. Pela zona dos Dembos foram chamados Dodó Miranda e Vozes do Nambwa, numa viagem pelos cânticos metodistas e músicas das noites de sunguilar, enquanto Luanda foi representada por Calabeto, Irina Bumba, Kamba Dya Muenho e Lutuima, que trouxeram o Semba tradicional e a Rebita. Mais para o interior, no corredor do Kwanza e Icolo Bengo, o som do Mbuezena e da Cabecinha foi explorado por Djanira Mercedes, Zé Maria Boyoth, José Garcia e Baló Januário.

Ângela Ferrão, Vavá do Kwanza-Sul e Cidy Daniel representaram os Ambundu da margem sul do Kwanza, navegando pelo Cambuelela e a Kisaca.

Momento Ovimbundu. Com Canhoto, Alexandra Bento, Flay, Moniz de Almeida e Sabino Henda, que proporcionaram os ritmos das Ombalas dos seculos.  Momento Cokwe. Lunda-Sul e Lunda Norte,das regiões mais ricas culturalmente, foi explorada por Janeth Kimbamba, Glória Lubanza e Domingos Mutari, que defenderam a bandeira da Chianda. Ritmos como Miting e Makoto ficaram de fora. Momentos Nyaneca Humbi e Ovambo. Cuando Cubango, Huíla, Namibe e Cunene:a escolha das Onças da Paz, Acácio Bembe e Ginga Nacicusse para o encerramento, pelo seguimento lógico proposto, serviu como uma cartada agradável. Os estilos de festa Vindjomba e Ngolo estiveram em evidẽncia.

 

 Na montra do Show do Mês

Em quase três horas de espectáculo,a Banda FM fez uma viagem ao ritmo de música convidativa a um pé de dança. O concerto está disponível na página do Show do Mês na Internet.

Do alinhamento do show fizeram parte Nelson Santos, Legalize, Sandra Cordeiro, Joh Aionda e Zeca Moreno. Kizua Gourgel, Edson Macedo e Maneco Vieira Dias, os integrantes do painel de comentaristas, foram unânimes em assumir que a presença de uma banda não luandense estimulava os jovens artistas.

Foram tocados alguns temas emblemáticos de artistas das terras das Acácias Rubras, com destaque para "Tapioca”, um instrumental de Botto Trindade, que abriu o concerto, e "Benguela Libertada”, com os jovens guitarristas Padre e Dimilde a mostrarem toda a sua criatividade artística.

Os "miúdos” de Adão Filipe, inicialmente tímidos, conseguiram enfrentar e aguentar o espectáculo com Alexandra Bento e Freddy, vozes principais, que fecharam em apoteose com temas do cancioneiro do centro-sul, tais como: "Tambula Ossaia”, "Mboyo”, "Mai Weya” e "Tchiungue”, de Joaquim Viola, um dos nomes sonantes da província de Benguela. Interpretaram ainda sucessos de Alcione e misturas de Zouk fortemente marcadas por temas dos Kassav, com realce para "Reté”. Durante o concerto foi feita também uma homenagem a Givago, com Freddy a interpretar "Avó Teté” e "Ramiro”.

Alguns temas que falam da cidade das Acácias Rubras, como "Quando Fui a Benguela” e "Mar Azul” fizeram parte do alinhamento, que não deixou de fora o sucesso do benguelense Carlos Albano, "Marido à Maneira”.Nelson Santos, um dos convidados, começou por brindar o público com o instrumental "Rumba para Maria” e depois passeou por sucessos como a "Vida” e o seu cartão-de-visita "Cantares da Terra”.

Já Legalize fez uma incursão por temas dos anos 1970, recorrendo a Urbano de Castro. E aqueceu com "Merengue Rebita” de Paulino Pinheiro. O jovem Joh Aionda, ao interpretar "Tu Vives em Mim” e "Isabel”, sucessos do irmão Kueno Aionda, arrepiou alguns espectadores pelo timbre vocal. Sandra Cordeiro fez um dueto com Alexandra em "Luandense” e Zeca Moreno recordou os Bongos do Lobito em "Lena”. Yuri Simão justificou a presença da Banda FM pela qualidade e vontade de fazer concertos para a  valorização das formações artísticas.

"Farra de Kambas” e "Te Escolhi”

Em "Farra de Kambas”, letra de Adão Filipe na voz de Alexandra Bento, os primeiros trechos demonstram a intenção do grupo em entrar com força na nova etapa da sua trajectória, a par dos temas inéditos "Acabei de entrar”, "Tio Elias trouxe Bonga para dançar”, "Calabeto vai cantar” e "Os Almeidas vão sembar”.

Com o instrumental de Kizomba convidativo para  pista, a "Farra de Kambas” ficou marcada com uma mensagem de festa onde a presença de artistas angolanos de vários estilos e gerações deu realce a uma exaltação para a união da classe artística (cantores e promotores) e profissionais da comunicação.  O segundo tema disponível, "Te escolhi”, outra letra e música de Adão Filipe em que, mais uma vez, Alexandra Bento é a intérprete, é uma Kizomba com mensagem romântica e arranjos melódicos e coros de Santimant Mwiny.

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