Opinião

África: na encruzilhada da autonomização e da edificação das nações

Filipe Zau |*

Músico e Compositor

Com o fim da II Guerra Mundial, face aos conflitos localizados em áreas estratégicas e à dificuldade de instauração da coexistência pacífica, os países ex-colonizados passaram a apresentar-se como uma terceira via, afastando-se das políticas de alinhamento em prol dos blocos geo-estratégicos de influência capitalista ou socialista.

21/04/2021  Última atualização 06H00
 De acordo com os seus próprios interesses, foram procurando estreitar relações e marcar uma posição na política internacional, através de uma corrente de opinião anti-colonialista e pacifista, sustentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de Dezembro de 1948). Assim nasceu, na Indonésia, a Conferência de Bandung (Abril de 1954), que reuniu 29 países e reforçou a constituição dos chamados países de recém-independência, que apelavam à resolução pacífica das divergências internacionais e à proclamação da liberdade e igualdade de todos os povos e nações. 

Os resultados desta Conferência aceleraram o desmoronamento do sistema colonial, na Ásia e em África, acabando, como afirmou Léopold Sédar Senghor, "o complexo de inferioridade dos povos colonizados e iniciando-se o período da inevitável descolonização”. Após Bandung, teve lugar no Cairo, em Dezembro de 1957, a Conferência Afro-Asiática, que, desta vez, reuniu povos de 49 países (e não governos), que ali se fizeram representar para analisarem as questões de solidariedade política e económica entre os povos do chamado "Terceiro Mundo”, tendo como propósito o seu desenvolvimento, mediante o apoio aos movimentos de libertação. As independências em África começaram, em 1951, na Líbia e, posteriormente, em 1952, no Egipto e no Sudão. Em 1960, um número considerável de outros países africanos chegavam à independência: em 1956, Marrocos e Tunísia; em 1957, o Ghana; em 1958, a Guiné-Conakry; a Nigéria, a Somália, o Gabão, o Senegal, o Mali, a Costa do Marfim, o Benin, o Níger, o Alto Volta (actual Burkina Faso), o Chade, Madagáscar, a Mauritânia, o Togo, os Camarões, a República Centro Africana e a República Democrática do Congo (ex-Congo Belga). 

Malgrado o facto de, em 1960, na sequência da política de apartheid, o governo sul-africano ter ilegalizado o Congresso Nacional Africano (ANC) e o Congresso Pan-Africano (PAC), surge, em 1963, a Encíclica Pacem in terris, do Papa João XXIII, de condenação solene à dominação colonial. Mas, as colónias portuguesas em África foram das últimas a tornarem-se independentes: Guiné-Bissau, em 1973 (Madina do Boé); Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola (1975), após a queda do regime do Estado Novo (1933-1974), em Portugal.Do ponto de vista antropológico, uma nação é definida por Benedict Anderson como sendo uma comunidade imaginada, já que não se torna possível conhecer, encontrar ou sequer ouvir falar da maioria dos compatriotas. Contudo, na mente de cada um, permanece viva a imagem da comunhão entre todos os seus membros. Por factores de ordem histórica e política, as fronteiras dos novos países africanos já se encontravam delineadas, desde a Conferência de Berlim (1884-1885), de acordo com os interesses das antigas potências coloniais. 

Após as independências africanas cabe aos Estados a difícil tarefa de criarem as suas nações, como novas configurações intelectuais, no seio das diversidades culturais existentes. Um processo que implica na necessidade de se inculcar, no espírito dos cidadãos, um sentido amplo e abrangente de pátria ideológica – a nação – onde cada cidadão, com sentido de alteridade, aprenda a conviver com diferentes grupos societais, cujas tradicionais áreas de influência cultural, na grande maioria dos casos, ficam aquém ou além das fronteiras políticas herdadas da colonização. 

Estamos pois perante a dura realidade dos efeitos do Estado-Nação, que, no início do século XIX, foi adoptado na Europa, na sequência da Revolução Francesa e, apesar das suas realidades culturais e experiências políticas pré-coloniais serem bastante diferentes, acabou por ser imposta ao continente africano. De acordo com a filosofia popular bantu: "A união no rebanho obriga o leão a ir dormir com fome”. Este sentido de unidade terá evidentemente de ser resgatado pelas actuais e futuras gerações, através de uma educação para a identidade cultural, para a alteridade cultural e para o ecumenismo. É, pois, através de um sentido político de identidade colectiva – sem deixar de se levar em conta o respeito pelas diferentes identidades culturais e religiosas – que as nações, em África, terão de continuar a ser forjadas. 

Porém, na grande maioria dos países africanos, a consciência nacional é ainda um assunto que mais directamente diz respeito à consciência e à acção da elites nacionais do que às populações indiferenciadas, ainda pouco escolarizadas, sobretudo, em meios rurais e suburbanos. * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

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