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Corpo de Rui Mingas sepultado no cemitério do Alto das Cruzes

Nilza Massango

Depois de vários dias de homenagens, desde a sua morte, com mensagens, testemunhos e reconhecimentos pelos seus feitos em prol do país, do desporto, da literatura e diplomacia angolana, o corpo do nacionalista Rui Mingas já repousa, desde sexta-feira, no cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.

13/01/2024  Última atualização 08H50
No cemitério, a cerimónia foi breve e contou, apenas, com palavras de circunstância e das orações do frei Jacob © Fotografia por: Eduardo Pedro |Edições Novembro
Sem mais intervenções, nem da família, Rui Mingas, um homem de várias "facetas”, foi sepultado por volta das 13 horas e 33 minutos, depois da missa de corpo presente, na igreja Nossa Senhora do Carmo, local onde a filha, Ângela Mingas, leu uma mensagem com grande carinho sobre o pai. Na igreja estiveram ainda presentes personalidades como Ângela Bragança, Rosa Cruz e Silva, Boaventura Cardoso e outros. 

No cemitério, a cerimónia foi breve e contou, apenas, com palavras de circunstância e das orações do frei Jacob, em representação do arcebispo de Luanda, Dom Filomeno Vieira Dias.

O coro da igreja também dedicou louvores a Rui Mingas. Depois da urna descer ao supulcro, muitas coroas e ramos de flores foram depositadas sobre o túmulo. Com muita discrição, muitos deixavam o local aos prantos, outros sem palavras, conseguindo segurar o choro.

Figuras como Ismael Martins, Fragata de Morais, Cristóvão da Cunha, Mário Pinto de Andrade, Jerónimo Belo, Liberty Chiyaca e muitos outros, entre familiares, amigos, antigos companheiros e admiradores acompanharam a família enlutada até ao cemitério para o "último adeus” ao diplomata, poeta, músico e desportista Rui Mingas.

As mamãs da Organização da Mulher Angolana (OMA) também estiveram presentes e acompanharam Rui Mingas até à última morada, com cânticos de consolo e de encorajamento.

Transmitir o legado

Para muitos, o momento era de silêncio, porque quase tudo já tinha sido dito nos últimos dias. Para outros, sem se cansarem de reconhecer a grandeza daquele que foi esposo, pai, amigo, companheiro e uma personalidade da angolanidade, havia sempre palavras para descrever, enaltecer e eternizar Rui Mingas.

O embaixador Ismael Martins referiu que esses momentos devem ser aproveitados para transmitir a história e o legado deixado por figuras importantes como Rui Mingas. "Ninguém é eterno e durante o tempo de vida é nosso dever, como homens, como filhos desta grande Pátria, com uma história muito rica, que não está bem contada ainda, aproveitar e usar esses momentos para transmitir a história e o legado que nos é deixado por figuras importantes como Rui Mingas”, defendeu.

Para o diplomata de carreira, o falecido foi, de facto, um homem que deu muito ao país, co-autor do Hino Nacional, que teve de ser feito às pressas, uma vez que o processo da independência não foi negociado facilmente, por isso era preciso trabalhar, estar em prontidão combativa para fazer de Angola a pátria com que se tinha sonhado.

Memórias muito ricas

Ismael Martins fica com memórias muito ricas de Rui Mingas, que conheceu ainda jovem.

"Numa experiência comum com Rui Mingas, lembro-me  aquando da prisão dos presos do Processo 50. O pai do Mingas esteve na cadeia com o meu pai e nós mantivemos um contacto entre filhos dos presos políticos. Este contacto alimentava-nos e o canto do Rui Mingas era o que nos unia a todos, passando mensagens que eram os sonhos dos nacionalistas como Neto, Viriato, Mário António”, sublinhou.

Eram as canções de Rui Mingas, que interpretava com a alma e com convicção, prosseguiu, que convenciam e facilitavam a tarefa de convencer também outros, que nem eram angolanos, da necessidade de apoiar o combate pela Independência Nacional.

DEPUTADO DA UNITA - Referência do nacionalismo

O deputado da UNITA Liberty Chiyaca considerou Rui Mingas uma figura de unanimidade, uma referência do nacionalismo, ícone da cultura nacional e do desporto.

Por isso, defendeu que o seu legado deve servir, sobretudo para as futuras gerações, como um "cajado” para alavancar a concretização dos sonhos e da causa pela qual Rui Mingas combateu desde a altura da luta contra o colonialismo.

"Reconhecemos a sua obra. Portanto, é uma dor a perda de Rui Mingas, que trespassa todas as famílias angolanas. E, independentemente dos campos políticos, é importante enfatizar que Angola perdeu um filho, a família de Rui Mingas perdeu, o partido a que pertencia perdeu, a sociedade perdeu uma referência”, sublinhou, enfatizando o dever moral de todos se solidarizarem com a família.

  DEPUTADO PAULO DE CARVALHO
Pessoa muito preocupada com a educação científica

O presidente da Academia Angolana de Letras (AAL), Paulo de Carvalho, argumentou que Rui Mingas era uma pessoa preocupada com a educação e estava ligado à educação desde a sua mocidade.

"Para além da educação, Rui Mingas também se preocupava com a educação científica. Perdemos um grande académico, mas perdemos mais do que um académico, Angola perde um homem de letras, do desporto e cultura, alguém multifacetado”, sublinhou.

  ARCEBISPO DE LUANDA
"Representou a angolanidade de forma apaixonada e a honrou”

Ao presidir à missa, o arcebispo de Luanda, Dom Filomeno Vieira Dias, disse que Rui Mingas tocou a vida de centenas de milhares de pessoas. "Se estamos aqui hoje é porque as nossas vidas foram tocadas, e foram tocadas por Rui Mingas, alguém que tocou a vida de centenas de milhares de pessoas. Com saudades, coração apertado e as palavras sufocadas, falamos deste grande homem de cultura e rezamos por ele”.   

Para Dom Filomeno Vieira Dias, Rui Mingas representou a angolanidade de forma apaixonada e a honrou, com o seu elevado compromisso cultural e cívico, conduzindo-o até ao fim da própria vida.

O arcebispo acrescentou que o país se despediu de um grande homem que emprestou o seu saber a várias áreas da sociedade, com destaque para o mundo do Desporto, Ensino, Música, Cultura, Diplomacia, Política e da Academia.

Reunimos neste espaço, continuou, para celebrar a despedida cristã de Rui Mingas e confiamos no abraço eterno de Deus, para este homem das artes e da angolanidade. Dom Filomeno Vieira Dias frisou que a vida é maior que cada uma das suas realizações, embora as mesmas venham dar beleza, verdade, sabor e desejo de continuar a viver.

"A morte é a única certeza, assim como é a realidade da História, Biologia e da Natureza, porque é desta forma que está estruturado o universo, tanto para as plantas, animais, rios e lagos, e, indiscutivelmente para os homens”, concluiu.

  MÚSICO DOM CAETANO
"Perdemos um bom samaritano”

O músico Dom Caetano referiu que o nacionalismo, a cultura e os músicos angolanos vivem um momento trágico, com o desaparecimento físico de Rui Mingas.

"Para fazer referência a uma figura da dimensão de Rui Mingas, é preciso rever a História e a sua contribuição ao nacionalismo e o seu nível de patriotismo. Perdemos um bom samaritano, uma pessoa muito querida pelos angolanos, mas ficamos satisfeitos porque ele nos deixou um manancial muito rico através das suas obras”, sublinhou.

No seu entender, a melhor forma de preservar o acervo e honrar a memória de Rui Mingas é dar continuidade às obras que produziu e trabalhar para dar sustentabilidade para as próximas gerações.

"Por exemplo nas escolas canta-se muito o Hino Nacional, mas penso que já é hora para musicarmos, nos estabelecimentos de ensino, outras canções de Rui Mingas, como os Meninos do Huambo. Desta forma estaremos a passar o legado deste ícone e a ensinar as crianças a musicar temas do Rui, uma vez que estamos com uma certa carência de música infantil”, lembrou.

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