Sociedade

Classe médica quer condições nos hospitais para a melhoria da assistência à população

Rodrigues Cambala

Jornalista

Médicos angolanos admitem que a classe enfrenta inúmeras dificuldades na prestação dos serviços de saúde à população, em função do défice de materiais gastáveis, do rácio desproporcional entre profissionais e utentes, bem como o não acompanhamento rigoroso nas carreiras médicas.

26/01/2021  Última atualização 09H22
Classe médica quer condições de trabalho © Fotografia por: Garcia Mayatoko | Edições Novembro
Em alusão ao Dia do Médico, que hoje se assinala, o médico gino-obstetra Feliciano Chilunga avalia a actividade como sendo positiva, sem deixar de enumerar as dificuldades inerentes ao exercício da profissão.
"Falta-nos material gastável e estímulos para pesquisa. Verificamos uma desproporção do rácio entre médicos e pacientes, nos nossos hospitais”, adicionou.
Ao jornal de Angola, o médico avalia, ainda, que a fraca sistematização dos serviços de saúde tem estado na base do excesso de trabalho, contribuindo na pouca satisfação dos utentes.

Uma vez que a meta é corresponder às necessidades dos pacientes, Feliciano Chilunga disse que o empenho dos profissionais na assistência tem contribuído no decréscimo dos indicadores da mortalidade no país.
"Nós, os médicos, vivemos também momentos dramáticos, quando perdemos pacientes, familiares e colegas. De certa forma, cria-nos um sentimento de tristeza no nosso seio”, anotou, para quem a fé em Deus faz pensar que o melhor há-de vir.

Formado há seis anos na Universidade Agostinho Neto, o médico defende a municipalização dos serviços de saúde para que se reduza o fluxo de pacientes nas unidades terciárias. "É importante dizer que, além de optimizar os próprios serviços de saúde, também levaria a reboque a humanização, o que devia contribuir numa maior satisfação aos utentes”, realçou.
A médica Sheila Gonçalves apontou que as dificuldades no exercício da medicina em Angola são muitas e sempre acrescidas a várias condicionantes sociais.  Disse que há dificuldades de dar resposta aos principais problemas da saúde, necessitando-se, para isso, de uma organização para captar os melhores quadros formados no país. 

A médica, também formada pela Universidade Agostinho Neto, há 12 anos, lembrou que o sistema de saúde e os mecanismos educativos não têm sido capazes de captar inúmeros talentos, que têm de recorrer a instituições privadas, com todas as suas condicionantes. Entre outras dificuldades, indicou a falência do próprio sistema de saúde estatal, sobretudo na comparticipação e tratamento de doenças crónicas de fórum respiratório, nomeadamente asma e outras doenças.
Em relação à Covid-19, a especialista em pneumologia Sheila Gonçalves lembrou que os tempos têm sido difíceis para qualquer médico, quer para os profissionais do sistema público, quer para os do sector privado.

"Abordamos pacientes num estado crítico e é difícil ver pacientes entre 40 e 45 anos com dificuldades respiratórias. Pior é saber que aquele paciente tem uma alta probabilidade de morrer, por causa da Covid-19”, explicou.
"Foram poucos os casos daqueles que chegaram em situação crítica e conseguiram recuperar. É muito difícil, enquanto jovem médica, ver pessoas na minha idade a falecerem com a patologia, que muitos deles pensavam que estivesse, apenas, associada a idades mais avançadas e com outras morbidades”, acrescentou a pneumologista.
Para a médica, o exercício da actividade, em Angola, é muito gratificante, pois "quem escolheu ser médico já previa, de antemão, as dificuldades e desafios associados à carreira”.

Na sua óptica, dá-se, infelizmente, fraca importância ao regime de carreira e de progressão médica no país, situação que, de certa forma, faz com que os médicos não tenham grandes aspirações em relação à sua própria profissão.  
"Não existe algo bem definido, que se vislumbre da carreira médica e que todos temos quando saímos de uma Faculdade de Medicina. Profissionais de outros países ascendem na sua carreira, mas, aqui, ficamos limitados”, disse, para clarificar que na classe médica não se consegue vislumbrar a carreira nos próximos cinco, dez ou vinte anos.

Para a ascensão na carreira, Sheila Gonçalves propõe, como requisitos básicos, habilitações profissionais, percurso profissional, diferenciação técnica e componente de pesquisa científica. "A não observação de critérios torna débil a avaliação da profissão médica em Angola”, avançou. "Existem muitas tentativas, mas não existe nada bem estruturado e que funcione a curto, médio e longo prazo, dentro do que queremos nas carreiras médicas”, sublinhou Sheila Gonçalves.
A médica e especialista em Radiologia Conceição Júlio  faz, igualmente, uma avaliação positiva do desempenho da classe em Angola, sublinhando que a classe ataca os problemas de saúde da população com dedicação, zelo e ética.

Ao lembrar que determinadas enfermidades que antes eram solucionadas no exterior, por via de uma Junta Médica, a radiologista informou que, hoje, algumas são tratadas no país pelos quadros nacionais. "Hoje, temos um atendimento mais vasto, sobretudo do doente renal crónico, que antes acarretava custos elevados ao país”, acentuou.

"Ainda não estamos num nível desejado, mas temos feito um trabalho positivo, respeitado e reconhecido”, acrescentou. Conceição Júlio, igualmente formada na Universidade Agostinho Neto, há 14 anos, disse que do ponto de vista profissional a classe tem estado aberta a melhorar os conhecimentos para prestar um serviço eficaz à população.  
"Com aquilo que temos disponível, temos feito um trabalho positivo e digno”, assegurou, revelando que as dificuldades são várias, principalmente de sobrecarga do subsistema de saúde. 

De acordo com a médica, há ainda uma cobertura sanitária longe do desejado entre médico e população.  "É muito baixo, ou seja, existem poucos médicos em relação à população. A população cresce todos os dias e com isso há uma sobrecarga ao profissional”.
A médica Conceição Júlio esclareceu que a população só acorre aos principais hospitais porque nos outros estabelecimentos de saúde não encontram especialistas. Para ela, a sobrecarga é resultado da pouca distribuição de médicos nas unidades hospitalares da periferia. "Sentimos uma sobrecarga, porque nem sempre nas outras unidades há disponibilidade de meios  para poder diagnosticar e tratar”.

A especialista em Radiologia supõe que as dificuldades sejam inerentes ao actual contexto sócio-económico e de recursos humanos insuficientes para dar cobertura institucional.
Em relação à Covid-19, que tem sido desafiadora para a classe médica, Conceição Júlio afirmou que tem sido possível superar e optimizar os cuidados de saúde aos pacientes, não olhando somente o paciente naquilo que o levou, mas, acima de tudo, ter atenção à hipertensão, diabetes e outras doenças.
 "Hoje estamos mais confortáveis a lidar com a Covid-19 do que em meses passados, quando tivemos os primeiros casos. Temos resultados satisfatórios e mais confortáveis no manuseio do paciente”, disse a radiologista.

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