Opinião

Arestas por limar

Matias Adriano

Jornalista

Vivemos ainda na euforia do efeito da qualificação das Palancas Negras ao Campeonato Africano das Nações. É legítimo que assim seja, porque cedo aprendemos levantar alto a nossa bandeira e vincar o patriotismo.

14/09/2023  Última atualização 06H00
Dir-se-á que é algo a ver com o nosso ADN. Foi assim nos momentos mais difíceis da história  do nosso povo, quando, jovens,  tivemos de deixar tudo para trás, incluindo a formação, para dizer sim à defesa da pátria.

Por isso, alguns de nós ainda não se levantaram da ressaca causada pela folia que se seguiu ao jogo com o Madagáscar. Pois trata-se de um momento que não nos é brindado em ciclos que seriam normais, ante os fracassos sistemáticos da nossa selecção, que concorrem para as incómodas ausências no campeonato. Há toda razão de festejar à brava, porque a próxima ninguém sabe quando será.

Até aqui, tudo bem. Cantámos, dançámos, gritámos à exaustão, porque de outro modo não podia ser. A selecção é a nossa equipa comum, sejam quais forem as nossas convicções clubísticas. Logrou aquilo que dela se esperava e a satisfação é difícil de conter. Porém, por entre toda a euforia produzida, nada nos pode cegar, a ponto de não enxergarmos ou percebermos que a equipa não está no seu melhor. O que foi exibido, quer com o Madagáscar quer com o Irão, foi um futebol de pantufas, pessimamente interpretado, quase sem qualquer objectividade.

Ficou, diga-se em obediência à verdade, "preto no branco” que até Janeiro há muita terra ainda por desbravar. Não deve haver esforços  a medir no desenvolvimento de um trabalho profícuo, que possa inverter positivamente o quadro. A equipa precisa de ganhar entrosamento e faro para a baliza, para fazer face aos adversários que terá pelo caminho no torneio da Côte d'Ivoire, cujo sorteio acontece a 12 de Outubro próximo. Há muitas arestas por limar.

À partida, é sabido que o seleccionador  não tem os atletas em tempo inteiro à disposição para um trabalho intensivo, que leve à correcção dos erros e à definição de uma estratégia eficaz em tempo útil. À guisa de exemplo, olhemos para o grupo que foi a Teerão. Desfalcado. Mas, compete-lhe a estruturação de um plano de trabalho que possa facilitar a empreitada.

A começar a prova a 13 de Janeiro, Dezembro deve ser de arregaçar as mangas, ainda que alguns activos não se façam presentes, em tempo oportuno, ante os compromissos com os respectivos clubes.

É irritante que uma selecção, que vai na sua nona participação, conte apenas com duas presenças nos quartos-de-final, soçobrando, regra comum, na fase de grupos. Isto expressa uma incapacidade competitiva de uma selecção não só longe das mais conceituadas de África,  mas ainda à procura de um lugar fora da penumbra, resumindo-se a sua participação nisto mesmo: participação apenas.

O povo pede uma selecção mais ousada, com atitude, ainda que não vença todos os jogos, mas que mostre arte e engenho. Futebol é alegria, proporcionada pela qualidade do jogo, se com golos melhor. Por exemplo, aquela mole de gente que lotou o Tundavala, apesar de brindada com a qualificação, merecia festejar pelo menos um golo. Mas, a equipa esteve incapaz de corresponder a este desejo.

Na verdade, não gostaríamos voltar a ver a selecção cair na fase de grupos, regressar cabisbaixo para casa, com o torneio ainda a decorrer, numa clara demonstração de inutilidade, que já não se encaixa a uma selecção com um currículo embelezado por uma presença num Campeonato do Mundo. A hora é de arregaçar as mangas, para limar as  arestas...

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