Cultura

Actrizes de Benguela defendem maior valorização das mulheres das artes cénicas

Arão Martins / Benguela

Jornalista

Actrizes de diferentes grupos de teatro da província de Benguela defendem, naquela cidade, mais valorização e apoio à camada feminina que faz teatro.

27/03/2023  Última atualização 13H55
Lícia das Dores Kuhomboca, Deizy Sanjala, Alda Paula Jimbe e Avelina Tchina © Fotografia por: Edições Novembro

Em declarações, ao Jornal de Angola, no âmbito do Dia Mundial do Teatro, que se comemora hoje, as fazedoras de teatro na província defendem mais atenção, incentivos e reconhecimento às mulheres das artes cénicas.

Lícia das Dores Kuhomboca "Neves”, há um ano no teatro integrando o colectivo de artes de Ombaka, disse que actualmente ainda há muito tabu sobre a mulher que faz teatro, acrescentando que há casos em que já houve rejeição. Segundo a actriz, a sociedade ainda vê de "má-fé” as mulheres do teatro, razão pela qual elogiou o encontro realizado há dias, na Mediateca de Benguela, com a actriz Isabel André, que aconselhou as mulheres que fazem teatro a pautarem pela resiliência.

"Estamos a entender que o que se tem falado com o que já se vive são coisas muito diferentes", disse, elogiando o trabalho árduo que o Colectivo Artes de Ombaka tem realizado na província de Benguela. "Temos trabalhado muito e tem muitas mulheres que a partir de nós ganham um gosto pelo teatro. Vale apenas o que estamos a fazer no teatro e no grupo”, disse a actriz que começou a fazer teatro nos grupos religiosos da Igreja Católica, em Cabinda.

 

Aceitação é ainda preocupação

Um dos problemas indicou Lícia das Dores Kuhomboca "Neves” é a questão de aceitação por parte dos parceiros (marido ou namorado).

Sobre a sua inserção no teatro, disse, contou muito com o apoio dos integrantes do grupo Colectivo Artes de Ombaka. "A minha inserção no Colectivo Artes de Ombaka aconteceu depois de realizar uma peça na escola", conta.

"Quando entrei no teatro já vivia com o esposo. Participei numa peça de teatro na escola assistido pelo director do Colectivo de Artes de Ombaka, que descobriu talento em mim, porque acompanhou com frequência os ensaios e convidaram-me para fazer teatro naquele grupo e sinto-me bem”, disse.

Reconheceu que não foi fácil ter de convencer o esposo para a deixar fazer teatro. Acrescentou que com o tempo e com base nas conversas, o esposo encarou tal realidade com naturalidade.

"Tudo se resolve na base de negociações. Basta saber conciliar o ser mulher, mãe, actriz, para além de estudante e trabalhadora, as coisas acontecem com naturalidade e, também, depois os tabus ficam ultrapassados”, explicou. Já a actriz Alda Paula Jimbe, também integrante do Colectivo de Artes Ombaka, lamentou a descriminação que muitas mulheres que fazem teatro sofrem. 

"Quando és mãe de família ou exerce uma outra profissão, as pessoas têm muito de julgar que o teatro não lhe vai valer em nada. Sou mãe e tive de  procurar outra coisa para sustentar a família”, exemplificou, acrescentando que "a arte está dentro de nós. Por isso, a mulher no teatro é muito importante porque ela vai mostrar o nosso dia-a-dia de maneira educativa à sociedade”.

 

Perceber os fenómenos através do teatro

A partir do teatro, disse, é possível perceber os fenómenos da vida e apreciar algo mais adequado. A actriz disse que com o apoio do esposo adquiriram um espaço para ajudar a promover o teatro na província.

Alda Paula Jimbe reconheceu que o teatro não proporciona benefícios imediatos, mas sim a curto ou médio prazo. Por isso, mostrou-se confiante num futuro melhor, pois como disse "é preciso acreditar que em Angola algum dia às mulheres que fazem teatro vão conquistar o seu espaço".

"Não podemos dizer que o teatro não nos dá nada. Ele nos alivia e nos faz bem. Estando a representar uma cena, estamos a ensinar e a educar. As pessoas que nos assistem entram vazias, mas saem com algo diferente da sala de teatro. Acredito que algum dia vamos ganhar muito mais no teatro”, confessou.

A actriz Deizy Sanjala, da Companhia Angola Teatro, há seis anos nas artes cénicas, disse que as mulheres têm sofrido muitas críticas no mundo do teatro enquanto fazedoras de arte.

"De um modo geral, pensa-se logo que uma mulher que faz um tipo de arte é uma mulher que tem uma má conduta. É assim que as pessoas olham, principalmente no teatro, porque devido alguns papéis que as mulheres as vezes são sujeitas a fazer”, exemplificou.

Deizy Sanjala confessou não ter a experiência de ter um namorado que a proibisse de fazer teatro, mas que no princípio teve dificuldades de receber aceitação da parte dos pais em fazer teatro. "Não por fazer teatro, mas devido as chegadas tardias a casa. Isso é que incomodava”, explicou.

Informou que depois da família notar os frutos que estão a resultar da prática do teatro, já a apoiam.

Ao referir-se a uma das vantagens de fazer teatro, Deizy Sanjala disse que com a prática, é fácil interagir com o público. "Como actriz nos sentimos de forma diferente e entendemos os outros com mais facilidade”, disse, acrescentando que no teatro a pessoa é sujeita a interpretar várias personagens.

A actriz pediu mais união entre as fazedoras de teatro e defendeu mais apoio da sociedade e da própria Cultura. Reconheceu que é difícil viver do teatro em Benguela, "mas não é impossível".

 

Maior sensibilização

A directora artística da Associação Provincial de Teatro em Benguela, Avelina Tchina, defendeu mais sensibilização para incentivar as mulheres a aderirem mais ao teatro.

Disse que no passado o número era maior e que actualmente baixou muito.

Para resgatar o género feminino, a responsável informou que tem se feito um trabalho considerável junto da classe feminina na busca deste género que outrora já faziam teatro.

Processo de recadastramento permitiu identificar 16 grupos

O processo de cadastramento e recadastramento, em curso, permitiu  identificar  a existência de 16 grupos de teatros na província de Benguela, garantiu, ontem, a directora artística da Associação Provincial do Teatro.

Em declarações, ao Jornal de Angola, por ocasião do Dia Mundial do Teatro, que se assinala hoje, Avelina Tchitina disse que a actual direcção da associação é nova e está numa fase de reestruturação, uma das quais é o processo de recadastramento dos grupos já existentes e de cadastramento de novos grupos.

Além do cadastramento e recadastramento, disse, a nova associação está apostada na formação dos fazedores de teatro. A também actriz, há mais de 10 anos, do Colectivo de Artes 5 de Junho, do município da Catumbela, em Benguela, esclareceu que o processo de cadastramento e recadastramento não está encerrado e a cada dia estão a surgir novos grupos interessados em fazer parte da associação.

A directora artística da Associação Provincial do Teatro em Benguela referiu que os grupos estão localizados no município sede da província (Benguela) com 10 grupos e o restante estão situados nos municípios do Lobito, Catumbela e Chongoroi.

Para cada grupo, informou, o número de integrantes varia em mais de 10 elementos, "o que é bastante positivo".

"Demos início em Novembro do ano passado e ainda estamos nesse processo de recadastramento”, disse Avelina Tchitina.

Relativamente a formação, a directora artística da Associação Provincial do Teatro em Benguela disse que foram realizadas várias acções de formação destinadas a actores e responsáveis de grupos de teatros da província.

"Em alusão ao Dia Mundial do Teatro demos início a primeira etapa da formação e o processo é contínuo”, disse.

 

Problema de salas é conjuntural

A questão da insuficiência de salas de teatro é um problema nacional e não apenas da província de Benguela reconheceu Avelina Tchitina, que é, igualmente, actriz há mais de 10 anos.

"Temos a nossa catedral, que é o Cinema Monumental de Teatro de Benguela, que ainda está em reabilitação e enquanto as obras decorrem, temos nos adaptando noutras salas, como é a sala do Hotel Mombaka e o auditório da Rádio Benguela, que tem nos dado um grande suporte". Indicou que existem, também, no Lobito, outras salas que também têm dado um grande suporte aos grupos locais e não só.

Sobre a participação do género feminino no teatro disse que já baixou muito nos últimos tempos. "Já tivemos muita participação do género feminina no teatro”, disse, justificando que cada pessoa tem os seus objectivos.

Para ela, apesar da redução que se verifica da participação do género feminino, há ainda um número considerável. "Já tínhamos mais, porém, as que nos restaram é um número considerável”, reconheceu.

"Temos estado em comunicação com elas e a saber do porquê do afastamento e cada uma vai dando as razões e nós entendemos. Não podemos esforça-las. Aquilo que nos compete temos feito, que é a busca das razões do afastamento e algumas estão a voltar”, garantiu.

 

Uma mais-valia

A conclusão das obras de reabilitação do Cine Monumental Teatro de Benguela está a ser encarada com muita expectativa por parte dos fazedores de teatro na província. "O Cine Monumental é o espelho da província. Por isso, ter o Cinema Monumental funcional é gratificante para nós os artistas, em especial, os fazedores de teatro”, enalteceu.

A directora artística da Associação Provincial do Teatro de Benguela considerou de positivo o encontro que debateu a situação da participação das mulheres no teatro, decorrido há dias na cidade das Acácias Rubras.

"O encontro foi positivo. Foi presidido por alguém que está há mais de 36 anos no teatro e ouvir as suas experiências, dificuldades que já passou e as vitórias que foi tendo, acaba por ser uma mais-valia.

Avelina Tchitina contou que começou a fazer teatro por influência de uma ex-colega de escola, em Luanda, facto que deu sequência depois de mudar-se para o município da Catumbela, província de Benguela, no Colectivo de Artes 5 de Junho.

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