Opinião

A maior praça política do país é o ponto chave das reformas

Filomeno Manaças

O MPLA tomou, há pouco mais de três semanas, uma das suas mais importantes e aguardadas decisões dos últimos tempos: pôr fim à aglutinação, na mesma pessoa, dos cargos de primeiro secretário do partido e de governador da província de Luanda.

30/04/2021  Última atualização 06H00
Assim, o veterano Bento Bento regressa aos palcos como primeiro secretário do MPLA em Luanda e Joana Lina fica a ocupar-se exclusivamente da gestão técnica e administrativa da província que também é a capital do país.

A junção na mesma pessoa dos dois cargos já alimentou conversas de bastidores, mesmo no seio do MPLA, com muitos militantes do topo a pedirem a separação, por a acumulação se revelar inadequada, tendo em conta a sobreposição de agendas, o volume de trabalho que um e outro cargo de per si acarretam e, portanto, desaconselháveis face à grande complexidade dos problemas que a província tem. Luanda é uma província que cresceu desordenadamente, devido, em particular, ao êxodo massivo de pessoas do campo para a cidade, provocado essencialmente pelos 27 anos de guerra civil que o país viveu, num fluxo contínuo que se mantém até aos dias de hoje. O território populacional e urbanístico da capital expandiu-se, nem sempre observando as regras básicas do ordenamento, ou seja, violando mesmo de forma grave princípios elementares de ocupação de espaços.

 Dessa actuação do homem sobre o espaço natural ou físico, tivemos, como resultado, as construções sobre linhas de água e, como consequência, na época das chuvas, os estragos que temos vindo a verificar ano após ano: casas inundadas, as águas a arrastarem pessoas e bens, a destruírem habitações precárias e as mortes que lhes estão associadas. Os engarrafamentos no trânsito são outro sinal de uma má planificação, ou a sua ausência, do crescimento da cidade. Somam-se a isso os problemas no fornecimento de energia eléctrica, no abastecimento de água e no saneamento básico. Luanda tem ainda a particularidade de ser a confluência de vários interesses - políticos, sociais e económicos. É aqui onde está instalado o Governo central, é daqui onde emanam as principais decisões sobre a vida do país, num ambiente sempre a fervilhar, atendendo à descrição atrás feita e olhando para o tipo de mentalidade predominante, que é resultado dos problemas sociais que a população vive, do seu grau de literacia e por aí fora.

Um verdadeiro cocktail de situações que o político Bento Bento conhece bem, pois já foi, ao mesmo tempo, primeiro secretário do MPLA e governador na maior praça política do país, de Novembro de 2011 a Setembro de 2014. E, nessa altura, tendo mergulhado nas questões de gestão e constatado a existência de vários conflitos de interesse, chegou a queixar-se em público que "em Luanda todo mundo quer mandar..." Eram outros tempos, mas a essência dos problemas persiste.

Governar Luanda chega até a ser muito mais difícil do que gerir alguns ministérios. Atrevo-me a comparar a gestão de Luanda ao comando de uma ampla frente de batalha, onde quem está no leme tem, se tanto, duas a três horas por dia para dormir, acordar a ser informado sobre as ocorrências nos diferentes distritos, municípios e administrações, programar reuniões e soluções para uma cidade caótica, que precisa de ser refundada (o que leva anos), numa altura em que os recursos financeiros são escassos para atender a tantos desafios.

Para piorar o cenário, temos a senhora pandemia da Covid-19, que veio complicar ainda mais as coisas. Tudo isto junto cria nas pessoas um estado de saturação social pouco propício à serenidade e ao raciocínio lógico sobre o melhor caminho, a melhor via para resolver os problemas. Esse é um terreno favorável à radicalização de posições e é nisso que tem estado apostada a oposição, com realce para a nova aliança política constituída pelo trio Adalberto Costa Júnior, Abel Chivukuvuku e Justino Pinto de Andrade. É, portanto, fácil concluir que o novo timoneiro do MPLA em Luanda não tem pela frente tarefa fácil. Além de que, até 2022, resta-lhe pouco tempo! Tem de empreender uma corrida contra-relógio.

O que o MPLA espera de Bento Bento? O que se espera do MPLA em Luanda? Em linhas gerais, é preciso dizer que Luanda é um ponto-chave das reformas do Estado a que o partido no poder se propõe implementar. Mas, para que as reformas sejam bem sucedidas, é necessário que o próprio MPLA se submeta também a reformas profundas. Espera-se, portanto, que Bento Bento dê início a essa "gestão transformacional" que o MPLA muito precisa, de ruptura com práticas erradas, que ainda persistem, para poder ser, de facto, um projecto de revitalização consentâneo com os propósitos enunciados pelo Presidente da República, de construir um país comprometido com o bem-estar dos angolanos.

Não pode, por exemplo, o mesmo militante do MPLA, que vai aos comícios e às manifestações erguer o punho e gritar palavras de ordem, continuar a votar à inércia o trabalho da administração, a prejudicar a população e continuar impune, no seu posto de trabalho; tendo meios para o fazer, não combate a venda ilegal de água retirada de condutas desviadas da rede pública de abastecimento; não se preocupa em encontrar solução para o problema do escoamento das águas pluviais; pouco ou nada faz para resolver pequenos problemas que exigem soluções práticas que não requerem dinheiros avultados; não mobiliza vontades para ir ao encontro e satisfazer os anseios da comunidade que é suposto estar a servir.

Político experimentado, Bento Bento prometeu transformar os organismos intermédios do MPLA em verdadeiros sustentáculos de apoio à governação. Na corrida contra-relógio em que está lançado, o MPLA tem de se submeter a um escrutínio permanente de si próprio, dos seus militantes, do trabalho das administrações e agir sempre em tempo útil para as mudanças acontecerem.À governadora Joana Lina caberá a tarefa de tratar de manter e fiscalizar o funcionamento da engrenagem e apertar os carretos, como se diz na gíria, ou mudá-los, ali onde for necessário.

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