Sociedade

Agrónomo dedicado à poesia

Estácio Camassete | Huambo

Jornalista

O agrónomo, poeta, sindicalista, camponês e jurista, Francisco Quintas Tchinguma, mais conhecido por Chico Pobre, é um jovem natural de Lobito, província de Benguela. Mas, muito cedo, teve de abandonar a terra natal com destino ao centro do país, para batalhar pela vida e superar vários obstáculos sociais que enfrentava

03/12/2023  Última atualização 09H48
© Fotografia por: Edições Novembro

Chico Pobre, aos 18 anos, era vocacionado na paróquia da Santa Cruz, da igreja Católica, porque tinha o desejo de entrar no seminário, ou seja, estudar para ser padre e para tal teve de seguir para a cidade do Lubango.

Posto na Huíla, para dar início a formação, regista o primeiro obstáculo, porque o superior da congregação dos Claretianos o aconselhou a esperar um ano, sem estudar, para testar a sua vocação e se dedicar aos trabalhos pastorais.

Com o forte desejo de não perder o ano lectivo, Chico Pobre preferiu abandonar a vida religiosa e matriculou-se no Instituto Médio de Ciências Agrárias Tchivinguiro, na Huíla. No fim do curso, de 4 anos, inscreveu-se na Faculdade de Ciências Agrárias da Chianga do Huambo. No entanto, o sonho universitário não fica concretizado, de imediato, pelo facto de não ter sido aprovado no teste de aptidão.

Depois de ser chumbado na faculdade, nunca mais saiu do Huambo, preferindo, como meio de sobrevivência, fazer biscates em diferentes ONGs, ligadas à área agrária e ambiente, que, à época, existiam na cidade do Huambo.

 
Veia poética

O conhecimento na área de literatura que carrega na bagagem é resultado do aprendizado, nos tempos livres, durante a formação no Instituto Médio de Ciências Agrárias Tchivinguiro.

A instituição, para além das exigências académicas, tinha a obrigação de ocupar os jovens com actividades diversas, entre as quais a área cultural, em que se destacou a poesia. Os estudantes eram orientados a declamar, a fazer teatro e outras  actividades.

Em 2004, quando teve contacto com a obra discográfica de poesia de Fridolim Kamolakamwe, com título "Bíblia Sangrada”, Chico Pobre ganhou a força de ressuscitar a paixão escondida e começou a escrever e a declamar.

Já lia muitos livros de poesia, como de Agostinho Neto, Carlos Gouveia e tantos outros escritores, por isso foi fácil o enquadramento no universo cultural. "Comecei por desenvolver a poesia”. O ponto mais alto da fase inicial da carreira foi o lançamento, em 2012, do seu disco de poesia, intitulado  "Notícias do Espírito”, com 12 poesias de reflexão. A falta de patrocínio condicionou o lançamento da segunda obra.

O poeta foi, igualmente, coordenador do movimento LEV'ART, tendo conseguido realizar várias feiras literárias, em vários municípios do Huambo, e incentivado o aparecimento de muitos amantes da literatura.

Organizou, também, o projecto "Ler paz”, uma feira, já na quarta edição, habitualmente realizada no mês de Abril, no quadro da jornada do Dia da Paz em Angola. Chico Pobre é o organizador do Festival Nacional de Poesia, realizado no âmbito das actividades de homenagem ao Poeta Maior, Agostinho Neto, e do aniversário da fundação da cidade do Huambo, no mês de Setembro.

"O Festival Nacional de Poesia é uma marca que nasceu e se desenvolveu no Huambo, em cuja  primeira edição participaram cinco províncias. A última edição de 2021, contou com a presença de 15 províncias e granjeou muito respeito no seio dos admiradores”, disse.

Como promotor e realizador de eventos culturais, o artista prometeu que vai a tempo de voltar a realizar a outra edição do Festival Nacional de Poesia, acrescentando que tem um compromisso social, uma vez que dez por cento das receitas eram revertidas a favor de um orfanato.

A actividade não continuou por falta de patrocínio, cujo objectivo era equiparar, em termo de popularidade, a poesia com outras iniciativas culturais, como a música. Chico Pobre foi igualmente o mentor de outro projecto denominado "Leitura porta-a-porta”, que visava incentivar a leitura no seio da juventude e não só.

O também escritor disse que tem duas obras literárias em poesia já escritas que ainda não foram lançadas por falta de patrocínio, pelo que aguarda por disponibilidade financeira para divulgá-las.


Chico Pobre visto na lixeira

Circularam nas redes sociais, nas últimas semanas, imagens polémicas de Chico Pobre numa das lixeiras da cidade do Huambo a recolher lixo, em companhia de alguns jovens de rua e mendigos.

Tais imagens levantaram muita especulação e suspeitas de um possível estado de demência do poeta. Mas, na verdade, tudo está ligado a um novo projecto do artista. Francisco Tchinguma explicou que se trata de um projecto solidário que visa criar mais empatia e sentir um pouco daquilo que os meninos de rua, que se alimentam nestes locais, sentem.

"É uma forma de partilhar sentimentos com os moradores de rua, que visa promover o amor ao próximo e saber das suas reais necessidades para depois bater algumas portas de instituições para garantir alimento a estas pessoas”.

O poeta garante que, apesar das dificuldades, é possível partilhar o amor, distribuir carinho e um pouco de alimento para quem mais necessita de apoio.

 
Sindicalista

Francisco Tchinguma é funcionário da Cuca Nocebo, desde 2011, e primeiro-secretário do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Indústrias e Bebidas Similares em Angola, SNTIBSA, na empresa.

Assegurou que foi escolhido para a área do sindicato por ser solidário, bem como pelo espírito associativista que o caracteriza, desde o seu tempo no escutismo, teatro, Brigada Jovem de Literatura, seminário e tantas associações de que fez parte.  

A maior alegria, como sindicalista, é de sentir a sua acção a beneficiar "ajudar a resolver o problema de um trabalhador” o que torna "a minha alegria maior”, contou. É por esta razão que decidiu fazer uma licenciatura no curso de Direito e mestrando em Gestão dos Recursos Humanos, para, disse, perceber as leis e defender os direitos dos trabalhadores com base na lei.

"Ser sindicalista é estar sempre no meio entre o patrão e o colega, se a balança pender  para o chefe, o companheiro de serviço te acusa de traidor, que está a favor de quem manda, e quando estiver de lado dos trabalhadores, o responsável te acha falso”.

Francisco Tchinguma garante que cumpre com as actividades com maior transparência possível para ser um verdadeiro porta-voz de todas as orientações que beneficiem e garantam tranquilidade aos dois lados. "Resolver os problemas dos outros é uma experiência bastante agradável”.

Mas avançou ser muito triste quando a equipa sindical não consegue travar um determinado problema que o trabalhador enfrenta, e considera isso "uma derrota grande”. 


Gosto pela agricultura

É apaixonado pelo campo, e realça que a actividade agrícola garante o sustento da família. Revelou que o ano passado produziu milho suficiente para o consumo e venda, apesar do alto preço de adubos.

Nesta época de cultivo, já lançou a semente à terra, esperando que haja chuva suficiente para garantir uma boa safra, uma vez que almeja alargar a zona de cultivo.

"Estou a aplicar as técnicas agrárias que aprendi no Tchivinguiro e está a dar muito certo, e espero que consiga passar este conhecimento às pessoas que trabalham directamente comigo”.

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