Opinião

A zona das três fronteiras, o epicentro do terrorismo em África

Faustino Henrique

Jornalista

O rapto de mulheres, por parte de grupos que espalham o terror, alguns por razões políticas e religiosas, outros por motivações ligadas à versão moderna das antigas lutas intercomunitárias e interétnicas em que as partes derrotadas acabavam “subjugadas e levadas”, parece transformar-se, hoje, numa nova arma dos fundamentalistas, em determinadas regiões de África.

25/01/2023  Última atualização 06H00

Se para alguns países, essa realidade não constitui nada de novo, nomeadamente para a Nigéria, por exemplo, para outros, no caso concreto do Burkina Faso, estabelece uma verdadeira mudança no modus operandi dos principais grupos radicais e pode abrir um precedente.

Nos dias 12 e 13 foram sequestradas sessenta e duas mulheres e quatro bebés, no Norte de Burkina Faso por supostos jihadistas, sem que, mesmo depois de terem sido libertas, no dia 20, ainda em condições por explicar, nenhum grupo tenha reivindicado a acção. Mas a forma como as autoridades burquinabes "geriram” o sequestro, cujo alerta tinha sido dado por três mulheres que se tinham escapado, foi exemplar.

Não era comum no Burkina Faso, até recentemente, as mulheres transformarem-se em presa dos grupos radicais, pelo menos nos números e moldes que envolveram os actos dos dias 12 e 13 de Janeiro último, em todo o caso pode-se ter tratado de um ensaio contra o qual as autoridades burquinabes  devem estar preparadas.

A porosidades fronteiriça é elevada e o controlo por parte do Estado é residual, mas ainda assim com melhor coordenação por parte dos três países, mesmo com as ínfimas condições que possuem, muito se pode alcançar. Embora a chamada faixa das "três fronteiras”, zona geográfica sem limite preciso situada no Sahel entre os três países, nomeadamente o Mali, Burkina Faso e Níger, seja,  desde há algum tempo sensível ao banditismo e ao terrorismo internacional, se houver coordenação entre os três Estados muito se pode fazer. É verdade que a insegurança, agravada pela desertificação crescente, que leva a população à extrema pobreza e aumenta os conflitos pelo acesso aos recursos, dificulta muito a actuação conjunta dos Estados e, pior ainda, a intervenção isolada, mas a primeira opção é insubstituível.

No Sahel, dois em cada três habitantes vivem da agricultura e da pecuária. No entanto, com baixos rendimentos e a perda de mais de um terço das colheitas a cada ano, a insegurança alimentar é alta, uma situação agravada pelas mudanças climáticas.

Diz-se que, tão logo foram alertadas pelas mulheres que escaparam e demais informações colhidas, as autoridades burquinabes  foram velozes na partilha da notícia com os países vizinhos, cujas forças de Defesa e Segurança elevaram o alerta ao longo da chamada "zona das três fronteiras”, dificultando a mobilidade dos responsáveis pelo sequestro.

Seguramente, "encurralados”, os autores do sequestro, que não estão ainda identificados, não tiveram alternativa senão abandonar as senhoras e os quatro bebés, facto que precipitou a entrada em cena das forças de Defesa e Segurança para o resgate.

Mas, atendendo ao estado actual de insegurança no Norte do Burkina Faso e numa altura em que as autoridades burquinabes  se encontram numa espécie de encruzilhada entre um eventual "divórcio” com a França e um pretenso "casamento” com a Rússia, por via dos elementos da empresa de prestação de serviços de segurança, Wagner, o país precisa de refazer a sua estratégia de segurança para combater o terrorismo.

Tal como variados estudos apontam, o combate contra o fundamentalismo religioso depende mais da componente de inteligência e polícia, ao lado da melhoria das condições sociais, do que propriamente de botas e canhões no terreno. Obviamente que o Burkina Faso deve tentar as melhores soluções para garantir segurança e "ressuscitar” da condição de Estado falhado.

O contingente francês, de cerca de 400 soldados, que actuavam no âmbito da "Operação Sabre”, estacionado nos arredores de Ougadougou, tem sido de desempenhar o esperado papel naquele país.

Tal como foi lançada a plataforma de cooperação internacional para intervir mais e melhor no Sahel, denominada de "Aliança Sahel”, em 2017, pela França, Alemanha e a União Europeia, acompanhadas pelo Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, os três países que partilham a fronteira comum devem fazer mais. Na dimensão securitária, Burkina Faso, Mali e Níger, independentemente da condição económica dos mesmos que, como se sabe, não é das melhores, ainda assim precisam e podem cooperar mais para proporcionar segurança e estabilidade, sem prejuízo para o que cada um deve fazer internamente.

No final de 2022, o Governo burquinabe lançou uma campanha para recrutar espécie de versão local de "milícias populares”, para ajudar o exército na luta contra os jihadistas, uma iniciativa que poderá não resistir às variáveis do desemprego, fome, seca no Norte do país.

O rapto das mulheres foi mais um alerta para que as autoridades burquinabes  despertem o mais rápido possível porque, como se sabe, um dos factores que tem contribuído para a mudança de poder, pela força, em Ouagadougou é também a insegurança. Todas as variáveis que estão a ser ensaiadas, desde a partilha de informação e coordenação de esforços com os países vizinhos, com a possível partida das forças francesas e a eventual entrada em cena da Wagner, não podem redundar, como se diz em Francês, em échec sob pena do capitão Ibrahim Traoré ver "ameaçado” o processo de transição que conduz.

Esperemos que o rapto das senhoras e respectivos bebés, tal como não foi reivindicado por nenhum dos conhecidos e activos grupos, tenha sido apenas consequência de um acto isolado de banditismo armado, nos moldes e dimensões em que ocorreu. Será?

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