Opinião

Concurso público como regra única de ascensão e promoção profissional

Muitos políticos e estudiosos da política são defensores de reeleições porque consideram que no primeiro mandato um Presidente enfrenta dificuldades de afirmação do seu projecto e necessita de um segundo mandato para implementar efectivamente a sua marca e as reformas com que se comprometeu.

13/03/2023  Última atualização 06H10

Com o Presidente João Lourenço acontece o mesmo. Fez um primeiro mandato de afirmação das suas intenções e projectos e espera que neste segundo mandato, o último, aproveite para implementar as reformas que prometeu. "Assumo, desde já, o compromisso de executar as minhas promessas eleitorais, com políticas públicas que vão ao encontro dos anseios dos cidadãos e com uma governação inclusiva, que apele à participação de todos os angolanos, independentemente do seu local de nascimento, sexo, língua materna, religião, condição económica ou posição social”, dizia o Presidente João Lourenço em 2017.

No primeiro mandato ficaram sem dúvidas as boas intenções e existe agora, no segundo mandato, a expectativa de se verem aplicadas as principais reformas, entre as quais a reforma da administração pública, a realização das autarquias, a reforma do sistema político etc, etc. Com base nos últimos acontecimentos, os critérios de escolha política das personalidades que dirigem os tribunais superiores levantaram a velha necessidade de uma profunda reforma, de preferência baseada em concursos públicos, dos critérios de ingresso, preenchimento de vagas dos cargos na administração pública e instituições públicas.

Uma reforma desta natureza implica a aplicação de critérios baseados no mérito e na competência e não em factores subjectivos como o amiguismo e a confiança pessoal, e também uma alteração da velha filosofia de baixas remunerações salariais. 

Esta reforma, que talvez seja das mais esperadas da era João Lourenço, implica uma alteração da tabela salarial e da filosofia que a preside, designadamente a prática de compensações sociais com benesses e privilégios em alternativa em vez de salários que possam assegurar a retenção e atracção de quadros de qualidade.

Ao mesmo tempo que o Estado necessita cada vez mais de técnicos qualificados para ter um desempenho melhor a um público também mais exigente, o Estado insiste na criação de inúmeras distorções salariais. Entre funcionários públicos encontramos hoje serviços públicos com salários milionários, funcionários de ministérios com salários feitos com base em subsídios três a quatro vezes mais altos que a base salarial e a grande maioria na Educação e Saúde com baixos salários e também sem as benesses compensatórias habituais, como carros, casas e viagens. É como se tivéssemos três ou mais sistemas remuneratórios entre funcionários públicos, o que em parte conduz à intransigência negocial de certas classes em greves.

A ausência de critérios de avaliação por mérito e o excessivo poder discricionário dado aos chefes, criaram uma administração pública corrupta e parcial, que potencia a promoção dos bajuladores, intriguistas e familiares em detrimento dos trabalhadores honestos. Nos ministérios, administrações municipais e empresas públicas o trabalhador honesto, que chega a horas, que não faz corredores junto dos chefes, que não tem um bilhete de recomendação partidária, tem dificuldades de ascensão, ao contrário do amigo, primo ou aliado do chefe ou daquele que fomenta a intriga e o boato para dividir e melhor reinar. Ao lado do nepotismo, amiguismo e bajulação estão factores como a confiança pessoal e político-partidária, mesmo que o cargo seja meramente técnico.

Desde o primeiro mandato que se vem falando da necessidade de se estabelecer o concurso público como o único método para o preenchimento de vagas de ingresso, como de subida de categoria, mas a prática desmente essa intenção.

O sistema é tão permissivo que cada novo ministro, governador ou administrador quando chega ao novo posto, permite-se substituir todo o pessoal técnico por gente da sua confiança pessoal ou partidária. Por conta dessas alterações, o corpo técnico, que deveria ser permanente e pilar da continuidade do trabalho, vive em intermitências, sobressaltos e permanentes recomeços de processos e planos de trabalho. Não havendo um plano de carreiras, nem a observância de critérios básicos de promoção dos melhores, a administração pública não consegue atrair quadros do mercado e reter os seus talentos, sobretudo se já tiverem "as condições sociais” (casa, carro e seguro de saúde) garantidas.

Permanece na administração pública quem não foi convidado a transferir-se para uma empresa pública ou privada, banco ou multinacional ou quem ainda não tenha as condições sociais inteiramente criadas. Uns e outros enfrentam uma enorme frustração e descontentamento em relação às necessidades profissionais, aspirações e expectativas de ascensão por mérito, a menos que se deixem corromper ou se façam aliados do chefe.

Os maus salários praticados pela Estado são elementos potenciadores dos casos de corrupção, como bastas vezes vimos agentes da Polícia Nacional e funcionários públicos justificarem a necessidade de gasosa.

A mudança mais relevante que se espera da reforma da administração pública é a limitação dos poderes dos governantes, através da delimitação do quadro de carreiras profissionais e da implementação do concurso público como regra única para a promoção e ascensão profissional. Mesmo para a indicação de quadros de sua confiança política, as opções deveriam estar limitadas a uma base de dados criadas na ENAPP com ex-funcionários dessas categorias que estejam em regime de AC (aguarda colocação).

Espera-se também que a reforma da administração pública seja capaz de rever toda a actual filosofia de remuneração. Há necessidade de aplicação de um sistema remuneratório baseado na produtividade e desempenho, prémios de incentivo e participações nos lucros ou resultados.

Naturalmente também se espera que, em definitivo, o Estado deixe de oferecer casas, carros e viagens e passe, isso sim, a assegurar um salário digno e justo que permite cada um crie as suas próprias condições sociais, em vez de um ciclo vicioso de dependência do Estado.

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