Sociedade

A batalha das “zungueiras” na busca pelo sustento

Kátia Ramos

Jornalista

Com o bebé às costas e a bacia de frutas na cabeça, Manuela José anda pelas ruas de Luanda para encontrar clientes depois de comprar o negócio no mercado do Catinton às 6h da manhã.

30/03/2021  Última atualização 08H00
Manuela José © Fotografia por: DR
A sua rotina está apenas a começar. De permeio, enfrenta o perigo de, por distracção, ser "apanhada” por um fiscal e perder o negócio, o que implicaria grande prejuízo, porque todo o seu dinheiro está empatado nas frutas que procura vender.

Moradora do bairro Mundial, no Benfica, Manuela é mãe de quatro crianças, cujo sustento diário serve de tónico para a "zunga” a que se dedica, num trajecto de coragem e perseverança. Sol ardente e cansaço físico pelo longo trajecto não a impedem de alcançar o objectivo de levar a refeição do dia seguinte aos filhos.

"Geralmente, acordo muito cedo, cerca das 4h e 30 minutos, a fim de pegar o primeiro autocarro e assim economizar um pouco, porque pago apenas 50 kwanzas”, disse, explicando que consegue diariamente comprar frutas variadas de 10 mil kwanzas. A par da bacia na cabeça, Manuela José carrega igualmente a esperança de vender tudo o que tem, a andar nas ruas cidade de Luanda, para lucrar aproximadamente 8 mil kwanzas se não sobrar produto. 

Quando assim acontece, conta, corre logo para casa a fim de preparar uma boa refeição para os quatro filhos que deixou a dormir. Há, porém, aqueles dias em que "o negócio só anda das 18h em diante e temos que chegar a casa muito tarde. Estes são os dias mas tristes para as crianças que estão habituados a ver-me chegar cedo a casa. Tento sempre estar em casa às 19h no máximo”, assegurou.

De aspecto humilde, olhar determinado, atou o bebé que carregava às costas com um pano amarrado à frente à altura do peito, arriscando-se muitas vezes em meio ao tumultuado trânsito.  
Manuela José refere que a luta das zungueiras tem sido com os fiscais que, sem dó, ainda arrancam o pouco que elas têm para vender. Sem saber ao certo para onde os mesmos levam os produtos que lhes são confiscados, acredita que o "negócio” recebido às zungueiras é usado pelos fiscais em benefício próprio. 

O pai dos  filhos, sargento nos quadros da Polícia Nacional, raramente aparece e pouco ou nada tem para oferecer às crianças. Foi por esta razão que, em 2017 aceitou a proposta de uma vizinha para acompanhá-la na zunga, numa manhã bem cedo, com 2.500 kwanzas.  
Assim começou a exercer a actividade, na baixa de Luanda, sempre no mesmo posto, haja chuva ou sol, nas proximidades da porta da Sonangol. Ela conta com clientes fiéis que em algumas ocasiões levam os produtos para pagar depois, o que a prejudica ainda mais. 

"Não tenho como economizar, porque os nossos famosos fiscais nos  desgraçam muito. O lucro que obtenho com a venda diária, somente serve para pôr comida em casa”, garantiu.  
O Jornal de Angola constatou que várias são as mulheres que carregam os filhos às costas, ao mesmo tempo que suportam o peso da mercadoria que vendem. Esta pode ser fruta, roupas, bijuterias, calçados, pastas, livros escolares ou peixe, entre outros bens escolhidos pelas vendedoras que tentam, a todo custo, preservar o que investiram, protegendo-se dos fiscais. 


Alternativa: Musssulo

Juliana Songo, outra vendedora ambulante, conta que sempre foi vítima dos fiscais e que, se não corresse tanto para fugir deles não teria negócio para vender. Optou então por vender "lingeries”na ilha do Mussulo, um local mais sossegado. Entretanto, nesta altura, em tempos de pandemia, não há banhistas e por este motivo, quase não leva nada em casa.

Juliana revela que no Mussulo atende a um público específico e oferece produtos diversos, sobretudo roupas de praia, batas e peças inteiras de panos multicoloridos, ricamente estampados com figuras africanas e linhas geométricas, só para mulheres.  
A sua rotina é caminhar ao longo do dia, sob o sol escaldante, com os seus balaios e sacolas na cabeça. "As mulheres que estão na zunga são as que vivem do comércio ambulante porque não há vagas nos órgãos estatais. Zungar é uma alternativa para colmatar a fome, num país de poucos empregos” lamentou.  

Durante a nossa reportagem, deparamo-nos com fiscais a rondarem a cidade, a fim de prevenir eventuais infracções. Na generalidade, a sua acção ante as vendedoras ambulantes caracteriza-se pelo tom áspero com que se dirigem às "zungueiras”. A relação entre uns e outros está longe de ser cordial. Muitas queixam-se do modo de actuação desta autoridade, já que a maioria fica-lhes com o dinheiro e com a mercadoria, o que significa humilhação e um rombo no orçamento familiar.

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