Entrevista

“A maioria dos documentos académicos falsos é forjada fora das instituições de ensino superior”

Manuela Mateus

São várias as participações criminais feitas até hoje pelo Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES). Elas são feitas e remetidas para o Serviço de Investigação Criminal (SIC) quando há “provas irrefutáveis” sobre a falsidade de um determinado título ou grau académico. Quem o diz é o director-geral da instituição, Jesus António Tomé, que concedeu uma entrevista ao Jornal de Angola, via e-mail, durante a qual revelou que, entre 2018 e 2021, foram remetidas, para o SIC, 87 participações criminais, algumas das quais resultaram em julgamento e em condenação dos prevaricadores.

07/07/2023  Última atualização 08H55
Jesus António Tomé, Director do Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior © Fotografia por: Edições Novembro

A esmagadora maioria dos documentos académicos falsos, detectados pelo INAAREES, é forjada fora das instituições de ensino superior, declarou o nosso entrevistado, reconhecendo que "as instituições de ensino superior têm hoje muito melhores sistemas de controlo interno do que há uns anos”.

Chegou ao conhecimento do Jornal de Angola uma informação sobre a existência de "participações criminais” remetidas, entre 2018 e 2021, pelo Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES), para o Serviço de Investigação Criminal (SIC). Confirma-nos ou desmente?

Não é uma questão que se resuma a uma confirmação ou a um desmentido, porquanto, todos os anos ou depois de terminado um ciclo, sempre que constatámos, após perícia técnica exaustiva, que uma determinada formação superior feita no país ou no exterior (seja ela uma licenciatura, um mestrado ou um doutoramento) é fraudulenta, fazemos imediatamente a devida participação criminal junto dos órgãos judiciais competentes. Por exemplo, no decorrer do ano em curso, também já fizemos algumas participações criminais. Portanto, é um procedimento habitual que, por imperativos legais e até éticos, se faz há um bom tempo e, para ser mais preciso, incluindo o período em que o pelouro do reconhecimento de estudos do ensino superior ainda se encontrava sob a responsabilidade da Universidade Agostinho Neto.

O que é que determina, quando há algum tipo de suspeição, que se faça participação criminal ao Serviço de Investigação Criminal?

Não fazemos participações criminais por fazer. Estas só são accionadas quando temos provas irrefutáveis sobre a falsidade de um determinado título ou grau académico. Este é um processo que resulta de um trabalho extremamente exigente e rigoroso, ancorado nas redes ou bases de dados internacionais e que conta com a participação da instituição de ensino que, alegadamente, emitiu o diploma e o certificado a favor de alguém. Agora, se um determinado caso está envolto em suspeições, ou pesa sobre o mesmo fortes indícios de falsificação, o que fazemos é aprimorar a nossa averiguação e, em colaboração com os órgãos judiciais competentes e outros parceiros, trabalharmos até ao apuramento da verdade. Não é um processo eivado de subjectivismo, de oportunismo ou que seja persecutório. É, pelo contrário, um processo justo, totalmente imparcial e que nunca dispensa a devida responsabilização do infractor.

 A maioria das participações criminais é feita na sequência de denúncias ou do trabalho interno da instituição?

A maioria resulta do trabalho interno da instituição. Todavia, refira-se, o número de denúncias tem, nos últimos quatro anos, conhecido um crescimento exponencial, o que sugere que o país está a registar um crescendo individual e institucional em termos de literacia cívica e jurídica.

O sistema com que o INAAREES trabalha para a aferição da autenticidade dos certificados e diplomas de ensino superior é seguro?

Sim. Não é dos mais sofisticados do mundo, mas é seguro. Agora, como em tudo na vida, é preciso adoptar sempre técnicas e métodos mais modernos e, em relação a isso, não nos podemos queixar. Em termos de procedimentos, estamos alinhados com as melhores práticas internacionais, inclusive as ditadas pela Convenção de Addis-Abeba de 2014, da SADCQF [Quadro de Qualificações da SADC] e da UNESCO. Em termos tecnológicos, está em curso um projecto de modernização da digitalização existente.

Com que periodicidade eram enviadas para o SIC, até 2021, participações criminais?

Não havia, e até hoje não há, uma periodicidade exacta para o efeito. As participações eram enviadas, e ainda hoje é assim, sempre que se justificasse.

Quantas participações criminais foram remetidas, entre 2018 e 2021, para o Serviço de Investigação Criminal e qual foi o seu desfecho?

No período em questão, foram feitas 87 participações criminais (mais 10 em 2022 e mais 48 até Junho de 2023). Algumas delas (muito poucas) resultaram em julgamento e em condenação dos prevaricadores, outras ainda continuam sob investigação e, sobre estas últimas, nada mais poderei acrescentar para não pôr em causa o decurso dos processos judiciais abertos a esse respeito. Agora, há uma coisa que lhe posso garantir que é esta: os órgãos judiciais competentes estão a trabalhar em sintonia com o INAAREES, que tem participado do acompanhamento do curso de tais participações. Estou em crer que, em pouco tempo, essa dinâmica de colaboração poderá conduzir ao desfecho de todos os casos.

As suspeitas de falsificação de certificados e diplomas, que estão na origem das participações criminais, têm a ver apenas com documentos académicos alegadamente outorgados por instituições de ensino superior estrangeiras?

Não somente. Têm que ver também com documentos académicos alegadamente outorgados por instituições de ensino superior nacionais. Ou seja, para ser mais claro, a esmagadora maioria de documentos académicos falsos, detectados pelo nosso instituto, é forjada fora das instituições de ensino superior, tanto nacionais como estrangeiras. Dum modo geral, as instituições de ensino superior têm hoje muito melhores sistemas de controlo interno do que há uns anos. Significa dizer que só um número bastante ínfimo de documentos académicos é que é forjado a partir de dentro das próprias instituições de ensino superior. Por isso é que os órgãos que se ocupam dos assuntos académicos nas instituições de ensino superior não podem nem devem albergar no seu seio quadros ou técnicos de idoneidade e preparação profissional duvidosas. Nesses órgãos, não se pode estar a inventar nem se deve ir para lá descansar. Por haver lá trabalho complexo, tem de se colocar lá gente com escala.

Temos a informação que a ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação enviou, em Setembro de 2021, um documento ao ministro do Interior, a quem pediu que intercedesse junto do SIC para o INAAREES ser informado do tratamento dado às participações criminais. Uma possível lentidão na tramitação processual das participações criminais terá sido a causa do pedido de intervenção?

Não tenho por hábito comentar assuntos que envolvam os meus superiores hierárquicos. Todavia, devo dizer-lhe que os dois departamentos ministeriais, através dos respectivos órgãos próprios, estão em sintonia e engajados na resolução da tramitação processual das participações criminais. Agora, convenhamos, a justiça tem os seus próprios tempos, mas sempre que constatamos que não há evolução abordamos, por via de canais próprios, os órgãos do Ministério do Interior que se ocupam dessas matérias.

Há algum canal de comunicação com o SIC que facilite o acompanhamento, por parte do INAAREES, do andamento da tramitação das suas participações criminais?

Sim, tem havido abertura quer ao nível do SIC nacional quer ao nível do SIC Luanda. Dentre os órgãos de segurança e ordem interna, o SIC, por razões óbvias, é aquele com o qual o INAAREES mais trabalha em estreita colaboração. Devido às constantes falsificações de documentos académicos, que depois dão origem a participações criminais, existe uma cooperação institucional entre os dois órgãos que se manifesta permanentemente e de forma muito pragmática.

Entre as participações remetidas ao SIC, entre 2018 e 2021, não estão suspeições envolvendo seis professores estrangeiros ao serviço de uma prestigiada universidade privada angolana, com sede em Luanda e pólo em Benguela, que podem estar a trabalhar com documentos académicos falsos?

Abstenho-me de comentar casos específicos. A única garantia que lhe posso dar é a de que todas as participações criminais estão sob investigação ou tramitação processual. Certamente, uns terão avançado muito e os outros estarão atrasados.

Até onde sabemos, as suspeições relacionadas com os seis estrangeiros, todos portugueses, terão chegado ao INAAREES em forma de denúncia, feita por um estudante da universidade onde os expatriados trabalham. Corresponde à verdade esta informação?

Falso. O INAAREES não foi abordado por nenhum estudante que fosse portador de uma denúncia relativa a esse assunto.  

O nome de um dos portugueses foi mencionado numa outra denúncia, que circulou nas redes sociais, em Janeiro do ano passado. Além do português, segundo o denunciante, estariam a trabalhar também no país com certificados académicos falsos um alemão e um congolês. Nas participações criminais estão suspeições envolvendo professores de Portugal, da Alemanha e da República Democrática do Congo?

Percebo a sua pergunta, mas quero abster-me de comentar casos específicos. Prefiro falar no geral, por uma razão já por mim aventada anteriormente: as participações estão sob investigação, logo, não é juridicamente aceitável nem ético que nos pronunciemos ou façamos insinuações a respeito delas, com fundamento do que lemos nas redes sociais, sem conhecermos a verdade e o respectivo desfecho.

Na mesma denúncia, o cidadão alemão, cujo nome também foi mencionado, é citado como tendo sido despedido de todos os estabelecimentos de ensino em que trabalhou, enquanto o congolês já terá abandonado o país, depois de descoberto. Lembra-se de ter tido conhecimento da existência desses casos?

Tenho conhecimento da existência de vários casos e todos têm a mesma importância em termos de tratamento administrativo ou judicial. Mas é preciso dizer isto: O INAAREES é uma instituição pública com grandes responsabilidades e, como tal, não se presta a rumores, boatos ou a exercícios de adivinhação. Muitos casos ventilados na praça pública não correspondem a processos de reconhecimento ou homologação de estudo que culminam na formulação de uma solicitação junto do INAAREES. Este instituto não pode nem deve, porque não está no seu objecto, aferir a veracidade de estudos sem prévia solicitação que requer, por parte do seu titular, a observância de procedimentos, tais como instruir um processo ou pagar os devidos emolumentos na CUT [Conta Única do Tesouro] via RUPE [Referência Única de Pagamento ao Estado], só para citar estes.

Acha que existe um grande rigor das instituições, públicas e privadas, no que toca à aferição das qualificações dos seus trabalhadores?

Os órgãos de Recursos Humanos das instituições, públicas e privadas, às quais estão laboral ou academicamente vinculados os indivíduos é que devem ser mais exigentes no que toca à veracidade dos estudos ou qualificações dos seus trabalhadores, sejam nacionais ou expatriados. Vou ilustrar-lhe isso da seguinte forma: se eu sou o gestor máximo de uma instituição ou empresa, vou, certamente, querer saber se trabalho ou não com gente com qualificações verdadeiras e, para o efeito, vou orientar a área dos Recursos Humanos para fazer um "pente fino” (não caça às bruxas) que obrigue a todos os trabalhadores a homologarem ou a reconhecerem os seus estudos. E esse exercício também pode ditar que as empresas ou instituições intercedam formalmente pelos seus trabalhadores junto do INAAREES, solicitando a este instituto alguma celeridade ou informações mais detalhadas de dada formação e do processo como um todo.

Existe, no INAAREES, um canal de gestão de denúncias?

Sim, temos um call center (telefones) e e-mails corporativos, mas que não são específicos para denúncias. Ocupam-se igualmente de outras questões relacionadas com o atendimento público.

Após a chegada de uma denúncia, o que faz o INAAREES a seguir?

Analisamo-la técnica e metodologicamente até à exaustão para ver se ela tem ou não fundamento. Se tiver fundamento, transferimos formalmente o caso para o fórum judicial com recurso à participação criminal. Se, após análise, ficarmos somente pelas suspeições ancoradas em fortes indícios de cometimento de crime de falsificação de documentos, ainda assim solicitamos às autoridades judiciais para procederem à investigação do caso.

O INAAREES não tem à sua disposição uma área de trabalho dedicada a investigar administrativamente o que se diz nas redes sociais sobre assuntos relacionados com o seu objecto social?

O INAAREES tem um Departamento de TIC e Modernização do Serviços A­dmi­nistrativos, cujo funcionamento foi activado muito recentemente. Entretanto, está em curso o processo de criação do portal institucional do INAAREES que, dentre outras funcionalidades, integrará também algumas redes sociais. Penso que isso vai permitir uma melhor gestão da informação e uma interacção síncrona com os utentes. "O INAAREES não deixou nem vai deixar de homologar estudos feitos em Angola”

Alguma vez chegou ao vosso conhecimento, para averiguação, suspeitas de encobrimento, por parte de universidades e institutos superiores, sobretudo privados, de casos de professores que estejam a trabalhar com documentos falsos em Angola?

Casos de encobrimento sim, mas não que fossem caucionados por todos os membros das instituições de ensino envolvidas. Esses casos de encobrimento foram protagonizados por docentes ou responsáveis administrativos pertencentes a alguns círculos das comunidades académicas dessas instituições. Quando assim é, significa que tanto o encobridor como o encobrido estão mancomunados por via de interesses inconfessos. Casos como estes mereciam, sempre que nos surgissem, o tratamento legal adequado.

O INAAREES deixou de homologar, desde Julho de 2022, certificados e diplomas académicos, uma decisão do Executivo, no âmbito do projecto "Simplifica”, e dedica-se, agora, a avaliar a qualidade das instituições de ensino superior e os respectivos cursos e programas. A decisão tomada pelo Executivo abrange, também, os certificados e diplomas outorgados por instituições de ensino superior estrangeiras?

A informação constante na pergunta que faz é falsa. O INAAREES não deixou nem vai deixar de homologar estudos feitos no país. Se percebi bem a sua pergunta, quer saber se o Projecto Simplifica também abrange o reconhecimento de estudos feitos no exterior país? A resposta é não, mas, numa próxima fase desse projecto, poderá abranger. Voltando à questão da homologação de estudos, devo dizer-lhe que esta é um imperativo que decorre do estatuído na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (Lei n.º 32/20, de 12 de Agosto). Neste sentido, ainda tem vigência o procedimento de homologação que se faz via SEPE [Serviços Públicos Electrónicos]. Agora, por determinação do Decreto Presidencial n.º 182/22, de 22 de Julho, que estabelece o Simplifica 2.0., o procedimento de homologação actual vai ser objecto de alteração. Dessa alteração resultará que a participação do utente ficará descontinuada, fazendo parte do procedimento somente o INAAREES e a instituição de ensino. Neste momento, está em curso o desenvolvimento das condições tecnológicas com que se irão operacionalizar esse mesmo novo procedimento de homologação, cujo regulamento se prevê aprovar ainda no decorrer deste ano. Portanto, a missão do INAAREES, exposta no seu Estatuto Orgânico, não se alterou. Continua a ser a de homologar títulos e graus obtidos no país, reconhecer títulos e graus obtidos no exterior do país e a de avaliar e acreditar a qualidade das instituições de ensino superior e cursos e/ou programas.

Que constrangimentos eram, habitualmente, verificados na articulação com universidades estrangeiras para o reconhecimento de diplomas e certificados que davam entrada no INAAREES?

Os constrangimentos verificados resumiam-se, sobretudo, à morosidade ou à falta de respostas das universidades sobre a veracidade ou não de determinados estudos. Mas, demos um salto enorme na superação desses constrangimentos, o que se deveu, sobretudo, à cooperação com as nossas congéneres continentais e mundiais e à nossa adesão a redes regionais e internacionais que congregam instituições que procedem à gestão dos quadros nacionais das qualificações. Hoje, temos mais mecanismos de aferição da veracidade de diplomas do que há três anos, por exemplo.

As representações diplomáticas angolanas desempenham algum papel na articulação do INAAREES com universidades estrangeiras, para a avaliação, acreditação e reconhecimento de graus académicos de que são detentores angolanos e estrangeiros que trabalham, ou queiram trabalhar, no país?

Sim, de quando em vez, sobretudo quando estamos perante casos de alta complexidade, que podem incluir desde a ausência total de contactos e informações até à fusão, cisão ou extinção da instituição de ensino. Mas, em termos diplomáticos, o nosso parceiro privilegiado é o Instituto das Comunidades Angolanas no Exterior do Ministério das Relações Exteriores (MIREX), do qual, há poucos meses, beneficiámos de apoio crucial na resolução de um caso oriundo das Filipinas.

O que foi alterado em termos estruturais para estar o INAAREES pronto para desempenhar a tarefa de avaliar a qualidade das instituições de ensino superior?

Então, o INAAREES foi objecto de reestruturação técnica e orgânica, tendo resultado disso a sua adequação à Lei dos Institutos Públicos em vigor. Além do mais, este instituto foi dotado de mais recursos humanos, financeiros e materiais. Apesar de estes ainda serem insuficientes, em nada a sua situação actual se compara com o período anterior a 2020. Actualmente, o INAAREES é uma instituição estável e recomendável.

A mudança de responsabilidade não vai implicar que, no futuro, a instituição passe a ter um novo nome, já que deixou de homologar certificados e diplomas académicos?

Não houve mudança de responsabilidade. Havia era actividades da missão do instituto que estavam ou funcionar com fraca capacidade de resposta, como são os casos da homologação e do reconhecimento, ou inoperantes, como é o caso da avaliação/acreditação. Actualmente, a missão do INAAREES, no seu todo, está a funcionar em pleno e tem dinâmicas muito positivas, mas ainda temos um longo caminho a percorrer em relação à avaliação que, por sinal, encerra um elevado grau de complexidade. Há muito a dizer-se a esse respeito, mas isso dava para uma entrevista à parte, porquanto tal di-lo-ei com pormenor e tecnicidade numa próxima oportunidade que o Jornal de Angola me der. Quanto à mudança de designação do INAAREES, devo dizer-lhe que este é um não-assunto.

Nas redes sociais, foram vários os pronunciamentos feitos  como reacção à decisão  de retirar ao INAAREES a responsabilidade pela homologação e reconhecimento dos documentos académicos do ensino superior. A morosidade que existia não terá contribuído para a decisão do Executivo?

Já lhe respondi a esse respeito, mas vou acrescer somente isto: Desde 17 de Julho de 2020 que o processo de homologação foi digitalizado em sede da plataforma SEPE [Serviços Públicos Electrónicos], tendo-se tornado mais fácil, rápido, seguro e próximo do cidadão. Actualmente, em condições normais, um pedido de homologação é resolvido entre 24 e 72 horas. Em alturas de pico, o mesmo pedido pode chegar a ser resolvido em cinco ou sete dias. O bom de tudo isso é que o atendimento é completamente online e, por esta razão, os nossos utentes que vivem fora de Luanda já não precisam de vir a Luanda só para tratar da respectiva homologação dos estudos, como, de resto, acontecia frequentemente antes de 17 de Julho de 2020. Não se deve dar muito crédito a tudo o que é veiculado nas redes sociais que, por sinal, são veículos de comunicação não convencionais e que, na maioria esmagadora dos casos, mentem e não filtram. Ou melhor, antes de se acreditar no que se publica nessas redes é preciso aferir previamente a veracidade do teor da informação, bem como a sua fonte. Volvidos três anos após o lançamento do SEPE, que também vai ser aprimorado, a decisão do Executivo teve que ver com a necessidade de ajustar a plataforma às necessidades actuais dos cidadãos, numa lógica de que a tecnologia deve acompanhar a evolução da sociedade e, desse exercício, deve resultar serviços cada vez mais simplificados.

A nova missão do INAAREES não abre a possibilidade de, quando estiver a avaliar, por exemplo, uma instituição académica, se informar detalhadamente sobre o rigor na outorga de diplomas e certificados?

Vou responder-lhe por partes. Primeiro, não há nenhuma nova missão do INAAREES. A missão de avaliar já existia, desde a criação do INAAREES em 2013, só que era inoperante devido à falta de legislação e de instrumentos metodológicos adequados, de técnicos especializados e de outros meios. Segundo, as instituições de ensino superior gozam de autonomia nos termos da lei, pelo que não cabe ao INAAREES dizer-lhes sobre a forma como devem promover, organizar e realizar as respectivas cerimónias de outorga de diplomas, quando muito podemos recomendar-lhes que melhorem cada vez mais a qualidade dos dados académicos que remetem ao INAAREES no âmbito da homologação de estudos dos seus graduados. Terceiro, a avaliação incide sobre indicadores que abarcam padrões e critérios de verificação predefinidos na legislação e nos manuais de avaliação. De todo o modo, sem prometer, vamos ver se incluímos essa preocupação na bateria de questões que será utilizada pelas comissões de avaliação externa.

Como se processa a avaliação da qualidade de uma instituição académica de ensino superior?

É uma pergunta pertinente, mas extremamente complexa. É que isto dava para fazer uma outra entrevista. A avaliação da qualidade de uma instituição de ensino superior processa-se com base em referenciais e critérios próprios, que se encontram plasmados na legislação e nos manuais de avaliação. O nosso sistema nacional de garantia da qualidade é composto de três processos, a saber: auto-avaliação, avaliação externa e acreditação. A auto-avaliação, que é o processo que constitui o ponto de partida do sistema, consiste em a instituição avaliar-se a si própria, culminando com a produção de um relatório com remessa ao INAAREES. A seguir ocorre a avaliação externa, levada a cabo por comissões de avaliação externa. É o acto de avaliar uma instituição com base no relatório de auto-avaliação e nas evidências recolhidas no local. Já a acreditação é o resultado quantitativo e qualitativo obtido por uma instituição, com base na escala de pontuação existente. Uma instituição ou curso que não consiga ultrapassar a pontuação mínima dessa escala pode fechar. Uma instituição ou curso que obtenha uma pontuação ou acreditação satisfatória será sujeita a adoptar um plano de melhorias de dois ou três anos a fim de corrigir os seus pontos fracos. Se uma instituição ou curso tiver uma pontuação excelente terá uma acreditação de cinco anos. Uma instituição que não faça a auto-avaliação será submetida a uma avaliação externa extraordinária ou compulsiva. No fim de contas, o relatório final de avaliação externa é tornado público na instituição e na sociedade.

A avaliação vai ser feita anualmente e no mesmo período do ano?

A avaliação far-se-á em ciclos de cinco anos, sendo certo que ela pode ocorrer volvidos dois ou três anos conforme o resultado da acreditação obtido no primeiro ciclo de avaliação. O resultado obtido no ciclo de avaliação anterior é determinante para se saber a periodicidade com que se vai realizar a avaliação numa determinada instituição. A avaliação, apesar de ser retrospectiva, deve ser realizada no decorrer do ano lectivo e, sendo um processo longo, exige-se que tenha o seu início no primeiro trimestre do ano lectivo.

O resultado de uma avaliação pode determinar a suspensão da actividade académica ou mesmo o encerramento de um estabelecimento de ensino superior?

Sim. O encerramento será determinado pela não acreditação da instituição ou do curso que esta ministra. Ou seja, uma instituição ou curso, cuja pontuação ou resultado se situe no percentil de 0 a 59 por cento, o que significa que "chumbou” (não obteve acreditação), terá de ser compulsivamente encerrada ou alvo de uma intervenção urgente pelos órgãos competentes, sob proposta do INAAREES.

A responsabilidade do INAAREES não usurpa competências à área de Inspecção do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação?

Não. São competências completamente diferentes, apesar de se complementarem. O trabalho de inspecção é burocrático e coercivo (controlo da conformidade dos quadros normativos). O trabalho de avaliação é pedagógico e centra-se na qualidade (entendida na perspectiva do melhoramento e aperfeiçoamento) do ensino, da investigação, da extensão e da gestão administrativa e organizacional. Se bem que, no passado, em alguns países, se assistiu à afectação de funções avaliadoras a serviços de inspecção. Mas isso faz parte do passado e, entre nós, não vai ocorrer.

Pode dizer-nos o número de participações criminais enviadas ao SIC entre 2013 e 2017 e qual foi o desfecho em termos de culpabilização e ilibação criminal?

Por ora não lhe posso dizer com propriedade o número de participações criminais feitas nesse período, mas são sempre números expressivos que, no conjunto (homologação e reconhecimento), chegam à meia centena (aliás, mesmo que fosse apenas um caso, seria motivo bastante para preocupação, quanto mais não seja a quantidade descrita). Entretanto, assisti a algumas poucas condenações. Também soube de algumas poucas ilibações.

Vários são os angolanos que, ultimamente, têm escolhido o Paraguai para darem continuidade à vida académica universitária. A nível do INAAREES, nunca houve a suspeição de existência de um esquema de fraude de diplomas e certificados obtidos no Paraguai?

Houve mais do que suspeições relativas a esse país e a outros, isto é, houve factos e, como tal, tomámos sempre as medidas legais que se impunham. Agora, também há angolanos que se formam em universidades legalmente criadas, avaliadas e acreditadas pelos órgãos competentes de muitos países. O problema nem sempre tem a sua origem nos países e nas instituições de ensino. Não raras vezes, o problema é de pessoas que na ânsia de quererem obter o título ou grau académico a pulso acabam por se deixar cair nas malhas do facilitismo e da ilegalidade.  A esse respeito, o nosso apelo é o de que as pessoas pensem muito bem nas consequências negativas que podem advir dos seus actos para o país. O país não precisa de uma "fábrica de diplomas”. É fatal se só se tem o diploma e não se tem conhecimento, e constitui um atentado à segurança das pessoas e da sociedade. Já imaginou um enfermeiro, médico ou engenheiro mal formado? Portanto, os cidadãos sempre que precisarem de informações fidedignas sobre uma instituição em que se queiram formar, podem, para o necessário aconselhamento (pro bono), contactar o INAAREES.

"É da mais elementar justiça que um direito conquistado fraudulentamente seja impedido de ser exercido pelo seu titular”

O senhor defende que se deve retirar graus académicos obtidos legalmente se ficar provado, depois de suspeições, que os seus detentores entraram para o ensino superior com certificados falsos do ensino médio? Faço-lhe esta pergunta por ter conhecimento de que um país africano, que deve ser a Nigéria, salvo erro, tomou, há anos, uma decisão do género.

Não tenho ainda uma ideia devidamente formada sobre o assunto, porque este nunca constou da nossa pauta laboral. Mas atendendo à gravidade do crime, seria capaz de me mostrar favorável à retirada de graus académicos obtidos nas condições descritas na sua pergunta. É da mais elementar justiça que um direito conquistado fraudulentamente seja impedido de ser exercido pelo seu titular. Os fins só justificam os meios quando os meios utilizados para atingir esses fins são bons.

Qual seria, na sua opinião, o resultado geral se, por acaso, houvesse uma orientação governamental no sentido de se fazer uma inspecção aos processos individuais das pessoas que entraram com formação superior para o mercado de trabalho antes da criação do INAAREES?

É muito difícil comentar cenários, fazer abstracções e/ou especulações. Considerando o contexto, pode-se ter a percepção de que o resultado seria francamente mau. Mas, uma constatação poderia até contrariar, pela positiva, essa percepção. Não sei. O que lhe posso dizer é que a maioria das pessoas tem os seus estudos feitos à luz da lei.

A Reitoria da Universidade Agostinho Neto (UAN) continuou a homologar certificados e diplomas de ensino superior de universidades estrangeiras mesmo depois da criação do Instituto Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (INAAES), que é a predecessora do INAAREES?

Primeiro, aqui vai uma clarificação conceptual: trata-se de homologação quando se forma e obtém um grau ou título académico em Angola. Já quando alguém se forma e obtém um grau ou título académico no exterior do país, estamos perante o procedimento de reconhecimento de estudos. Assim sendo, a UAN nunca homologou estudos. Esta universidade desempenhou apenas competências no domínio do reconhecimento de estudos desde o início dos anos 80 até Julho de 2015, altura em que essa competência foi transferida para a responsabilidade do INAAREES.

O INAAREES já tem o número de colaboradores previsto no seu estatuto orgânico? Até 2018, estavam ao serviço da instituição 28 funcionários, mas sei que, até aquele ano, precisava de 129 funcionários.

Ainda não temos o quadro de pessoal geral totalmente preenchido. A julgar pela reestruturação técnica e orgânica de que foi objecto o INAAREES, o quadro foi revisto e hoje temos um défice de cerca de 40 funcionários. Mas, o concurso público de 2019 permitiu o ingresso de 28 novos funcionários, o que constituiu uma viragem importante na vida do INAAREES. Creio que vamos compondo gradualmente a organização interna do nosso instituto. 

O número desejável de funcionários foi perspectivado já o INAAREES a pensar na possibilidade de abertura de serviços provinciais ou regionais?

Sim. O novo número que resultou da reestruturação técnica e orgânica do INAAREES que teve lugar em 2020. O Estatuto Orgânico do INAAREES prevê a criação de representações locais, mas, para tal, é preciso admitir mais funcionários, criar instalações, adquirir meios diversos, etc., o que poderia onerar o país. De modo que, o melhor que há a fazer é apostar na tecnologia digital para que o INAAREES possa continuar a fazer uma gestão inteligente dos serviços que presta à sociedade.

Antes de colocar a última pergunta, é importante dizer o seguinte: não partiu das redes sociais a informação de que o INAAREES teria deixado de homologar e reconhecer documentos académicos, mas sim de alguns órgãos de comunicação social convencionais, como, por exemplo, o Novo Jornal, na edição de 19 Julho de 2022. O INAAREES não tomou conhecimento, na devida altura, da circulação de uma informação deturpada para produzir uma "nota de esclarecimento”?

Sobre esta questão, tenho a dizer-lhe o seguinte: o INAAREES não apresentou o contraditório que se impunha, mas, a esse mesmo respeito, o seu director-geral falou à TPA Notícias e a uma rádio,  além do facto de o próprio Novo Jornal (e outro jornal, creio ser o Expansão) ter, dias depois, publicado uma matéria que dava nota de que a homologação de estudos iria alterar o seu procedimento, mas não seria descontinuada.

PERFIL

Jesus António Tomé

Naturalidade -Aldeia da Kibuma, Libolo, Cuanza-Sul.

Nacionalidade- Angolana

Estado civil -  Casado

Habilitações literárias - Doutor (Ph.D.)

Profissão - Professor universitário

Percurso profissional

Assistente estagiário na Universidade Agostinho Neto (2002-2004); assistente (2005-2011); professor auxiliar (2011 até hoje); director dos Serviços Académicos da Reitoria da Universidade Agostinho Neto (2007-2017); director do Instituto Confúcio da Universidade Agostinho Neto (2014-2017); director-geral do INAAREES (desde 2017).

Passatempo - Leitura e desporto (futebol)

Prato preferido

Nenhum em especial. Gosto de todos os pratos, desde que bem confeccionados.

Bebida- Água

Religião - Católica

Músicos preferidos-São tantos e tão bons, mas vou tratar de nomear alguns: Nacionais: Waldemar Bastos, Carlos Burity, Pedrito, Bangão, Raul Indipwo… Estrangeiros:Júlio Iglesias, Roberto Carlos, Percy Sledge, Lionel Ritchie, Diana Ross, Michael Jackson, George Michael…

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Entrevista