Opinião

A era pós-petróleo entre nós

Adebayo Vunge

Jornalista

“Estamos a fazer um percurso para convertermo-nos numa entidade de energia. O que não quer dizer que vamos parar os investimentos no oil and gas. Estamos a acompanhar as tendências”.

08/03/2021  Última atualização 11H58
Esse foi, para mim, um dos pontos altos da conferência de imprensa do Presidente da Sonangol, engenheiro Gaspar Martins, alusiva aos 45 anos da companhia. E exactamente porque coloca a Sonangol no mapa mundi e naquilo que é hoje uma tendência global e incontornável das empresas que se querem assumir como relevantes face à transição energética que estamos a conhecer em todo o mundo.
A Sonangol, nas palavras do seu PCA está já a dar passos firmes no sentido de liderar esta transição energética, abraçando as energias limpas. Em primeiro lugar a companhia institucionalizou uma unidade de negócios com foco no gás e nas energias renováveis no quadro da sua regeneração. A seguir, sinaliza essa tendência por via do investimento na Biocom onde já se assiste à produção e comercialização à RNT, e esta visão ganha amplitude com os projectos de produção de energias limpas em unidades fotovoltaicas nas províncias da Huila e do Namibe, em parceria com a francesa Total (que já assumiu a mudança de nome para Total Energia) e a italiana ENI.

Segundo dados do site da Prodel, a barragem da Matala tem uma capacidade instalada de 40MW. A Central de Energia Fotovoltaica "Quilemba Solar” será construída na região do Lubango, para fornecer cerca de 30 MW à rede elétrica nacional, reforçando assim a produção de energia em Angola. Segundo Gaspar Martins a potência poderá chegar aos 85MW
Enquanto a maioria das empresas europeias estava não apenas a sinalizar como a dar passos significativos neste sentido, as grandes empresas americanas, fruto da visão retrógrada da anterior administração neste quesito, estavam claramente a ficar para trás. Hoje, com Joe Biden, ao que tudo indica, a indústria petrolífera irá entrar também na nova dinâmica pois o seu programa de combate às alterações climáticas tem um envelope 400 mil milhões de dólares para as energias limpas, entre as quais o hidrogénio.

Todas essas movimentações numa altura em que os sectores que mais utilizam combustíveis como a indústria automóvel e da aviação civil encontram-se seriamente preocupadas com a era pós-petróleo. Por um lado, as políticas ambientais sobem de tom, agravando-se seriamente as penalizações contra os crimes ambientais, como sucedeu com a BP ao tempo da administração Obama e o incidente deep water rising no Texas, obrigada a pagar somas avultadíssimas como indemnização, coloca-se também a necessidade de novos investimentos e a lucratividade dos sócios e investidores encontra-se fortemente afectada.

Para lá do gás, álcool e da electricidade, muitos Estados estão a descarbonizar chamando o hidrogénio em diversos escalões como novo recurso. O futuro não parece distante. Segundo Norbert Ruecker, citado num jornal em Moscovo, o cabaz energético já em 2035 irá mudar. Para este responsável do departamento de estudos do banco suíço Julius Baer, as energias renováveis irão jogar um papel significativo e o hidrogénio poderá substituir o gás natural. De resto, o sector financeiro está a apadrinhar este movimento como atesta Larry Fink, como da Black Rock, o maior fundo de gestão de activos no mundo: "as alterações climáticas são um factor determinante para as perspectivas de rentabilidade das empresas a longo prazo”.

Para além da electrificação onde continentes como África e a América do Sul registam assustadores atrasos, actualmente o desafio é substituir o metano como combustível automóvel. A aposta actual maior incide sobre o hidrogénio e, ao que tudo indica, este passo poderá estar concluído apenas por volta de 2050 para uma frota global na ordem dos 400 milhões de automóveis, 15 milhões de veículos pesados, 5 milhões de veículos usados para transportes públicos tal como as indústrias.

Embora estejamos na era final do petróleo, é verdade que, para a maioria dos analistas e cientistas, tal ainda levará duas a três décadas. Por isso, o avanço tecnológico e a necessidade de encontrarmos (globalmente) energias mais limpas que não ponham em causa o planeta – não nos esqueçamos dos compromissos de Paris em reduzir ou conter o aumento das temperaturas mundiais em cerca de 2º - a verdade é que as empresas petrolíferas têm tudo a seu favor para liderar esta transição – apresentam geralmente uma situação financeira mais sólida o que lhes permite uma boa penetração nas praças financeiras internacionais; apresentam uma forte capacidade técnica e humana como se denota nos grandes projectos de engenharia que desenvolvem, para além da sua indisfarçável capacidade de influenciar as políticas e os políticos. É neste panorama que também encaramos um sinal muito positivo da nossa companhia nacional de combustíveis que deverá emigrar para uma abordagem de companhia de energia.

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