Opinião

A cátedra Agostinho Neto de Roma e o teletrabalho

Adriano Mixinge

Escritor e Jornalista

Que eu saiba é a primeira vez que a realizam de modo virtual: co-organizada, no âmbito do Curso Livre de Cultura Angolana, pelo Departamento de Língua, Literatura e Cultura Estrangeira da Universidade de Roma Tre (Itália), a Fundação António Agostinho Neto e a União dos Escritores Angolanos (UEA), este ano o tema do curso intensivo da cátedra é “Introdução à História de Arte em Angola” e é, também, a minha primeira experiência formal de teletrabalho.

27/04/2021  Última atualização 06H05
Alguns modos informais de teletrabalho não eram, para mim, desconhecidos, uma vez que estive, por exemplo, em reuniões online com colegas, por ocasião do Prémio Nacional de Cultura e Artes 2020, participei na Feira do livro de Maputo onde apresentei o livro "A Flor de Mazozo”, estive no programa "Conversas ao Sul” da RTP África ou, também, no programa organizado conjuntamente pela Old Dominion University de Washington DC e a Embaixada de Angola nos Estados Unidos de América: mas, nunca tinha vivido a experiência de fazer uma série de palestras durante duas semanas – três dias em cada uma delas - e, durante uma hora e meia, apresentá-las a um grupo de vinte estudantes, em circuito fechado. 

E deve ser essa sensação de estar a ser escrutinado através dos écrans dos computadores que, na verdade, fazem que sempre antes que comecem as sessões, sinta sempre côcegas na barriga. Tenho, também, aquele nervosismo de quem compre-ende a importância da empreitada, mas, que, ao contrário das aulas em vivo e em directo numa sala presencial, uma vez que começas a partilhar o écran e não vês a cara dos interlocutores e, por conseguinte, não tens absolutamente ideia ne-nhuma, nem podes deduzir nada sobre o que podem estar a pensar os assistentes, podes é entrar em pânico.Que o mundo mudou significativamente nos últimos vinte anos é uma evidência que já ninguém põe em dúvidas, mesmo que continuemos a conviver com situações, com tecnologias, com comportamentos, com atitudes, com formas de estar, de ser, de pensar e de fazer que correspondam ao tempo anterior à era digital. Na prática, pelo menos nos países menos desenvolvidos do mundo, a desproporção entre os que têm acesso às novas tecnologias e os que não têm é enorme.  A iliteracia digital passou a conviver, competir ou a enmascarar o analfabetismo e a exclusão. 

Porém, uma coisa é saber, de um modo geral, isso e outras questões relacionadas com o mundo digital e outra é viver uma experiência particular de teletrabalho. Ainda não é, propriamente, "normal” (apesar de ser cada dia mais frequente) que, estando em Luanda, digamos a quem quer que seja que hoje não posso sair de casa num horário muito específico, porque vou fazer uma palestra para uma universidade estrangeira. Reconhecemos que, de certa forma é mais "cómodo”, mas não deixa de estar angustiante: temos sempre receio de que cortem a luz eléctrica, que um vizinho venha bater a minha porta por qualquer razão inesperada ou que a uns religiosos – não importa de qual igreja, confissão ou seita – lhes deia por aparecer, assim de supetão.

O seminário intensivo da Cátedra Agostinho Neto de Roma, - que já foi ministrado, de modo presencial, por outros especialistas e intelectuais angolanos como, por exemplo, José Luis Mendonça e Ana Clara Guerra Marques-, ainda nem terminou: durante três dias em cada semana, desde a segunda-feira da semana passada  como há muito não o fazia, voltei à academia, para dar aulas. Assisti antes palestras de outros historiadores de arte para estar seguro de poder utilizar os recursos didácticos e pedagógicos mais apropriados aos suportes e ao mundo de hoje, familiarizei-me com a plataforma Microsoft Teams, onde os alunos e outros prelectores se conectam ao curso e a sensação foi óptima: gostaria de poder dar aulas online, regularmente.

Antes das sessões que correspondem, propriamente, ao seminário intensivo, o VIIºCurso Livre de Cultura Angolana teve um "Ciclo Introdutório”, em que participaram os professores Giorgio de Marchis (anfitrião e responsável geral) que se debruçou sobre a política linguística antes e depois do colonialismo; Francisco Topa da Universidade do Porto que falou sobre o que significa ser angolano, através da obra de João-Maria Vilanova; Alice Girotto da Universidade Câ Foscari de Veneza e Roberto Francavilla da Universidade de Gênova que falaram sobre o projecto neo-animistae sobre a poesia de Ruy Duarte de Carvalho, respectivamente.

 O programa do "Ciclo Introdutório” contou, também, com a professora Noemí Alfieri da Universidade Nova de Lisboa que falou sobre o anti-colonialismo e conflito na literatura angolana dos anos 50 e 60; Sérgio Paulo Guimarães Sousa da Universidade do Minho falou sobre o hibridismo e metaficção na obra de Ruy Duarte de Carvalho e com Mariagrazia Russo da Universidade de Estudos Internacionais de Roma, que falou sobre a poesia de Agostinho Neto. Este ano, a maior parte das palestras do "Ciclo Introdutório” do curso girou à volta da vida, obra e trajectória de Ruy Duarte de Carvalho, um artista plástico, antropólogo e intelectual angolano – que não chegou a conhecer o teletrabalho -, mas, cuja obra bem pode servir como base e pretexto para reflexões a propósito das complexidades, características gerais, os acertos e as contradições da história das artes e da cultura angolana dos últimos cinquenta anos.

Sendo o curso virtual, ninguém teve que sair de casa: nem os professores, nem os alunos e, então, uns teletrabalham e outros"teleestudam”, factos que podem ter as suas vantagens, – economia de tempo e sem custos de transporte -, e, também, as suas desvantagens, - impacto psico-comportamental, falta de descontinuidade entre o trabalho e a vida familiar e, em alguns países, custos altos de acesso à Internet- mas que, certamente, fazem parte da revolução verificada tanto no mundo do trabalho como no mundo da transmissão e partilha de conhecimentos: tarde ou cedo, nos fará repensar seriamente a maneira como uns e outros estão, ainda, estruturados na nossa sociedade. 

Parece-me mais do que evidente que, por um lado, como nunca antes, urge melhorar as redes eléctricas para que, entre outras possibilidades na economia, as universidades em Angola possam rapidamente desenvolver também o ensino à distância, readaptar softwares e plataformas de ensino e dar primazia ao teletrabalho. Por outro, o desenvolvimento do teletrabalho terá consequências sociais de todo o tipo, incluindo nas formas de recrutamento e na remuneração do trabalho: ele facilita um conjunto de possibilidades e alternativas que deveríamos, em muitos mais sectores do que aqueles em que já acontece adaptá-las às nossas actuais condições económicas, sociais e culturais.

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