Opinião

A pré-época em marcha

Arlindo dos Santos

Jornalista

Não serei provavelmente a única pessoa a falar nas semelhanças existentes entre a política e o futebol. Não se trata de nenhuma descoberta nem há nada de anormal nisso, já que há muito nos convencemos que a política nunca passou de um jogo. Não tão simples como o futebol, como por vezes o pontapé para a frente, nos obriga ingenuamente a pensar que é.

23/05/2021  Última atualização 08H50
Ao contrário, a política é um jogo perigoso, feito de fintas e simulações, interesseiro, escorregadio, controverso, e o seu êxito depende da mesma sorte que salva resultados nos jogos de futebol, sorte de que a política é muito fértil. Depende igualmente dos princípios que se abraçam e metas que se pretendem atingir, também da elegância e da ética com que se disputam os jogos.


As diferenças são mais notadas nos grandes desafios, onde a disputa política é mais sinuosa. Jogada com regras que podem divergir nas ideologias, nas atitudes e nos factos que emergem delas mas que, encaixadas no pensamento e nos comportamentos de cada grupo, acabam por ser aceites por todos os que decidem praticar a modalidade. E é dessa maneira que vão a jogo. A um jogo importantíssimo, que em ambiente normal e sendo sério no pensamento e na atitude, influencia a vida, a felicidade ou a desgraça da população de qualquer país.


Notam-se as semelhanças do futebol com a política, quando na apresentação dos plantéis, quer de uns, quer de outros, se anunciam os objectivos e os interesses das lideranças que comandam os grupos. A estrutura, no futebol como na política, é fundamental. Quando as equipas são mal formadas e se mostram sem meios para desequilibrar os adversários, quando os jogadores são incapazes de fazer a diferença e, consequentemente, a não conseguirem dar qualidade e força às equipas, desagradam e revoltam legiões de adeptos. Pedem-se julgamentos sumários para os seus comandantes. Não é nada bom ter adeptos zangados. Que assobiam e agitam lenços brancos nos desafios mal jogados, por virtude de convocatórias inaceitáveis, da inclusão nas listas de elementos mal preparados para jogar em posições fundamentais que fazem a espinha dorsal das equipas. Um time de topo não pode ter um guarda-redes frangueiro, e o seu meio-campo deve ser sólido, lúcido e inteligente para fazer a leitura correcta do jogo. Na grande área, onde se marcam e se defendem os golos, a equipa deve ter, quer defesas e trincos de categoria, quer pontas de lança de qualidade, capazes os primeiros de cortar lances perigosos e competentes, os outros para apontar golos bonitos que ajudem a subir na classificação e agradar e fazer vibrar o grande público que ilustra a beleza do jogo das multidões. Com a conquista da vitória, do sucesso e do dinheiro em disputa, garante-se, se bem gerida, a economia que transforma o país em terra boa para viver e promove assim a alegria do povo.


Na política, há mesmo um manancial de parecenças com o futebol. Basta comparar como reage a malta quando na política se joga mal a meio-campo e se cometem uma série de faltas desnecessárias e se marcam ingenuamente autogolos. Esse mal acontece quando as escolhas dos plantéis e as estratégias da pré-época são mal concebidas e pior executadas.


Um exemplo que o futebol nos dá, é observado aqui na Europa, onde neste final de semana terminam quase todos os campeonatos e depois de curtíssimas férias se preparam logo a seguir para enfrentar a próxima época que iniciará mais cedo por via dos estragos causados pela Covid-19. Receosos ainda da sua agressividade, as autoridades abrem cuidadosamente fronteiras, enchem-se esplanadas e jardins, os cinemas e teatros dão um ar da sua graça, porque é urgente que a economia renasça, mas acautelam-se os confinamentos sempre vistos com desconfiança pelos comerciantes que se movimentam para o negócio, com o mesmo entusiasmo que enche o peito dos dirigentes desportivos que andam mortinhos por ver gente nos seus estádios. Todos dependentes das decisões políticas dos vários governos e das altas esferas da saúde, prepara-se e aguarda-se com as devidas cautelas o Campeonato da Europa que deveria ter sido realizado no ano passado.

Aqui em Portugal como em muitos lados, em Angola inclusive, os bons treinadores e os grandes capitães são raros, desconfia-se dos arrogantes e dos ignorantes fala-baratos, mas de vez em quando surge um pequeno génio tipo Rúben Amorim, um jovem benfiquista que conseguiu devolver prestígio ao Sporting Clube de Portugal, dezanove anos depois de uma quase interminável peregrinação pelo deserto das derrotas. É com o mesmo ânimo sportinguista que as organizações políticas habituadas a perder sonham com um génio no comando dos seus grupos, alguém que consiga definir estratégias, transmitir confiança à juventude e construir vitórias, porque só com vitórias se consegue pôr multidões a comemorar mesmo com máscaras, e a esquecer passados marcados por asneiras e tristes derrotas.

Tal como no futebol onde também reinam os treinadores armados em bons e os sábios comentadores e os estrategas de bancada, no lado do politicamente correcto, surgem os enfatuados e bem-falantes que fazem a vida em amplos salões e debatem, quantas vezes sofrivelmente, a política e a sociedade em que vivem. Muitos deles são travestidos com a roupagem dos politólogos, dos analistas que percebem de tudo que tenha um cheiro de política. Surgem de todo o lado, exibindo teorias e novas tácticas para as suas cores, infelizmente apontadas para círculos que não incluem o todo, a globalidade dos adeptos do território, apenas vêm, na maioria dos casos, a área que circunda os seus próprios umbigos.

Mesmo antes de ser anunciada, em Angola, a campanha eleitoral para o pleito de 2022, está na rua. As imagens que me chegam não mentem e mostram-me as habilidades políticas dos experimentados, e os lapsos dos que pensam que a política é como o futebol. Uns e outros vão cometendo erros de palmatória que lhes podem sair caros, por esquecerem-se de um factor fundamental. O público entende melhor as regras do jogo e mudou profundamente nos últimos cinco anos e nesse período de tempo alteraram-se mentalidades, diferentes das fanáticas claques dos clubes de futebol. Os cabos eleitorais não se deviam esquecer desse pormenor. A sociedade angolana ganhou assertividade e apesar de pouco instruída, cresceu em termos de pensamento político, por via dos acontecimentos registados no período que decorre entre a última e a próxima eleição.

Fica tudo dito nesta semana que os números da pandemia no nosso país já assustam, apesar da campanha de vacinação que decorre bem e nos eleva a esperança de que não tardará que os códigos sociais surjam devidamente estruturados no nosso país. Com o pensamento posto nos resultados da Cimeira de Paris, despeço-me dos meus estimados leitores. Saúde e até domingo, à hora do matabicho.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Opinião