Sociedade

Cadeirante que “dá” cartas na agricultura

A história de vida de Malamba Tomás Andrade daria numa excelente obra biográfica. Aos 23 anos, o portador de deficiência física dos membros inferiores, é um jovem que aprendeu, desde muito cedo, a contornar todos os obstáculos impostos pelas condicionalidades do seu estado.

26/11/2023  Última atualização 10H24
© Fotografia por: Francisco Curihingana | Edições Novembro

Conta que, aos 12 anos, depois de perder a mãe, foi infectado pelo vírus da poliomielite. A ignorância pela doença e a falta de informação levaram com que os familiares recorressem à medicina tradicional e não pela convencional numa unidade hospitalar de referência da cidade.

Como consequência, Malamba tornou-se paralítico dos dois membros inferiores. Na língua nacional Kimbundu, o termo "Malamba”, significa "Desgraça”, daí que, durante a entrevista, associa frequentemente, o seu nome a sua história de vida. A fazer jus, de que funções do nome tem "peso”, em 2018, perdeu a perna direita depois do acidente de viação.

"Eu estava a ser rebocado, numa motorizada. O automobilista desgovernado embateu contra a moto. Como consequência, fui amputado a perna esuquerda. Os médicos fizeram exames do pé e decidiram amputar a perna.  Naquele momento eu senti o mundo desabar. Já era deficiente por natureza, e hoje amputam mais a perna”, recorda.

Desde então, os dias de Malamba Andrade passaram a ser de angústia e de desesperança. Por falta de um acompanhamento médico-psicológico, inúmeras vezes pensou em pôr termo à vida, pois sentia-se inútil e rejeitado pela sociedade. Amigos dos seus amigos, por conta disso, motivou que algumas pessoas criassem um movimento de solidariedade.

Ainda, no hospital pessoas de boa-fé, com palavras de carinho bem como alguns colegas de escola, professores da Escola de Formação de Professores, passaram a efectuar visitas frequentes, levando mensagens de conforto. "Tive de seguir os conselhos e tudo ficou ultrapassado. Estou aqui a viver”, realça Malamba Tomás.

 
O professor camponês

Malamba Andrade é um exemplo de vida. Apesar das suas limitações físicas, é um homem apto para os desafios impostos pela vida. Da sua trajectória académica, consta o título de finalista do Ensino Médio pela Escola de Formação de Professores Comandante Cuidado em Malanje.

Com o diploma de técnico médio em Educação, Malamba, ou seja, "Desgraça”, na língua nacional Kimbundu, passou a alimentar o sonho em tornar-se um exímio professor, por conta dos conhecimentos adquiridos. Concorreu sem sucesso, inúmeras vezes por uma vaga, pelos diferentes concursos públicos.

Mesmo assim, não cruzou os braços e decidiu optar por outra forma de subsistência. Tentou pela venda ambulante, mas não teve sucesso por conta da mobilidade. Nascido no seio de uma família de camponeses, Malamba Andrade, decidiu apostar na agricultura de subsistência.

Inicialmente, sentiu-se constrangido por conta do nível académico e do prestígio social, que tinha granjeado na comunidade malanjina. Mas, aos poucos foi vencendo os preconceitos. Actualmente, o deficiente físico dos membros inferiores, por conta de uma poliomielite, é uma referência e exemplo de vida.

 
A lavra do Malamba

Localizada na zona da Kicanda, mais concretamente na comuna do Lombe, município de Cacuso, que, Malamba tem estado a granjear prestígio da comunidade local. Não há quem não conheça o agricultor Malamba Andrade. Pai de dois filhos, na sua pequena lavoura, produz bombó, feijão, macunde e ginguba.

"Dedico-me à agricultura, como dizia o nosso saudoso Presidente Neto, a Agricultura é a base e a Indústria o factor decisivo. Vivo da agricultura, faço da minha lavra, a minha fonte de rendimento”, disse bastante feliz. A colheita da produção agrícola tem sido satisfatória, ampliado de ano a ano.  

"Nesse momento, fiz uma lavra com uma variedade de produtos. Não consegui atingir a meta porque não tenho o apoio mecanizado. O meu foco principal é ser um grande agricultor”, disse Malamba Andrade bastante optimista. No início, referiu, tudo parecia muito difícil.

Moldado a vencer as vicissitudes da vida, por altura do início das suas actividades, alguns moradores do Kicanda, município do Lombe, ficaram estupefactos, por conta de um deficiente físico ter abraçado a agricultura. Por conta da tradição e do direito costumeiro, muitos comentários foram pronunciados na comunidade.

"Muitos não acreditaram que o meu projecto agrícola iria se materializar, por conta das minhas limitações e do meu problema de locomoção”, enfatiza. Mesmo assim, decidiu seguir em frente, materializando os seus projectos. Inicialmente arrancou com a limpeza do espaço, que resultou no corte de árvores e na delimitação da área.

Malamba Andrade possui um triciclo que não lhe facilita a locomoção. Disse, que numa dessas ocasiões, quando se dirigia à lavra, depois de muita chuva, perdeu um dos pneus que não conseguiu recuperar. Sem recursos financeiros para repor, move-se nestas condições, realizando inúmeros esforços, para meter o triciclo a andar.


Desejo de uma moto de três rodas

Malamba Tomás Andrade é um jovem bafejado pela sorte, apesar das contingências que a vida lhe tenha imposto. Hoje, a sua lavoura produz acima das suas capacidades produtos como bombó, kizaca, couve, alface, gindungo, pimenta, quiabo, gimboa, entre outras hortícolas.

A produção agrícola feita, inicialmente, para a sua subsistência, tem sobrado um elevado excedente. Boa parte da produção da sua lavra se perde porque não tem como transportá-la até a casa e por conta disso, por vezes recorre a alguns moradores do bairro do Kicanda, município do Lombe, onde é feita a troca da produção com bens de primeira necessidade. "Eu perco, porque por vezes tenho de dar um saco de bombó, para pagar o trabalho feito”, lamentou.

Malamba diz que com uma moto de três rodas, vulgo "Kaleluia”, podemos ver o problema do escoamento da produção resolvido. "Se conseguir ter uma moto de três rodas, acho que vai facilitar muito a retirada da produção para o mercado. Essa é uma grande dificuldade que tem estado a afectar a minha actividade”, realça com tristeza.

Recorda com nostalgia que, no ano passado, perdeu grandes quantidades de mandioca, que dias depois, estragou, sob o olhar de todos sem poder ser vendido ou escoado para outro local do Lombe.


O grito de socorro

"Eu preciso de ajuda. O meu repto vai para aquelas pessoas de boa-fé, com alguma posse financeira, que me podem ajudar a vencer essa dificuldade”, apelou Malamba, quando falava à nossa reportagem. Disse ter produzido feijão na época agrícola passada, mas que, teve de vendê-lo ao preço de oferta porque não tinha como levar ao mercado.

Malamba Andrade disse à nossa reportagem que nunca solicitou algum apoio institucional, com realce para bancária. A única solicitação feita, recorda, foi dirigida à Administração Municipal de Cacuso, que lhe apoiou com duas latas de sementes de couve.

"Já apresentei o meu projecto à Administração Municipal de Cacuso. Fui apoiado com duas latas de sementes de couve. O meu maior problema, neste momento, prende-se com a locomoção. Nesse momento venho da comuna do Lombe, Cacuso. A cadeira de roda que me ajuda nas deslocações, está totalmente danificada, por falta de pneus”.

Por conta das dificuldades, Malamba, já pensou em desistir inúmeras vezes. Diariamente, a sua jornada começa às seis da manhã até às 15 horas. O jovem cadeirante adoptou como lema de trabalho: "Desistir é para os fracos. Aqui eu persisto até atingir a meta”, disse de forma melancólica.

No meio tantos problemas, Malamba Andrade recorda, o que lhe comove todos os dias é a discriminação por conta da deficiência. "Há pessoas que, por vezes, ignoram o meu trabalho. Usam o termo pejorativo: "você é aleijado, vais conseguir fazer mesmo agricultura? Sempre ignorei esses insultos”, disse.


Sonhar alto

A história de vida de Malamba Tomás Andrade, daria numa excelente obra biográfica. O nosso interlocutor disse que, pretende ser um grande agricultor. O impasse está identificado por conta das limitações financeiras. "Ainda não bati à porta de nenhuma instituição bancária para pedir financiamento”, salientou.

Sem a cadeira de rodas, Malamba Andrade se torna num deficiente rastejante. quando se desloca ao campo, é obrigado a fazer a travessia diária da Estrada Nacional 230. Ou seja, a deslocação é feita da comunidade para a zona de lavoura. "Eu atravesso a estrada 230, todos os dias, e com a frequência de camiões a alta velocidade.”

Há ocasiões em que aparecem elementos de boa-fé, que me ajudam a transpor o outro lado. Lembra, que, recentemente, decidiu fazer a travessia sozinho, e quase foi atropelado por um camião. O pior, só não aconteceu, com Malamba Andrade, por conta da condução cuidada do automobilista.

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