Opinião

Atentados ao património

Luciano Rocha

Jornalista

Os atentados ao património público, nos mais variados sectores que o compõem, continuam uma constante no país perante a quase, quando não total, passividade das instituições que os deviam preservar, mas, pela postura, incentiva.

06/05/2021  Última atualização 06H00
Atentados ao património público são, entre outros, os roubos de tampas de sarjetas, cabos transportadores de baixa tensão, fios eléctricos, torneiras, tudo que é adquirido, legalmente, saliente-se, com verbas do erário para beneficio colectivo. 
O abate de árvores, algumas seculares, danificação de jardins e parques infantis, zonas verdes: estabelecimentos de ensino e saúde, deterioração de monumentos, designadamente com frases injuriosas, são atentados graves à nossa memória colectiva.Naquele último caso conta-se o Museu das Forças Armadas, em Luanda, que guarda parte da mais recente História angolana, desde as guerras de Libertação Nacional às que se lhe seguiram, após a proclamação da nossa Independência, contra novos invasores, de várias origens, não raro conluiados. Aquele espaço histórico - que há-de dar às gerações vindouras uma imagem de que foi a luta de um povo, quase sempre em desvantagem em número de efectivos e armamento, que compensava com a certeza de quem luta pelo que lhe pertence, ao contrário dos invasores - não escapou à ofensa colectiva, quando parte das paredes da fortaleza que o acolhe foram encobertas por um centro de despesismo destinado à nova burguesia endinheirada ou a fingir que é.

Alguns, à falta de argumento mais convincente, referem que a fortaleza que acolhe o museu foi construída por um dos invasores -neste caso concreto, o português, mas em Angola houve outros, é importante não esquecer - como se isso fosse caso único, a nível universal. A seguir-se essa lógica, por maioria de razões, o Palácio Presidencial, sede, até 1974, do regime colonial português em Angola, podia ser tapado com um hotel. Outros exemplos? A Assembleia Nacional, que, até recentemente, funcionou entre as paredes dos antigos cinemas "Restauração” e "Quarteto”, que albergavam, também, uma boîte, o Hospital Josina Machel - Maria Pia, além de outras instalações governamentais, militares, escolares, recintos desportivos, alguns continuam de pé e a albergar serviços públicos, podiam ser "escondidos” por arranha-céus, até derrubados.

Outra justificação para o tal centro consumista, alheio aos interesse da esmagadora maioria dos luandenses, não ter sido derrubado, prende-se com interesses económicos que, uma vez mais, se sobrepuseram a valores sem preço. A criação de postos de trabalho é também desculpa. Quantos? Por quanto tempo? Quais?Os atentados ao património público angolano são em muito maior número e estendem-se ao todo nacional. A lista é de tal ordem extensa que, embora talvez fosse interessante enumerá-la, é incompatível com o espaço reservado à crónica. A toponímica também regista exemplos de atentados ao património angolano em praticamente de uma ponta a outra do país. A capital, ela só, é um amontoado deles. Por desconhecimento, falta de investigação mínima, preguiça? Sabe-se lá. Em alguns casos, porventura, pelas três razões juntas, mas também por desleixo de quem, com poderes para pôr cobro à situação, mantém-se quieto e mudo. 

A tabuleta da Rua 28 de Maio, no Bairro da Maianga, é dos exemplos mais gritantes. De que se está à espera para a retirar? É que aquela data assinala a instituição do fascismo em Portugal, das páginas mais dramáticas que registam as Histórias daquele país, bem como de a Angola, as de todos os outros territórios que viveram sob o terror da ditadura salazarista.Que aquela tabuleta na Maianga seja arrancada antes da data que a assinala. Há distracções, desleixos, ignorâncias, adiamentos imperdoáveis. Já agora, apaguem, também, o nome da esclavagista Ana Joaquina da parede do Tribunal Provincial de Luanda. Os dois casos são atentados ao património maior de um povo, o da dignidade.

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