Em 2004, o filósofo português José Gil, natural de Moçambique, escreveu um livro cujo título é suficientemente apelativo para quem tem a curiosidade de mergulhar nas profundezas da psicologia da alma portuguesa e suas síndromas lusitanas.
A luta contra a (de)colonialidade pegou. Nos últimos anos muitos autores procuram questionar a dita modernidade imposta por um sistema capitalista pelo facto de não conseguir responder inúmeros questionamentos sobre o eurocentrismo do saber, do fazer e do estar. Trata-se, aqui, de práticas de vida e modos de vida que forçadamente a colonização silenciou e invisibilizou.
O livro procura, em vários momentos, (re)visitar o legado político, educativo e colonial no espaço Bantu por ter influenciado grandemente para o colapso do sistema de educação. Não se trata de uma abordagem corriqueira, mas uma perspectiva nova que vem ganhando espaço no nosso contexto e nas discussões sabre um ensino com matriz nacional, decolonial. Nesse sentido, ele é um livro bem conseguido, pois apresenta, de maneira descoberta, como funcionou a política educativa belga, a política educativa colonial portuguesa, as reformas que estes fizeram desde os êxitos e insucessos tendo como ponto de partida os seus objectivos e seus resultados associando questões de orçamentos gerais dos Estados. O autor procura ainda discorrer sobre os paradoxos das reformas educativas bantu numa linha filosófica e, por fim, levanta aspectos relacionados à descolonização de paradigmas na educação Bantu e nas mentes. É mais ou menos por aí que o livro se desenrola.
Nessa investigação, tal como nos disse em conversa de corredor, e do que compreendemos do livro, o autor explora aspectos relacionados ao eurocentrismo e como este se tornou a razão de frustrações do alcance do desenvolvimento humano, social, económico e tecnológico da África, associando a essas questões o sistema educativo colonial. A fraca estratégia adoptada nas várias conferências que decorreram em África no sentido de pensar a escolarização total dos africanos em 20 anos, a erradicação do "analfabetismo” no seio da população africana, sobretudo entre os mais jovens, a afirmação da convicção da existência duma relação causa-efeito entre a educação escolar e o desenvolvimento económico, entre outros aspectos tratados em conferências seguintes, foram frustrados devido à ideologia educativa que foi assumida. Esses princípios ideológicos na educação contribuíram para a dominação, subalternização, até mesmo manipulação das mentes. No desenrolar da leitura depreendemos que as políticas educativas reverberam princípios epistemológicos e axiológicos das suas ex-colónias. É nesse sentido em que a ideologia funciona como um jogo de poder que promove a dominação a fim de alcançar interesses particulares transparecendo universais. Sobre esse assunto Gime (2022, p. 32) destaca que "a escola em África, continuou a ser, na maior parte dos casos, um subproduto, um legado do sistema colonial, o que explica a sua natureza elitista e o facto de servir melhor os requisitos do modo de vida metropolitano do que das nações africanas”.
"Fundamentos Filosóficos do Insucesso das Reformas Educativas na África Bantu: O caso da RDC, da Zâmbia e de Angola” mostra o lugar sádico da colonização, onde a educação é feita num modelo linguístico, cultural e mental das ex-colónias e voltado às necessidades dos colonizadores e não dos colonizados. Gime aponta os professores como as primeiras vítimas desse processo, pois, tinham como missão inculcar a necessidade de protecção dos interesses económicos, militares e políticos de seus colonizadores e isso passaria pela "assimilação” e a auto-rejeição de sua forma de ser, fazer, saber e estar. Por isso, a formação escolar dada a estes professores não era para um emprego qualificado mas numa adequação entre a formação e o papel social do formado. Explica-se que o exercício de coisificação e animalização do homem africano fazia parte dos ideais da educação colonial, onde o branco era visto como superior nas suas várias perspectivas.
Porém, escrever esse livro de fundamentos filosóficos, pensamos, não teria sentido se não levantasse reflexões que levasse ao repensar do ensino para o contexto africano e angolano de forma particular. Escrever esse livro, no entanto, tão pouco significa assumir um posicionamento decolonial a partir do seu lugar de fala. O livro precisava encontrar o seu lugar de leitura, antes de mais, na Universidade, de modo a desconstruir paradigmas eurocêntricos do modelo de ensino adoptado nas realidades em análise. Silenciar discursos preconceituosos e coloniais que tomam lugares cimeiros na academia. É tempo de compreendermos que, seja o que for, a educação na África Bantu deve ter o rosto de África e isso pressupõe dizer, uma educação que reverbere o contexto, o afrocentrismo.
Gime também discorre sobre os (in)sucessos das reformas educativas na RDC, na Zâmbia e em Angola partindo de objectivos traçados em conferências realizadas para pensar o ensino na África Bantu. Porém, um dos grandes resultados dos objectivos definidos na Conferência realizada em Addis Abeba em 1961, em Acra, no ano de 1975 e em Lagos, em 1976 motivou a expansão da escola nesses países e o aumento do número de alunos e de escolarizados. Nessas paragens da África Bantu verificou-se a inserção de conteúdos apoiados na ideia da internacionalização, isto é, serem capazes de frequentarem universidades em outras paragens do mundo.. E, foi nesse ritmo que foram surgindo as instituições de ensino superior. As reformas educativas nesses países acabaram por deixar de parte a questão da equidade, que foi um de seus objectivos. A escola, em alguns momentos se tornou um lugar de segregação, a escola não foi igualitária e não ofereceu as mesmas oportunidades a todos e as áreas desfavorecidas foram as que mais sofreram com tais práticas. Dos (in)sucessos descritos entendemos nos indagar: o que terá falhado no repensar da escola pós-colonial? O que fazer para que a escola não seja baseada em modelos que reflectem as suas ex-colónias? É que as perguntas são sempre as mesmas e as formas de as compreender têm dado brecha para outras dimensões. Pela narrativa de Gime, percebe-se um modelo de ensino que enfrenta resistência por parte dos alunos e essa resistência é implícita, é internalizada porque a escola não é convidativa e, por isso, os resultados muitas vezes não têm sido os melhores. No entanto, os discursos de que o alcance do desenvolvimento estava na construção de mais escolas e universidades se tornaram uma utopia.
São múltiplos cenários que se podem observar do livro, que careceram do autor fundamentos numa perspectiva filosófica, visto que a educação bantu, mesmo no período pós-colonial esta(va) ao serviço de seus colonizadores, o que, de certo modo, influenciou grandemente no (in)sucesso da educação na RDC, na Zâmbia e em Angola.A compreensão de Gime para o (in)sucesso podia ser vista em duas perspectivas, a saber: pensamento cafricado e a crise ético-política. Esses povos africanos tornaram-se estrangeiros na sua própria pátria, uma vez que os colonizadores revestidos de uma "missão de ajudar o ex-colonizado, mas que, na verdade, a oficiosa consistia e ainda consiste em fazer tudo por tudo para manter o status quo do antigo pacto colonial já que o sucesso escolar implicaria consequências nefastas para a metrópole” (GIME, 2022, p. 117).
Nas entrelinhas, compreende-se o levantar de uma crítica aos Estados sobre a cota financeira disponibilizada para a educação nos orçamentos gerais dos Estados (OGEs) condicionando a qualidade da educação, visto que as conferências que decorreram em Jomtien (1990) e em Dacar (2000) haviam fixado 20% para o alcance das metas definidas pela Educação para Todos (EPT). Por outro lado, a crítica do autor também recai às ideologias educativas que, de certa forma, motivam a crise lógico-ética do pensamento e a decadência das políticas educativas adoptadas como modelo que acaba por influenciar aconcepção e a execução individual (professor) e colectiva (Ministério da Educação) que intervémna definição dosobjectivos da educação.Outra questão, não menos importante, prende-se com a não conciliaçãoda escolarização com o processo de industrialização, provocando o sub-aproveitamento dos quadros formados e o consequente subdesenvolvimento. Os défices de políticas públicas motivaram uma onda de emigração devido afalta deemprego. A política da expansão escolar também fracassou devido ao descontrolo da densidade populacional e ao surgimento de novos bairros sem projectos directórios das administrações municipais.
O
livro é interessante, absolutamente fora de qualquer vulgaridade. Uma busca
minuciosa dos aspectos educativos dos países em questão, onde o autor costura
em seu escrito os contextos coloniais e sua implicação nos insucessos
educativos. Apoiado numa linguagem de fácil trânsito que o torna ainda mais
convidativo, e, nesse convite à leitura, observam-se os avanços e recuos na sua
escrita, isto é, em dado momento do livro verifica-se o retomar de aspectos já
elencados, o que, no meu entender, se torna uma estratégia de construção
textual importante na medida em que facilita, precisa ainda mais o leitor. E
falo sobre "Fundamentos Filosóficas do Insucesso das Reformas Educativas em
África Bantu: o caso da RDC, da Zâmbia e de Angola”, desapaixonado por
mergulhar nessas discussões, o que evita, de certo modo, o risco de tecer
elogios sem necessidade. Pois o livro foi muito bem conseguido, numa visão
decolonial, na medida em que o torna um livrooutro. Ainda que tenha alguns
aspectos discutidos por outros autores, muitas ideias contidas no mesmo mostram
a sua originalidade. Aprendi que a resolução dos problemas dos insucessos nas
reformas educativas passa pelo repensar a filosofia da educação para políticas
educativas reais e contextuais. É um grito e um grito à liberdade das políticas
educativas coloniais ainda vigentes e enraizadas na concepção lógico-ético do
pensamento da África bantu.
Ezequiel Bernardo
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