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Champanhe: as bolhinhas são a melhor recompensa

Num documento precioso e de leitura histórica leiloado há pouco tempo, está lavrado o que, no tempo do exílio do imperador Napoleão, após a derrota na batalha de Waterloo, ele e o seu staff recebiam diariamente em Santa Helena.

01/01/2021  Última atualização 19H02
Caves Raposeira em Távora-Varosa, a mais antiga região demarcada de produção de espumante do país. © Fotografia por: Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
Nos líquidos, dez garrafas de Clarete (Bordéus), três de Graves, vinhos doces, destilados e... uma garrafa de champanhe. Bonaparte não podia ter assumido melhor a sua própria máxima de que as bolhinhas são merecidas nas vitórias e necessárias nas derrotas. 

Da copiosa lista de home delivery - é assim que se diz agora - citada depreende-se que o grande imperador deposto lhe fez total justiça, é mais do que óbvio que a única garrafa diária de champanhe era para ele; o champanhe que, após a pesada derrota, todos os dias mereceu.

A origem

O termo está um tanto aviltado, já que só devemos chamar champanhe ao espumante feito na região francesa de Champagne. A punição para os prevaricadores é forte e compreende-se que assim seja, trata-se afinal de património. Esse é mesmo o aspecto crucial.

Os caprichosos vinhedos nos cocurutos de França são os únicos no mundo inteiro onde se consegue boas maturações fenólicas cedo, em relação à média das companhias vitivinícolas no Velho Continente e isso quando o álcool potencial é relativamente baixo.

Em qualquer parte do mundo, isso significaria "colher verde”, mas no muito específico caso da região de Champagne apresentam equilíbrio perfeito entre açúcar e taninos. A sensação de engolir um champanhe que é tão fino e leve que nem o sentimos escorrer na garganta é única destas paragens e está aí a sua magia. Regenera, não pesa e dá muito prazer.

Claro que, como acontece nas outras regiões do mundo, não há só casos fantásticos, há também maus e até francamente maus. Mas o peso da responsabilidade das grandes casas é tão grande, que não se corre sequer o risco de falhar: os champanhes de primeira linha são perfeitos.

O método dito champanhês é o mais relevante no cenário mundial dos espumantes e consiste, primeiro, na produção de um vinho de base que se engarrafa juntamente com leveduras, provocando uma segunda fermentação do néctar. O dióxido de carbono libertado como produto da reacção permanece dentro da garrafa, originando a natureza gasosa que reconhecemos à bebida. 

O trabalho das leveduras continua e o resultado da sua defecação é eliminado no momento do dégorgement, que acontece quando se substitui a carica provisória por uma rolha de cortiça definitiva. O quadro clássico que conhecemos das fotos de adegas de estágio de espumantes, com as garrafas com os gargalos para baixo, corresponde a fases de estágio e visa a acumulação dos produtos da reacção junto à carica.

Ao longo desse período de estágio, vai-se rodando cada garrafa para ir soltando o depósito e garantir que no instante da substituição da rolha o líquido fica cristalino. Claro que estamos a simplificar muito, a descrição é apenas para ter a noção da complexidade presente na produção de um bom espumante.

Há formas de aligeirar custos e trabalho, como por exemplo injectar artificialmente o dióxido de carbono, em vez de esperar pela reacção natural, mas o resultado está longe de ser tão bom. Salon, Boerl & Kroff, Louis Roederer, Armand de Brignac e Dom Pérignon são marcas míticas, e nos seus topos de gama apresentam garrafas de mais de cinco mil euros cada. São símbolos de luxo e elas próprias são também obras de arte, de colecção.

Mas são bebidas perfeitas. Bolha muito fina, mousse perfeita e um rendimento de sabor para lá de exótico, promovendo a harmonização com iguarias igualmente exóticas. Caviar, trufas e foie gras são maridagens frequentes, sobretudo quando o dinheiro não é problema. 

E dinheiro a este nível raramente é problema, o champanhe traz consigo todo um manto de vaidade, ostentação e exibicionismo que pouco ou nada têm já que ver com o exercício da mesa e da prova. Mas isso é outra conversa.

Artigo do Diário de Notícias

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