Opinião

A privatização da cultura é um tema tabu

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Não poderemos continuar a menosprezar nem muito menos ignorar o tema, porque as indústrias culturais e criativas ocupam um lugar central no mundo de hoje e elas só poderão desenvolver-se, no nosso país.

05/01/2021  Última atualização 10H43
Deverá deixar de sê-lo o mais rapidamente possível se quisermos desenvolver o sector, mesmo que possamos de um modo muito prudente reflectir sobre ele, como muitos defendem, a partir do prisma da desestatização da gestão da arte e da cultura, em Angola, vendo bem os seus límites, certificando-nos tintim por tintim sobre o que falamos e como definimos tudo, de forma geral e pormenorizadamente, para depois identificarmos melhor que tipos de oportunidades se vislumbram para o país, no contexto da economia regional, da criação da zona de livre mercado continental e, no geral, da economia global da cultura.

Seguramente, continuamos a ter receio de pensar a privatização das artes e da cultura, em Angola, por causa, por um lado, da reminiscência da ideologia marxista-leninista na nossa sociedade e, por outro, pela tendência mais ou menos generalizada de ver exclusivamente a parte nefasta deste tipo de iniciativa tão bem estudada, - nos casos da Inglaterra e nos Estados Unidos de América -, por Chin-Tao Wu, no seu livro "Privatizar a Cultura. A Intervenção empresarial no mundo da arte a partir da década de 1980" (2002).
Neste sentido, convém acrescentar que o modelo francês de um investimento sólido, mais comedido, do Estado resulta-me sedutor e, evidentemente, por causa dos seus resultados concretos, deveremos tê-lo sempre em alta conta.

Mas, de um modo geral, o que é certo é que não poderemos continuar a menosprezar nem muito menos ignorar o tema, porque as indústrias culturais e criativas ocupam um lugar central no mundo de hoje e elas só poderão desenvolver-se, no nosso país, se optarmos pela conjugação de, pelo menos, três opções, a saber:
 (1) A privatização de determinadas áreas muito especializadas, que vão desde a criação de canais culturais de televisão e de estações de rádio, nas plataformas digitais até ao licenciamento de leiloeiras de arte, passando pela criação de empresas de publicidade e de produção de animações e efeitos especiais para filmes ou de desenho museográfico, construção e montagem de exposições, entre muitas outras;

(2) O reforço do investimento do Estado no sector das artes e da cultura, entendendo que, no dizer de Pierre Bordieu, o "Capital Cultural” é um recurso simbólico, económico e estratégico para o desenvolvimento sustentável do país e, por conseguinte, é, também, um vector fundamental para a criação tanto de valores morais, éticos e estéticos, como de valor financiero e de mercado;
(3)  A edificação de uma arquitectura financiera sectorial sustentada tanto na diminuição dos impostos por-via das doações, do patrocínio às artes e do investimento na cultura, bem como no estabelecimento de um Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) mais baixo para as empresas do sector do turismo e de cultura, que permita estimular a sua estruturação, o seu crescimento e a sua expansão, no contexto de um novo desenho, regulamentação e activação - com os instrumentos e as ferramentas necessárias - da Lei de Mecenato.

(4) Conceder incentivos fiscais aos gabinetes de comunicação e imagem e de responsabilidade social das grandes empresas públicas e privadas que percebam bem a importância da promoção das artes como um espaço de intervenção empresarial que cataliza a consolidação do gosto e dos valores culturais e estéticos das classes médias e dos novos públicos, sejam eles provenientes das classes populares, da burguesia nacional ou de outros estratos sociais para contribuir para a criação de uma sociedade de bem-estar mais alargada quanto possível.

Por estas e outras razões é que, na verdade, o que eu gostaria mesmo é que, sem perder de vista o tema "empreendedores e criação de empresas privadas no sector cultural”, - tema da conversa/debate que, junto de Edna Bettencourt da MOVART e Jorge Cohen da Geração 80, animaremos amanhã, às 16h00, no auditório do novo Arquivo Nacional de Angola (ANA) - pudessemos responder de modo pragmático questões como, por exemplo:
- Que áreas, serviços e ou domínios das instituições artísticas e culturais podem ser negociados em parceria, cedidos completamente ou deixados à iniciativa privada e quais, mesmo podendo ser, não devem ser privatizados pelo seu valor, importância ou carácter estratégico?

- Como, com quem, com que recursos e com qual legislação seria possível acelerar a implicação do empresariado público e privado na gestão e desenvolvimento da arte e da cultura, em Angola?
E você aí, o que pensa na sua poltrona de funcionário público com sensibilidade para as artes e a cultura, na sua escola de negócios, no seu curso de Gestão de Empresas, na sua fundação, no escritório da sua universidade, no posto que ocupa tomando decisões políticas que nos afectam a todos ou, simplesmente, no silêncio da leitura desta crónica?

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