Entrevista

“Angola tem demonstrado um importante empenho na luta contra os fluxos financeiros ilícitos”

Pedro Narciso |

Jornalista

Na sua primeira entrevista como representante da União Europeia em Luanda, desde Setembro do ano passado, Rosário Bento Pais, em conversa com o Jornal de Angola, reconhece que Angola é um dos países africanos mais importantes para aquele bloco comunitário, sendo o sexto destino de investimento da UE em África.

05/08/2024  Última atualização 07H24
Rosário Pais afirma que a UE coloca à disposição de Angola um conjunto de instrumentos e ferramentas que contribuem para reforçar a recuperação e devolução de recursos desviados © Fotografia por: FRANCISCO LOPES |EDIÇÕES NOVEMBRO

A representante da União Europeia (UE) debruça-se sobre os investimentos europeus,  o combate à corrupção e a importância do  Corredor do Lobito para a economia de Angola, Zâmbia e RDC.


Está há menos de um ano em Angola. O que é que lhe salta à vista quando olha para este país, sobretudo para a sua economia?

Os relatórios mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) apresentam cenários positivos para Angola para este e o próximo ano: a projecção de crescimento é de 2,6% em 2024, e 3,1% em 2025. A economia angolana está a lidar com os impactos da diminuição da produção petrolífera e do aumento da inflação observados nos últimos anos.

 
E qual deve ser a  direcção certa para o ritmo da actividade económica  de Angola  ficar acima daquele que é projectado pelas instituições financeiras?

A economia pode recuperar ainda mais se forem tomadas medidas para melhorar o ambiente empresarial nacional e diversificar a economia, reforçando sectores estratégicos como a agricultura, e,  neste sector, reforçando as cadeias de valor prioritárias.
Neste sentido, a União Europeia  (UE) já trabalha em conjunto com o Governo de Angola para reforçar as cadeias de valor agrícolas e atrair o investimento directo estrangeiro no país, através de um recente acordo, o Acordo de Facilitação de Investimento Sustentável.

 
Já lá vamos ao Acordo. Falemos, primeiro, da política europeia para África.  Em que lugar está Angola?

Num lugar prioritário. Pelo peso demográfico e económico, e por causa da sua localização estratégica fazendo de ponte entre a África Central e Austral, Angola é um dos países africanos mais importantes para a União Europeia. Isto foi confirmado com a assinatura da parceria Caminho Conjunto em 2012, que elevou as nossas relações a um novo patamar.

 
E como estão posicionados os investimentos europeus em Angola?

Dados da Comissão Europeia mostram que Angola é o sexto destino de investimento africano da UE, cobrindo 7% do investimento directo estrangeiro da UE no continente, totalizando um stock de 14,1 mil milhões de euros até 2021. O stock de investimento de Angola na UE ascendeu a 3,5 mil milhões de euros em 2021. A UE é o principal investidor e parceiro comercial de Angola, tal como do continente africano.

 
Quanto ao Acordo de Facilitação de Investimento Sustentável entre a União Europeia e Angola, assinado no ano passado, existem resultados satisfatórios
a este respeito?

O Acordo de Facilitação de Investimento Sustentável é um acordo moderno, que visa impulsionar os investimentos, cuja novidade é, de facto, a integração dos compromissos ambientais e dos direitos laborais no quadro mais amplo da relação UE-Angola, para além de facilitar a atracção e expansão de investimentos, ao aumentar a transparência e a previsibilidade das medidas relacionadas com o investimento. O mesmo faz parte da estratégia Global Gateway da UE para alcançar acordos de investimento sustentável com África.

 
Considera ser mais um passo no aprofundamento da parceria específica com Angola?

Exactamente. É mais um passo no aprofundamento da parceria específica com Angola, que também manifestou o seu interesse em aderir ao Acordo de Parceria Económica entre a UE e a SADC, incluindo o Botswana, o Lesotho, Moçambique, a Namíbia, a África do Sul e o Eswatíni.
O acordo é o primeiro do género que a União Europeia assina e prova a relação estreita e evolutiva entre comércio e investimento, como duas faces da mesma moeda, juntamente com objectivos sustentáveis. Angola já notificou a adopção do Acordo em Junho deste ano.

 
E quando entra em vigor ?

Em Setembro, dois meses após a notificação de Angola, e será organizada a primeira reunião do Comité de Facilitação de Investimento.


Vamos falar da economia  informal, nomeadamente da assinatura do desembolso da primeira parcela fixa de dez milhões de euros para o apoio à formalização da economia. O que é que mais a  preocupa na actividade da economia informal?

Os problemas da economia informal são vários: o Estado deixa de receber contribuições, a evasão de uma parte considerável do Produto Interno Bruto (PIB), a falta de protecção e vulnerabilidade dos trabalhadores e trabalhadoras informais e até o incentivo a actividades criminosas.

 
Mas não se pode converter a informalidade em formalidade de modo repentino. Concorda?

Correctamente. A informalidade é um fenómeno complexo que também sustenta muitas famílias angolanas. Não se pode reprimir nem converter em formalidade de um dia para o outro. É um  processo gradual que precisa de uma estratégia holística multissectorial para ir fazendo, que cada vez mais sectores e agentes económicos passem a integrar o sector formal.

 
Relativamente ao Projecto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito, que pretende reforçar as capacidades humanas e institucionais nos PALOP, qual é a avaliação?

Apesar de algumas dificuldades e obstáculos enfrentados no início pelo PACED (Projecto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito), os seus resultados são bastante animadores.

 
Pode ser mais específica?

Ao longo dos cerca de seis anos de vigência deste projecto, foram formados mais de 700 quadros dos serviços competentes nos PALOP e Timor-Leste, nas áreas de Prevenção e Combate à Corrupção, Branqueamento de Capitais, Tráfico de Estupefacientes e Criminalidade Organizada, que foram as temáticas centrais de trabalho. Paralelamente, foi revista e aprovada toda a legislação que regulamenta estas matérias, nos países beneficiários, de acordo com as recomendações e melhores práticas internacionais.

 
No caso particular de Angola?

No caso particular de Angola, o  domínio da Prevenção e Combate à Corrupção e, em particular, da Recuperação de Activos, terão sido, talvez, aqueles que maior impacto produziram, pois além das acções de capacitação humana e institucional e do trabalho de revisão da legislação, foi proposta a criação dos Serviços de Combate à Corrupção e de Recuperação de Activos, os quais se vieram a materializar nos actuais serviços sob tutela da Procuradoria-Geral da República.

 
A percepção sobre a corrupção em Angola melhorou?

Exactamente.  Passou da posição 163 em 2015 para 121 em 2023, no Índice de Percepção da Corrupção, do Transparency International. Considerando o sucesso deste projecto, a UE aprovou um programa bilateral com Angola, na área da Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Recuperação de Activos, designado ProReact, o qual desenvolve já diversas acções no terreno e, mais recentemente, um novo projecto de âmbito regional PALOP e Timor Leste, o ProJust, os quais dão continuidade às dinâmicas despoletadas pelo PACED.

 
Corrobora com o que disse o representante do FMI em Luanda, que a luta contra a corrupção está a ter implicações positivas na qualidade dos gastos públicos?

A qualidade da despesa pública não é um elemento que depende exclusivamente do combate à corrupção. Com efeito, o Governo de Angola tem demonstrado a sua preocupação em melhorar a gestão das Finanças Públicas e várias medidas nesse sentido foram implementadas pelo programa do  Governo de reformas neste sector, com resultados bastante positivos. Nesse sentido, também a União Europeia tem colaborado com as autoridades, através do Projecto de Apoio à Gestão de Finanças Públicas, que, entre outras medidas, prevê o apoio a reformas fiscais, formação de quadros em áreas como análise macro-fiscal e orçamental e reforço do quadro legal.

 
E o que se deve esperar, de facto, do combate a este tipo de criminalidade?

A corrupção tem os seus tentáculos estendidos aos sectores públicos e os êxitos no combate a este tipo de criminalidade certamente trazem maior eficiência e eficácia aos esforços empreendidos na gestão da despesa pública e consequentemente melhoria na qualidade. Mas,  também,  especificamente nesta área, a União Europeia tem vindo a trabalhar com as autoridades competentes, tanto no âmbito da cooperação com os PALOP e Timor Leste, que já foi referida anteriormente, com a intervenção do PACED, quanto no quadro da cooperação bilateral.
Neste último contexto, está a ser preparado um novo programa de apoio ao Sistema de Justiça e Promoção do Estado de Direito.

 
Na sua opinião,  Angola está ou não no caminho certo para atingir a Agenda 2030  das Nações Unidas, que é reduzir significativamente os fluxos financeiros ilícitos até aquele ano?

As autoridades nacionais têm vindo a demonstrar um importante empenho na luta contra os fluxos financeiros ilícitos, conscientes dos malefícios destas práticas criminosas, não só para o sistema financeiro do país, como para as empresas e a população em geral.

 
Existe alguma parceria nesta área?

O PACED e o ProReact, os dois programas atrás referenciados, têm trabalhado afincadamente no sentido de fortalecer as capacidades técnicas e institucionais de todas as instituições envolvidas no sistema, ou seja, a PGR, o SIC, a UIF, a IGAE, os Tribunais, etc... Igualmente, no âmbito do novo projecto de Apoio à Justiça e ao Estado de Direito, está prevista a continuidade do reforço na luta contra os fluxos financeiros ilícitos, considerando a vulnerabilidade das estruturas nacionais e a natureza transnacional deste tipo de criminalidade.

 
A União Europeia concede agum apoio específico?

A UE coloca à disposição de Angola um conjunto de instrumentos e ferramentas que contribuem, pelo menos na área dos fluxos financeiros ilícitos, para alcançar o objectivo de Desenvolvimento Sustentável 16 - Paz, Justiça e Instituições Eficazes -, e reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado.  O apoio de outras instituições internacionais e, sobretudo, a plena assunção destes processos por parte das autoridades competentes será determinante.

 
Vamos falar sobre o Corredor do Lobito. Porque é que a UE acredita que o projecto  vai ‘virar o jogo’ para aumentar o comércio regional e global, como disse a presidente Ursula von der Leyen?

O Corredor do Lobito é uma das iniciativas Global Gateway em Angola e,  para a  UE,  é a iniciativa mais significativa. A mesma combina também a colaboração com outros países da região (Zâmbia e República Democrática do Congo) e parceiros de cooperação como os Estados Unidos, Banco Africano para o Desenvolvimento e Africa Finance Corporation. Quando as infra-estruturas de transporte que ligam os três países estiverem operacionais, o Corredor aumentará as possibilidades de exportação para a Zâmbia, Angola e a República Democrática do Congo, impulsionará o comércio regional e facilitará a mobilidade dos cidadãos. Ao reduzir significativamente o tempo médio de transporte, espera-se que o novo caminho de ferro diminua os custos logísticos e a pegada de carbono da exportação de metais, bens agrícolas e outros produtos, bem como o desenvolvimento futuro de quaisquer descobertas mineiras.

 
  quem defenda que o Corredor do Lobito oferecerá oportunidades para o desenvolvimento das cadeias de valor agrícola. Concorda com esta perpectiva?

Esta expansão da actividade económica no Corredor do Lobito oferece uma oportunidade para desenvolver as cadeias de valor agrícola para o consumo interno e a exportação e permitirá dinamizar o fornecimento de serviços logísticos de qualidade e serviços auxiliares como o processamento e a logística.

 
E a economia digital não é para aqui chamada?

O Corredor do Lobito tem um grande potencial como motor de digitalização, nomeadamente a conectividade e inclusão, infra-estrutura pública e activação da economia digital ao longo deste corredor estratégico. A digitalização também terá impacto positivo nas cadeias de valor agrícola, tanto na produção como na comercialização dos produtos. Em todos estes aspectos ligados ao Corredor do Lobito, os angolanos podem tirar grandes benefícios do desenvolvimento da região.

 
Voltando à  estratégia Global Gateway. Acha que Angola tem tirado bom proveito dessa inicitiva?

A estratégia Global Gateway é relativamente nova e os resultados são ainda incipientes. Em todo o caso, Angola já tem cinco  projectos (flagships), sendo o Corredor do Lobito o mais emblemático e impactante de todos. Como sabem, a estratégia de investimento Global Gateway representa o esforço da União Europeia, juntamente com os Estados-membros da UE, o sector privado europeu, o Banco Europeu de Investimento (BEI) e as instituições financeiras dos Estados-membros, para reduzir a disparidade de investimento a nível mundial.  Juntos, pretendemos mobilizar até 150 mil milhões de euros na África Subsariana e 300 mil milhões de euros a nível global, em investimentos públicos e privados entre 2021 e 2027, criando ligações essenciais em vez de dependências e colmatando o défice de investimento mundial…

 
Sendo a estratégia  Global Gateway como a descreve, insisto,  em que ambiente o país deve apostar para tirar maior benefício?

Sendo um processo que se baseia em fomentar o investimento privado, é fundamental continuar a apostar num ambiente propício, que inclui: acelerar a importação e exportação de mercadorias, apoiar o crescimento de cadeias logísticas mais eficientes, investir no aumento e melhoria do cumprimento do ambiente regulatório, implementar padrões de segurança, incluindo certificações internacionais para competitividade em mercados estrangeiros, promover start-ups dedicadas aos sectores prioritários, facilitar e criar associações e cooperativas robustas, reunindo recursos, esforços e volumes de produção, desenvolver competências/ ofertas de TI de empresas locais, incluindo gestão de dados, machine learning, robotização, inteligência artificial e computação quântica; e investir na formação de recursos humanos em sectores-chave.

 
O que tem a dizer  sobre o Programa de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional que prevê, em seis anos, alcançar o projecto sobre a redução da fome, da pobreza e seca nas províncias do Cunene, da Huíla e do Namibe, num investimento de 65 milhões de euros da União Europeia?

Os marcos já alcançados no programa demonstram o progresso contínuo e o impacto positivo do programa na redução da fome, da pobreza e a seca nas zonas mais recônditas das províncias do Cunene, da Huíla e do Namibe.

 
Quantas famílias o programa já beneficiou?

Em termos do apoio a famílias e mulheres, o programa já beneficiou cerca de 600 mil famílias e especificamente 60 mil mulheres, fornecendo informações para melhorar a nutrição de suas crianças e famílias.

 
E quanto a infra-estruturas?

Houve investimentos em infra-estruturas hídricas e agricultura sustentável, investimentos no acesso à água para o consumo humano e irrigação. Projectos como o Ma Tuningi introduziram técnicas e práticas agrícolas inovadoras, mais sustentáveis e resilientes às alterações climáticas, como a cobertura morta, que mantém a humidade do solo e reduz a necessidade de rega.

 
Será que houve reforço de capacidades institucionais ?

Sim. A Estação Agrícola do Namibe, por exemplo, foi modernizada e tornou-se num distribuidor principal de sementes na Região Sul, com sistemas de captação de água modernizados. Um foco básico do projecto assentou no treino e na formação: agricultores locais receberam formação em fitotecnia e técnicas agrícolas avançadas, aumentando significativamente a produção e a qualidade das colheitas. Por último, o impacto social e económico: o programa tem ajudado na regularização de terras e na criação de cooperativas agrícolas, melhorando as condições de vida das comunidades envolvidas e gerando empregos locais.

 
Daí a importância da auto-suficiência alimentar?

Precisamente. A auto-suficiência alimentar é essencial para garantir que toda a população tenha acesso a alimentos nutritivos e em quantidade suficiente. A dependência de importações torna o país vulnerável a flutuações nos preços internacionais e a interrupções no fornecimento.
A produção local de alimentos pode reduzir a saída de divisas destinadas à importação de alimentos, fortalecendo a economia nacional. Além disso, o desenvolvimento do sector agrícola pode gerar empregos e estimular outras indústrias relacionadas.


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