O presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Dom José Manuel Imbamba, reconheceu, sábado, no município de Caungula, província da Lunda-Norte, que ao longo dos 22 anos de paz e reconciliação nacional, o país conseguiu alavancar muita coisa, mediante à criação de boas infra-estruturas, tendo apontado a ausência da construção da mentalidade humana como o “elo mais fraco“ nesta importante caminhada para a construção integral da vida dos angolanos.
O arcebispo católico sublinhou que o desenvolvimento deve ser fruto de uma justiça social equitativa, que promova, essencialmente, o bem-estar e o progresso, visando o cresimento com incentivo ao mérito
A sociedade colonial luandense estava incomodada naquele início de 1961. A informação circulava em grupos, com o centro no Largo da Portugália, ao lado da livraria Lello e em frente da então pastelaria Versallhes, na Baixa de Luanda. Algo ameaçador vinha do Norte, o Congo de Lumumba parecia um vírus no corpo do poder colonial branco.
A informação sobre o «Baixa de Cassanje» era escassa, um grupo de «selvagens que não queria trabalhar», «influenciado por Lumumba», tinha levado o correctivo «merecido» das forças armadas coloniais que, reprimindo os camponeses, assegurou alguma tranquilidade numa altura em que Portugal ensaiava um reforço do seu poder militar em Angola, com aviões e pequenas bases aéreas e uma companhia móvel de polícia enviada de Lisboa e que se uniformizava de forma diferente da polícia local e que até era chamada de «bombeiros» porque as suas fardas eram da cor da dos bombeiros luandenses.
Depois aconteceu o 4 de Fevereiro, bem nas barbas do centro do poder colonial. Os colonos pasmavam pois consideravam a população negra bastante amestrada e domesticada, com excepção de uns «calcinhas» de Luanda, uns «ambaquistas» que tinham a mania que sabiam escrever bem português, os malanjinos «falsos»… As revoltas africanas não faziam parte da memória colectiva dos colonos, Cuanhama, Bailundo, Seles, Lunda, Dembos… já se tinham diluído pela repressão sangrenta que destruiu culturas e sociedades inteiras.
Logo a seguir ao 4 de Fevereiro os pequenos colonos foram críticos em relação à «metrópole» e à sua «impotência» em defendê-los. «Se os de Lisboa não nos defendem, vamo-nos defender nós», diziam em surdinas, apregoando até uma «independência» com o domínio branco e algumas pessoas negras «de confiança» para enfeitarem.
A liberdade para reprimir a população negra desinquietou os colonos, que se organizaram nos bairros em grupos de «autodefesa».
Em alguns bairros de brancos, como o Maculusso, Vila Alice, Vila Clotilde, Bairro do Café, ingombota, notava-se algum êxodo de mulheres e crianças brancas rumo a Lisboa. Mas a maior parte dos pequenos colonos não dispunha de poder financeiro para enviar as suas famílias para Lisboa.
Nos primeiros dias após o 4 de Fevereiro, as «ordens superiores» iam no sentido do silêncio. A imprensa, num primeiro momento, silenciou o 4 de Fevereiro, aguardando a definição do Governo Geral, baixada pelo CITA-Centro de Informação e Turismo de Angola.
Mas de repente o 4 de Fevereiro passa para o foco da imprensa colonial, na qual imperava a «Província de Angola», o «Diário de Luanda», a «Emissora Oficial de Angola», e o termo «terroristas» passa a ser o centro de todos os conteúdos políticos.
Pouco mais de um mês depois, novo murro no estômago do poder colonial. Quando os colonos pensavam que a situação do «terrorismo» estava controlada, surgem notícias de matanças «no Norte». A origem, diziam, estava no Congo, de lá vinham os «terroristas», «porque os nossos pretos não nos faziam isto, é coisa dos comunistas e dos pretos que vêm do Congo».
Mais uma vez os acontecimentos eram longínquos e no Largo da Portugália, onde havia uma grande esplanada, onde se faziam câmbios, se vendia lotaria e se propagava informação boca-a-boca, eram cada vez mais numerosos os grupos de pessoas brancas, ansiosas por saber da progressão do «terrorismo», valia quem detinha informação directa, vinda de algum familiar recém-chegado do norte. O medo era, na verdade, provocado pela progressão dos ataques, empolava-se o número de vítimas, o número de atacantes, as crianças mortas. Num repente foi esquecido o 4 de Fevereiro, já suficientemente reprimido com milhares de mortos e prisioneiros negros. Agora o alvo dos novos ataques não eram mais as cadeias, esquadras policiais ou quartéis militares mas as roças de café dos colonos no Uíge. E no Largo da Portugália, com «notícias» de novas matanças, os colonos tranquilizavam-se: «isso não é feito pelos nossos pretos, isso é a pretalhada de fora».
Rapidamente Lisboa enviou reforços militares, pensando com isso terminar aquela guerra de mais de cem mil quilómetros quadrados no Norte de Angola. Começam então a chegar refugiados, sobretudo mulheres com os seus filhos. As nossas turmas do Liceu Nacional de Salvador Correia encheram-se de colegas refugiados. Alguns deles recebiam o «Jornal do Congo», que chegou a ter uma tiragem recorde, que reportava de forma dramática a situação de sublevação e veladamente ia fazendo passar a ideologia da autonomia branca no Congo frente à distante metrópole.
Todos os dias Luanda se ia enchendo de boatos, a venda de jornais disparou, de cada vez que era reportado um avanço das tropas coloniais os pequenos colonos regozijavam-se, pensando estar perto o fim da guerra.
Só 5 meses depois do 15 de Março, a 9 de Agosto de 1961, foi publicada uma declaração do Governo Geral reportando a «reconquista» de Nambuangongo, nos Dembos. A sociedade colonial celebrou aquilo que considerava ser o «fim da guerra no norte», longe de adivinhar que era apenas o começo de uma guerra que alastraria a vastas áreas do território angolano e só terminaria treze anos depois com o 25 de Abril de 1974, cuja causa principal foram exactamente as guerras de libertação nacional.
No final de 1961, a ONU contabilizava 200 mil angolanos refugiados no Congo-Léopoldville e outros tantos escondidos nas matas devido à sangrenta repressão dos colonos.
Por essa altura, eu recordo-me, seria Dezembro de 1961, o meu pai chegou a casa do trabalho, já de noite e sintonizou o rádio, que interrompeu a sua emissão e só transmitia música clássica. Ouvi o meu pai dizer: a Índia invadiu Goa, Damão e Diu. Pouco tempo depois começam a chegar a Luanda grupos de indianos de Goa, entre os quais um certo número de estudantes que reforçaram as nossas já lotadas turmas do liceu.
Entre 1950 e 1960, a imigração de portugueses para o Uíge tinha aumentado em cerca de 500 por cento (de 609 para 4.500, segundo os censos oficiais), provocando o incremento das expropriações e roubos de terras e da mão-de-obra forçada. Toda essa massa de colonos que tinha vindo da pobreza em Portugal e aqui podia espraiar um todo poderoso poder racial sem contestação, de repente abre a boca de espanto, fazendas isoladas são atacadas, pequenas vilas são cercadas, as comunicações cortadas, a violência directa instala-se, as duas comunidades enfrentam-se numa guerra sem tréguas, matança, vingança, fuga em massa, a população negra rumo ao Congo e às matas, a população branca tenta fugir para Luanda.
Assisti a uma propaganda histérica montada pelo sistema colonial-racista. Na ONU Portugal apresentou fotos de colonos e filhos massacrados, cortados à catanada, mas o ambiente em Nova Iorque não era favorável ao colonialismo português. Mesmo assim, o primeiro-ministro Oliveira Salazar montou um aparelho de propaganda que mostrava massacres provocados pelos atacantes do 15 de Março. E não hesitou em enviar para o teatro de guerra, a cerca de dez mil quilómetros de Lisboa, consecutivos contingentes de tropas que atingiram largas dezenas de milhares de soldados, que em breve se iam espalhar por inúmeras zonas de Angola atingidas por combates pela libertação nacional.
Mas não só. Novas frentes de luta se abririam em breve na Guiné e em Moçambique, forçando o regime colonial-fascista a enfrentar os nacionalistas africanos em três frentes, a mais longínqua das quais Moçambique na parte oriental de África.
A vida quotidiana em Luanda, a partir desses anos, recordo-me, era preenchida com novos desembarques de tropas portuguesas no Porto de Luanda, salientando-se os pára-quedistas com as suas boinas verdes. Esses contingentes tinham a simpatia da comunidade colonial em geral que os tinha como seus defensores e dos seus interesses contra o que continuavam sempre a chamar «terroristas».
Uma guerra não são declarações ou intenções, é luta de morte entre contendores. Mata-se e é-se morto. Os comunicados de guerra colonial eram estampados nos jornais afectos aos regime colonial-fascista, em Angola a "Província de Angola”, o "Diário de Luanda”, em Lisboa o "Século”, o "Diário de Notícias”, o "Diário Popular”.
Foram treze anos de guerra sem interrupção. Portugal deixou, nesta campanha, os seus mortos em África. No Cemitério Novo, da estrada de Catete, ou de Santa Ana, encontrei há dias, lá ao fundo à esquerda, encostado ao muro, um memorial degradado com cerca de cem gavetões, muitos abertos, com militares da Força Aérea Portuguesa mortos em Angola.
Segundo o Estado-Maior General das Forças Armadas Portuguesas, o número de militares portugueses mortos nas três frentes de combate, na guerra colonial de 1961-1974, foi de 8.831. Mas outras fontes falam em mais de 10 mil e em mais de 9 mil desertores. Portugal mobilizou quase um milhão de homens, chegando a gastar mais de 40% do Orçamento de Estado no esforço de guerra.Seja o primeiro a comentar esta notícia!
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