Política

Angola está receptiva ao investimento espanhol

O Presidente da República, João Lourenço, afirmou, em entrevista ao diário ibérico ABC divulgado domingo, que “Angola está receptiva ao investimento espanhol, para fazer em pouco tempo, a completa transição energética”.

06/02/2023  Última atualização 07H23
Presidente da República em entrevista ao Diário ABC © Fotografia por: DR
"Quaisquer outras ofertas de financiamento ou mesmo de investimento privado neste sector das Energias Renováveis, nomeadamente, o solar, a energia eólica, o hidrogénio verde, são todos eles bem-vindos”, sublinhou o Chefe de Estado, que falava no âmbito da visita do Rei de Espanha ao país.

A este propósito, João Lourenço explicou que o país tem um programa de transição energética, para ir abandonando gradualmente as fontes poluentes, como a queima do Diesel, e passar para as fontes renováveis.

Apontou que grande parte da energia, hoje, é produzida por fontes limpas, nomeadamente, as barragens hidro eléctricas. "Angola tem, neste momento, duas grandes centrais hidroeléctricas (Capanda e Laúca). Estamos a construir uma terceira que será bem maior que estas duas”, disse, referindo-se a de Caculo Cabaça, que ficará concluída em 2026.

Segundo o Presidente da República, "não basta produzir. É preciso distribuir, transportar esta energia para os quatro cantos do país. Esta é a luta de momento”, acrescentando que se "está a trabalhar na transportação da energia produzida nessas barragens para o resto do país”.

Para além da energia hidroeléctrica, reiterou o Chefe de Estado, também está na fase de ensaios a produção de energia solar: "Já estão em funcionamento dois grandes parques de energia solar na província de Benguela, isto é, no Biópio e na Baía Farta”.

Antes de aprofundar as relações com a Espanha, João Lourenço disse que os trabalhos da extensão da energia em outros pontos do país, nomeadamente, para o Sul, onde está previsto um mega-projecto de produção de energia solar com uma empresa americana, decorre processo similar no Leste, com a construção de parques solares para as províncias da região.

Importância da visita do Rei de Espanha

De acordo com o Presidente da República, a visita de Felipe VI "significa bastante” para Angola, por ter o privilégio, no meio de tantos países, de ser escolhido como primeira deslocação nesta região Subsaariana.

"Nós agradecemos a deferência que o Estado espanhol e em particular Sua Majestade o Rei Felipe VI e a Rainha Letizia estão a conferir ao meu país”, reafirmou, antes de avançar a agenda do visitante, que discursará na Assembleia Nacional e no Fórum Empresarial. "Isso é um sinal evidente da importância que o Rei dá a esta visita que vai realizar a Angola”, frisou.

Com o novo ambiente de negócios, criado em Angola, João Lourenço manifestou o interesse de contar com mais investimento do sector empresarial privado espanhol no país, considerando que até aqui as relações são boas, mas podem ser melhores ainda.

O Presidente da República também abordou, na entrevista, a indústria naval, tendo realçado que há o desejo da aquisição de meios navais para a Marinha de Guerra Angolana, porém "tudo depende das facilidades de crédito que forem oferecidas”.

"Se as facilidades forem boas, com certeza, a Espanha é um país virado para o mar, tem uma boa indústria naval, e Angola está carente de meios para poder melhorar a patrulha, não apenas nas suas águas, mas também pela nossa localização. Porque não o próprio Golfo da Guiné?”, aclarou, questionado sobre sectores específicos com maior necessidade.

"Padrinho” na União Europeia

Em relação às vantagens da assumpção em breve da presidência do Conselho da UE pela Espanha, o Presidente João Lourenço afirmou que a oportunidade vai surgir e nessa qualidade conta "ter um padrinho (sob risos), alguém que vai junto da UE advogar as causas e defender os interesses de Angola”.

Mais adiante, o Chefe de Estado angolano sublinhou, a este respeito, que o "ideal é ter muitas portas de entrada e, com certeza, a Espanha é uma delas, mas haverá outras”. 

Relações bilaterais "muito boas”

As relações bilaterais entre a Espanha e Angola são muito boas, baseiam-se no Acordo Geral de Cooperação, assinado em 1987, e desde esta data têm vindo a conhecer um crescendo, disse o Presidente da República, reiterando que "o nível de cooperação é bom”.

Nas trocas comerciais entre os dois países, Angola exporta para a Espanha, sobretudo, petróleo, enquanto da nação europeia chegam produtos manufacturados, numa altura em que as empresas espanholas operam cada vez mais no mercado angolano em diferentes domínios da economia. 

Sobre este particular, João Lourenço informou os diversos projectos em curso para a melhoria das condições de vida das populações, desde que ascendeu ao poder em 2017, destacando o sector da Saúde com a construção de hospitais equipados com tecnologia de ponta.

Empresas espanholas em Angola

O Presidente angolano referiu que há empresas espanholas a participar na construção do país e citou a que ergueu o Hospital de Menongue (Cuando Cubango), do Cuito (Bié), e está neste momento a finalizar as obras do Hospital Geral de Ondjiva (Cunene).

No sector do Ensino Superior, disse que, além da Universidade do Kwanza – que é privada -, na cidade do Cuito (Bié), o Estado está a trabalhar no sentido de uma empresa espanhola construir cinco públicas.

Quanto aos Transportes, a Espanha está a financiar a reconstrução do troço ferroviário Zenza-Cacuso, que liga a província de Malanje, além do financiamento do projecto de controlo do espaço aéreo, que disse ser de "extrema importância”, sobretudo, pelo facto de no final deste ano ser inaugurado o Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto.

"Em outras áreas da nossa economia também sentimos a presença da Espanha. No sector da Defesa, a Espanha está a construir, e a entrega está para breve, três aeronaves Airbus do modelo C-295, para controlo e vigilância marítima”, frisou o Chefe de Estado.

João Lourenço esclareceu que "Angola tem uma costa marítima bastante extensa e precisa de ser controlada”, lembrando que quanto à Ordem Pública o país também beneficia da cooperação com a Espanha, principalmente na formação dos efectivos da Polícia Especial (Anti-Motim), acordo que "há-de continuar”.

Sobre esta particularidade, o Chefe de Estado reafirmou que "as relações são muito boas. Mas podem ser ainda melhores”. "Se tivermos em conta os sinais que quer Angola deu, quer a Espanha deu. Portanto, o presidente do Governo espanhol esteve em visita oficial a Angola em Abril de 2021, seis meses depois eu estive em visita de Estado a Espanha, em Setembro do mesmo ano, e agora, dentro de horas, vamos receber os Reis de Espanha em Luanda”, realçou.

Construção da Universidade do Kwanza

Ainda ao longo da entrevista ao periódico espanhol ABC, o Presidente da República, João Lourenço, destacou os apoios concedidos para a implantação da Universidade do Kwanza, situada na cidade do Cuito, província do Bié.

"Nós temos vindo já a apoiar e, aliás, só assim este projecto acabou por ser implantado no coração de Angola, em tempo recorde. Foi construído em tempo recorde. Demos todo o apoio em termos de localização do terreno para mostrar a importância que Angola dá a este investimento privado feito no Cuito, Bié, inaugurado pelo Presidente da República”, reforçou.

O Chefe de Estado acrescentou que a Universidade do Kwanza está, neste momento, a solicitar ao Ministério do Ensino Superior a autorização para alargar o número de cursos.

"Estamos abertos e, em princípio, esta pretensão da Universidade vai ser atendida”, tranquilizou João Lourenço, antes de abordar, igualmente, a questão da inserção da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Cultura e língua

De acordo com o Presidente da República, relativamente à importância de aproximar povos de língua portuguesa e espanhola em África, Angola tem desempenhado um grande papel nesta vertente política e social.

"Foi de alguma forma por insistência de Angola que, por exemplo, um país africano de expressão espanhola é hoje membro de pleno direito da CPLP, refiro-me à Guiné Equatorial”, disse.

Na perspectiva do Chefe de Estado, Angola já teve há alguns anos esta visão  da necessidade de não deixar de fora um país de expressão espanhola, recordando que foi preciso "lutar” junto de outros membros da CPLP para a entrada da Guiné Equatorial.

Abastecimento de recursos energéticos

"Há pouco disse que dos principais produtos de exportação de Angola para Espanha, o principal é o petróleo. Vendemos petróleo à Europa e em particular à Espanha”, apontou o Presidente João Lourenço sobre o fornecimento de recursos energéticos ao velho continente.

Destacou que há empresas europeias que operam em Angola, nomeadamente, a Azule (fusão da Eni e BP), a Total, Aquinor, todas multinacionais. Segundo o estadista, ao explorarem o petróleo em Angola, com certeza, este produto também acaba por ir parar à Espanha.

Sem prejuízo da venda directa de Angola para a Espanha, o Chefe de Estado sublinhou que o mercado é aberto, mas observou que teria muito gosto de ter a Repsol e outras empresas espanholas também a operar no país.

Angola do futuro

Indagado sobre o futuro do país que completará em 2025 meio século, João Lourenço ressaltou a importância, do ponto de vista económico, de inserir Angola na economia mundial. "Nós abraçamos a economia de mercado, estamos a remover e afastar alguns obstáculos que encontramos para que a nossa economia seja verdadeiramente de mercado”, assegurou.

O Presidente da República reiterou o "combate acérrimo à corrupção”, para criar um bom ambiente de negócios e, entre outras razões, atrair mais investimento privado estrangeiro. "A integração de Angola na economia mundial começa a ser uma realidade”, vincou.

Do ponto de vista de relações diplomáticas e internacionais, Angola tem a característica de se relacionar praticamente com todos os países do mundo, excepto aqueles "Estados considerados párias, em que ao nível das Nações Unidas não estão bem na fotografia”.  

"Temos primado por aproveitar a nossa própria experiência de construção da paz para também ajudar outros povos que ainda estão a atravessar momentos difíceis de conflitos armados, por razões étnicas, religiosas e outras, a encontrarem, igualmente, a paz, construírem a paz, que seja definitiva como é a nossa”, evocou.

De acordo com o Chefe de Estado, Angola já está em paz há 20 anos, pelo que nada leva a pensar que ela não é ainda definitiva. E antes de concluir este capítulo, na entrevista, João Lourenço disse que "hoje existe a perspectiva de a África estar representada quer no G20, quer como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas”.

E questionou: "Porquê não Angola ter a ambição de ser o país ou um dos países africanos que poderá vir a representar o continente no G20 ou no Conselho de Segurança das Nações Unidas?”

Estabilidade em África

Lembrou que se comemorou, recentemente, pela primeira vez, o Dia da Paz e da Reconciliação em África, cuja data instituída na Cimeira da União Africana, em Malabo, na Guiné Equatorial, em 2022, simboliza e sinaliza os caminhos da convivência harmoniosa no continente.

Na capital equato-guineense, o Presidente angolano foi indicado como o Campeão da Paz e Reconciliação em África, ao que João Lourenço disse que a data foi instituída intencionalmente no sentido de alertar o continente, sobretudo os seus governantes e os povos, também, para a necessidade de se trabalhar arduamente a favor da paz.

"África hoje ainda conhece muitos conflitos e muita instabilidade. Estou a referir-me à região do Sahel, por exemplo, onde há acções de terrorismo, na Nigéria, Burkina Faso, Níger, Mali, de alguma forma, no Tchad, na RCA, aqui mais próximo de Angola, no Leste da RDC, também a instabilidade é visível”, reconheceu.

Mostrou-se preocupado com a instabilidade permanente causada por grupos rebeldes em algumas regiões de África: "Caso de Moçambique, na província de Cabo Delgado, a situação da Somália. Temos muito que fazer no sentido de conseguirmos alcançar a paz e a estabilidade definitiva para o nosso continente, sendo que isso é uma condição necessária para que possamos dar o salto e conseguirmos, então, desenvolver, do ponto de vista económico e social, o nosso continente”.

Objectivos para o segundo mandato 

Sobre a política interna, o Presidente da República afirmou que o segundo mandato é quase sempre para concluir o que não se fez no primeiro ou que se fez a meio. "Com Angola não será diferente. Entre o Executivo e o sector privado as responsabilidades estão divididas”, começou por dizer.

"Enquanto o sector privado tem a missão de produzir bens e serviços, o sector público tem a responsabilidade de garantir as infra-estruturas que vão permitir que o privado cumpra com o seu papel”, declarou, adiantando que neste segundo mandato a missão é concluir as obras e infra-estruturas principais, nomeadamente, estradas, pontes, portos, aeroportos e outras.

"Temos um grande porto a concluir. Creio que fica pronto no primeiro trimestre do próximo ano. Refiro-me ao Porto do Caio, em Cabinda. Temos o grande Aeroporto Internacional de Luanda, que deve ficar pronto no final deste ano. Estamos a trabalhar para isso. Concluir a barragem hidroeléctrica de Caculo Cabaça, que vai ser a maior do país, produzindo mais de 2 gigawatts de energia. Até 2026, se não houver contratempos, ficará concluída”, indicou.

Acrescentou que atenções estarão também voltadas para a conclusão da ligação da transportação da energia aos quatro cantos de Angola, sobretudo o projecto Gove (província do Huambo) até à cidade da Matala (na Huíla), a ligação eléctrica Belém do Huambo à cidade do Lubango (Huíla), e a partir daí estender para as províncias do Namibe e do Cunene.

"Temos o projecto de levar a energia da rede nacional também do Gove, no Huambo, para o Menongue (Cuando Cubango). O projecto da construção de parques de energia fotovoltaica quer no Sul de Angola quer no Leste (Lunda-Sul, Lunda-Norte e Moxico), Estradas Nacionais e o grande programa de combate à seca no Sul de Angola”, precisou.

Segundo o Chefe de Estado, trata-se de um projecto bastante ambicioso, que compreende a construção de canais na província do Cunene, a partir do Rio Cunene, com respectivas albufeiras para armazenamento de água para as pessoas, gado e agricultura.

A construção de seis grandes barragens para armazenamento de água na província do Namibe, bem como resolver o problema da água na Huíla, que tem um défice, onde estão previstas duas barragens, também faz parte da missão neste segundo mandato de João Lourenço.

"Em princípio, este é o nosso grande Programa de Investimento Público para este mandato, sem prejuízo de continuarmos a fazer aquilo que já vínhamos fazendo de construção de mais unidades hospitalares dos três níveis (primário, secundário e terciário) no país, a construção de mais escolas no ensino de base, com recursos do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios, a construção de mais universidades públicas (temos poucas). Há províncias que não têm universidades. Vão ter. Há pouco referi que uma empresa espanhola vai construir pelo menos cinco”, resumiu.

Combate à corrupção

Neste particular, o Presidente da República fez uma breve explicação antes de indicar os caminhos: "Talvez dizer que antes de eu chegar à Presidência da República, em 2017, os documentos reitores do partido a que pertenço e hoje presido (MPLA) sempre reconheceram existir a corrupção em Angola. E reconheceram a necessidade de combatê-la. A diferença é que não passava de uma simples constatação, mas não havia acções concretas para, efectivamente, combater esse grande mal, que corrói a sociedade angolana”.

Observou que é missão dos políticos indicar o caminho: "Foi o que fizemos, indicar o caminho. Indicamos qual era o caminho. O caminho claro era, efectivamente, começar a combater a corrupção”.

O Chefe de Estado referiu que, contrariamente ao que se diz de que quem está a combater a corrupção em Angola é o Presidente da República, é tarefa de todos. "A missão é só indicar o caminho. Foi o que eu fiz. De resto, a sociedade tem participado com denúncias. Os serviços de investigação têm cumprido com o seu papel, investigando. O Ministério Público também tem cumprido com a sua missão de constituir os processos e os tribunais em efectuar os julgamentos. Naqueles casos que tem de condenar e nos casos de absolver também”.

Na visão de João Lourenço, "o combate à corrupção em Angola é um facto e vai do topo à base”. E acrescentou: "O país não anda só atrás dos ladrões de galinha, da pequena corrupção. Mas os agentes públicos, não importa em que nível se encontrem, muitos deles têm estado a contas com a justiça. Há dados concretos de pessoas com categoria muito alta que tiveram já que enfrentar a justiça angolana”.

A favor da paz  no conflito Rússia-Ucrânia

O Presidente da República também abordou a questão do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, tendo afirmado que Angola mantém as relações de amizade e diplomáticas com Moscovo.

"Não há corte de relações. A nossa posição, com o facto de a Rússia ter agredido um país vizinho (Ucrânia), Estado independente, membro das Nações Unidas, fez com que Angola se tivesse posicionado no sentido de condenar essa guerra, e aconselhar as autoridades russas a porem fim à guerra iniciada a 24 de Fevereiro de 2022”, destacou.

João Lourenço lembrou que, nos primeiros meses, após o início da guerra, pretendia deslocar-se a Moscovo para falar com o Presidente Putin: "Na altura, não foi possível, por indisponibilidade da parte dele, mas falamos ao telefone e dessa conversa telefónica, obviamente, o teor da mensagem foi precisamente este. Que era preciso um cessar-fogo. Um cessar-fogo de preferência por iniciativa da Rússia. E negociar-se a paz na Europa, uma vez que já, naquela altura, o número de vítimas era bastante grande, de mortes, de feridos, deslocados internos, refugiados para os países europeus vizinhos. Hoje, creio, já se fala em cerca de 14 milhões, entre deslocados e refugiados”.

"(…) Por todas estas razões, a guerra deve acabar. Deve acabar, mas pelo que temos vindo a observar a tendência não nos parece ser esta. A tendência parece-nos ser de um escalar do conflito. Oxalá, não termine numa Terceira Guerra Mundial e muito menos numa guerra nuclear”, disse a finalizar o Chefe de Estado.

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