Cultura

“A arte deve ser partilhada”

Manuel Barros| Cacuaco

Desde tenra idade, Victor António João Faustino, mais conhecido como “Retratista”, gostava de desenhar o que via no bairro, ou mesmo os bonecos que encontrava nas revistas em quadradinhos. Competia com o irmão mais novo sobre quem conseguia retratar fielmente, na folha de papel, a imagem em questão

07/04/2024  Última atualização 12H08
© Fotografia por: DR

Assim, sem se aperceber, o gosto pelo desenho começou a brotar e a ganhar espaço e tempo na vida de Victor Faustino. O jovem artista ficava encantado com o "realismo”, uma técnica das artes plásticas que consiste em transportar para a folha de papel, fielmente, o que se vê. Ou mesmo a imagem de uma fotografia, paisagem, carro, pôr-do-sol, entre outras.

O artista Victor Faustino nasceu aos 20 de Dezembro de 1994 e muito cedo começou a destacar-se na escola, na disciplina de Educação Visual e Plástica (EVP). Os seus desenhos eram quase sempre os melhores da escola.

Filho de António Culenga e de Antonica João, natural do bairro Vidrul, no município de Cacuaco, fez o ensino primário na Escola Helen White, no mesmo bairro, e o primeiro ciclo do ensino secundário no Complexo Escolar 4007, no Kifangondo, no mesmo município.

No intuito de aumentar o seu nível académico, Victor Faustino viaja para a província de Benguela em 2009, onde frequenta o Curso Médio de Frio e Automatização no Instituto Politécnico de Benguela. Na mesma província, começa a fazer um curso de pintura no Núcleo de Jovens Pintores de Benguela, onde aprimorou o talento e ganhou mais conhecimento a nível das artes plásticas, afinal a sua grande paixão.

 

Dificuldades e sonho

Enfrentou muitas dificuldades, na medida em que vivia sozinho na província, mas isso não o impediu de prosseguir o seu sonho. À medida que terminava os seus desenhos, passou a comercializá-los nas ruas de Benguela e também na escola.

"As vendas serviam para alimentação, vestuário e materiais escolares e artísticos”, disse, acrescentando que foi um dos melhores formandos do curso de pintura e, a partir daí, começou a ganhar mais notoriedade em Benguela, visto que o número de clientes aumentou.

Não há maior impacto, disse, do que quando o artista consegue traduzir de forma exacta, na tela, uma determinada realidade, porque é como se estivéssemos a ver uma imagem reflectida num espelho. "Sempre foi o meu desejo fazer desenhos realistas, traduzir através das mãos no papel coisas reais. Acho que isso é o que mais me encanta”, afirmou.

Em 2012, regressa a Luanda, onde deu continuidade à feitura das suas obras. No bairro Vidrul, Victor abriu um atelier de artes plásticas, onde passou a ensinar jovens que estavam no mundo do crime e que quisessem aprender a arte de pintar.

"Comecei com dois alunos. Ensinava-os a desenhar e a pintar, hoje, digo com muito orgulho, pelo meu atelier já passaram cerca de 400 jovens, que saíram formados. Muitos deles vivem da arte e já formam, também, outros jovens”, disse orgulhoso. 

Hoje, com 35 anos, Victor Faustino afirma que a arte deve ser partilhada, porque é daqueles elementos que nos dá liberdade de expressão e tira muitos jovens da delinquência e das drogas.

"Este é o meu contributo à minha comunidade e ao meu município. Durante este tempo, pude recrutar muitos jovens que estavam na delinquência, que consumiam drogas e muitos acabaram por deixar essa vida e, hoje,  dão testemunhos de como a minha influência acabou por salvá-los daquela vida e permitiu-lhes ter uma nova perspectiva de vida”, afirmou o artista, para depois acrescentar: "É-me gratificante ver antigos alunos a sustentar as suas famílias com a arte. Consegui ajudar jovens da minha comunidade e do meu município a verem a vida numa nova perspectiva, e espero poder ajudar todos aqueles que quiserem aprender a desenhar. Hoje, continuo a ministrar aulas no atelier a um preço risonho”.

 

Projectos de trabalho

Depois de mais de 16 anos como profissional da área das artes plásticas, o jovem artista projecta lançar a sua primeira exposição individual ainda este ano, no município de Cacuaco.

"Estamos a trabalhar num projecto para homenagear a Selecção Nacional de Futebol, além dos jogadores do clube Atlético Petróleos de Luanda, vulgo Tricolores, um projecto que será lançado ainda este ano”, assegurou.

Adiantou que a pretensão deve acontecer no município de Cacuaco, não só por ser onde nasceu, mas porque precisa de muita divulgação das artes plásticas, "uma vez que muitos munícipes desconhecem essa arte e estão mais focados na arte musical, como o Kuduro, e quero ser o pioneiro a tentar mudar o paradigma”.

Victor Faustino afirma que com uma boa gestão, pode-se viver das artes plásticas no país, e que as mesmas deveriam merecer mais valorização, apesar de reconhecer que têm ganhado muito mais espaço na sociedade angolana. Deu a conhecer que tem recebido solicitações, vindas de outras latitudes, de pessoas que querem comprar os seus trabalhos. "Já recebi ligações de clientes da Holanda, Brasil, Portugal e EUA. Muitos também solicitam ajuda em determinada técnica de pintura, ou me felicitam pelos meus trabalhos”, disse a concluir.

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