Economia

Acesso ao crédito agrícola preocupa cafeicultores

Leonel Kassana

Jornalista

Conhecido como um dos tradicionais produtos da província do Uíge, o café é visto desde há muito como tendo potencial para ser a base de desenvolvimento agrícola da região.

17/03/2021  Última atualização 12H25
Os números avançados, no Uíge, pela representação do Instituto Nacional do Café (INCA), mostram um sector com tudo para poder resgatar o incontornável papel na economia nacional.
Aliás, é histórico o papel que o café, produzido em milhares de propriedades familiares dos 16 municípios do Uíge, como também do Cuanza-Norte e Cuanza-Sul, teve na construção do que é hoje a cidade de Luanda.

Pode mesmo dizer-se, talvez de forma instintiva, mas com alguma segurança, que os cafeicultores do Uíge têm as impressões digitais nos recursos que viabilizaram as empreitadas da capital de Angola. O actual bairro Maculusso, por exemplo, outrora era chamado de Carmona (designação colonial da província do Uíge).

Actualmente, a cultura do café continua a ter grande importância económica, social e ambiental.
Nas explorações agrícolas familiares, o café chega a ser responsável pelo emprego directo de até seis pessoas, cifra que sobe para mais de vinte em períodos de colheita. No comércio, absorve também muita mão-de-obra no domínio  do transporte, estiva, torra e moagem.

Nos mercados informais dos municípios do Uíge, Songo, Negage e em Mucaba, considerados os maiores produtores, muitas pessoas vendem café já torrado e moído. Esse é apenas um dado revelador do elevado grau de empregabilidade do sector cafeícola, algo que no Uíge é muito valorizado, a olhar para os altos níveis de desemprego, sobretudo entre os jovens.
A expectativa é que essa experiência seja replicada noutros municípios cafeícolas, como Songo, Quimbele, Buengas, Bembe, Ambuila, Bungo e Dange, que conformam uma vasta zona com condições propícias para a produção do bago vermelho.

Um memorando sobre a situação geral da cultura do café na província do Uíge, a que o Jornal de Angola teve acesso, dá nota que não obstante as cifras da produção actual estarem ainda muito distantes do período anterior à independência, a província vai continuar a manter a liderança na produção cafeícola por muito tempo. Há, contudo, dados que sinalizam uma redução das diferenças entre o Uíge e o Cuanza-Sul.

O Instituto Nacional do Café (INCA) adverte que o conhecimento actual do potencial da província pode não ser o bastante, para tornar sustentável essa actividade no domínio da empregabilidade, se outro caminho não for seguido. O que se defende, na realidade, é a exploração sustentável, por via da melhoria do crédito bancário para os produtores. Os juros são ainda um amigo pouco simpático para os produtores, que os consideram "muito elevados”. Porém, os créditos são, ainda assim, indispensáveis para a aquisição de meios de trabalho, mudas de cafezeiros e outros meios necessários à produção cafeícola.

O chefe de departamento do INCA no Uíge, Vasco Gonçalves, olha com preocupação para as "queixas” dos agricultores e dos mais de nove mil produtores cafeícolas dos municípios sobre a política creditícia, que, segundo ele, poderia ser mais simplificada.
A isso, conforme contaram a generalidade dos cafeicultores da província, junta-se a já conhecida dificuldade de acesso aos campos de produção cafeícola devido às péssimas condições das "picadas”, uma preocupação muito presente na generalidade das províncias, e que as autoridades estão a mitigar com as acções em curso do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM).

Brigadas técnicas 
O INCA criou nove brigadas técnicas, para assistir os produtores, muitos dos quais detentores de enormes parcelas de terrenos, que herdados dos ancestrais, mantêm-nos em situação de inactividade.

Mas, há preocupações de peso. Das brigadas, apenas duas estão "operacionais” nos municípios de Mucaba, Quitexe, Negage, Damba, Buengas, Sanza Pombo e Songo,  onde assistem tecnicamente os produtores de café.
"Operacionais”, aqui vem mesmo entre aspas, porque, como disse o responsável do INCA, apenas duas estão aptas para garantir uma assistência adequada aos cafeicultores, muito por conta da  falta de  técnicos especializados.

Vasco Gonçalves descreve a situação como "crítica”, exemplificando a  brigada deslocada para o município do Mucaba, que com mais de 1.200 produtores de café dispõe apenas de um técnico. Uma realidade dura e reveladora das dificuldades que  estão no caminho para o alargamento das áreas de cultivo do café, aqui na região do Uíge.

Oficialmente, estão registados mais de nove mil produtores. Destes, pouco mais de quatro mil estão, efectivamente, em actividade, sobretudo no Mucaba, que concentra a maioria dos cafeicultores. Mas, esse número pode baixar ainda mais, muito por conta da desistência de alguns produtores, que não estão, suficientemente, animados, porque persiste a crónica problemática do escoamento do café das áreas produtivas para os centros de processamento e venda nas cidades.

A actual estrutura produtiva é constituída, principalmente, por explorações agrícolas familiares
No Uíge, unidades de feição empresarial são pouco expressivas. Muito pouco mesmo, depois de um processo de redimensionamento feito em 1988 e que levou à adjudicação ao sector privado de 196 fazendas agrícolas.

Hoje, a realidade no Uíge mostra-nos um quadro de completo abandono de inúmeras parcelas cafeícolas, com os titulares a optarem por culturas de curto ciclo. Fala-se de produtos como a mandioca, ginguba, batata doce e banana; produtos, de resto, expostos em quantidades consideráveis nos mercados rurais ao longo do eixo rodoviário que liga a capital do país ao Norte.

Esta é mesmo uma das principais realidades vistas pela caravana de jornalistas do projecto "Andar o país, pelos caminhos da Agricultura e do Desenvolvimento” da Rádio Luanda Antena Comercial (LAC), que  nesta altura percorre o interior de Angola, num ano que se adivinha muito crítico, devido a uma estiagem que tem tudo para ser das mais severas das últimas décadas, sobretudo nas regiões Centro e Sul.

Neste momento, ao que constatou o Jornal de Angola, está a cair alguma chuva, mas insuficiente para salvar as colheitas, sobretudo na faixa Sul da província da Huíla.
Ali a situação é mesmo particularmente dramática, a justificar a atenção que, tanto o Governo, como as agências humanitárias prestam às populações.  É de fome que se fala, com relatos coincidentes e recorrentes sobre as comunidades a sobreviver de raízes e frutos silvestres.

Café na ordem do dia
O chefe de departamento do INCA, Vasco Gonçalves, explicou que muitos cafeicultores desistiram.
"Alguns têm fazendas em zonas de difícil acesso e isso cria, obviamente, sérias dificuldades para o devido uso. Não conseguem vender, logo desistem”, adiantou.
Vasco Gonçalves indicou que no Negage estão em actividade 306 cafeicultores, 754 no Uíge, 590 no Bungo e 76 em Sanza Pombo. No Quitexe, há o registo de 59 cafeicultres, 420 no Songo, 83 na Damba, 114 no Quimbele, 38 no Bembe, 178 no Milunga e outros 509 nos Buengas.
Na safra de 2020, foram colhidas, no Uíge, 1.475 toneladas de café comercial.

"Esse é o café que saiu da província, com a respectiva guia, mas há outros cafeicultores que fogem ao controlo do INCA”, referiu Vasco Gonçalves, adiantando que o preço tem estado a subir progressivamente no mercado.
Nas várias localidades, onde os acessos são razoáveis, praticamente já não há café , acrescentou o responsável, notando que, actualmente, o quilograma está a ser comercializado a 700 kwanzas, um aumento de 200, o que diz bem do crescente valor no mercado.

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