Num dia em que o país assinala o 63º aniversário do início da Luta Armada de Libertação Nacional, a historiadora e investigadora Rosa Cruz e Silva traz-nos à reflexão aspectos marcantes que desencadearam a acção protagonizada pelos artífices da gesta do 4 de Fevereiro. Ao Jornal de Angola, a também académica reconhece os esforços levados a cabo pelo Estado para a valorização da gesta do 4 de Fevereiro, porém assinala que “o processo ainda não alcançou o ponto desejado”
O que encorajou os angolanos a atacarem abertamente as estruturas militares em Luanda, que eram exactamente o centro do poder colonial?
O alto nível de consciencialização dos patriotas angolanos a residir sobretudo em Luanda, e na região de Catete, e envolvidos nas células das organizações que configuravam o MPLA: (ELA, PLUAA, MLA, MLN, MIA, MLNA, MINA), tendo em conta o trabalho clandestino que vinha sendo desenvolvido para a libertação de Angola do jugo colonial. Algumas figuras mantiveram contactos com a UPA, que actuava a partir do Kongo Leopoldville, nomeadamente o Cónego Manuel das Neves.
Para o fim do regime que oprimia os angolanos, só a adesão e total entrega dos patriotas que se prontificaram para a luta e desencadearam os actos de ataque às cadeias no dia " 4 de Fevereiro” de 1961.
Não
havia outra alternativa…
As características do regime opressivo da potência colonial não deram outras alternativas aos angolanos dos vários estratos sociais, e que integravam essas organizações, pelo que as denúncias ao conjunto de arbitrariedades, que se anunciavam nos panfletos lançados nas cidades, vilas e aldeias de Angola sobre a necessidade de findar o domínio português em Angola, tornou os patriotas mais conscientes da necessidade de passar para uma fase de luta mais radical.
Para além da campanha política em curso por meio dos panfletos que denunciavam as práticas do regime colonial, impunham-se acções mais vigorosas que pudessem despertar a comunidade internacional sobre a real situação em Angola, o que vinha sendo escamoteado pela propaganda do Governo português.
De
onde é que lhes veio a coragem?
A coragem para estes actos foi sendo ensaiada através de algumas cerimónias propiciatórias com poções mágicas que os preparava psicologicamente para enfrentar as balas do inimigo, já que para os ataques, os patriotas estavam munidos apenas de simples catanas.
A vontade de mudança, a esperança para a liberdade e independência de Angola, tornaram-se factores de mobilização bastante para os desafios a que se propuseram todos os patriotas envolvidos nesta causa libertadora.
Uma
operação de alto risco…
Efectivamente
tratou-se de uma operação de muito risco, os patriotas estavam conscientes de
que estariam a entregar as suas próprias vidas para libertar o país.
Que factos novos têm surgido nas vossas pesquisas sobre os acontecimentos do 4 de Fevereiro?
Factos novos já não os posso considerar. À medida que aumentam as pesquisas sobre a documentação que hoje já está mais disponível, sobre a temática da Luta de Libertação Nacional, e concretamente sobre o "4 de Fevereiro”, vamos confirmando cada vez mais os dados que já foram lançados há várias décadas. Ou seja, se haviam dúvidas e até controvérsias sobre o processo que levou aos actos do "4 de Fevereiro”, as análises que vimos efectuando vêm dissipando essas mesmas dúvidas.
Acha
que o papel do Cónego Manuel das Neves nos acontecimentos do 4 de Fevereiro está
suficientemente esclarecido?
Julgo não haver mais dúvidas sobre o papel desempenhado pelo Cónego Manuel das Neves na condução deste processo, pois a sua participação com outros nacionalistas integrados nas organizações clandestinas que actuavam em Luanda explicam claramente a acção do "4 de Fevereiro”.
As fontes escritas disponíveis, seja a documentação que conforma os processos políticos feitos pela Polícia Política, a PIDE, como os testemunhos de alguns dos patriotas envolvidos na luta para a Independência, refiro-me também às entrevistas de Mário Pinto de Andrade concedidas à socióloga Cristine Messiant e ao escritor Michel Labin, verificamos como a decisão pela direcção do MPLA da passagem à "Acção Directa” chegou aos patriotas que estavam no centro da luta e às mãos do Cónego Manuel das Neves, que por sua vez a faz chegar a Neves Bendinha, que teve um papel crucial nos assaltos.
Há
inclusive relatos da época…
Sim. Quando em Dezembro de 1960 Viriato da Cruz concedeu uma entrevista à C. I.P.O.: "O Vento da História não poupará as possessões portuguesas da África”, assinalou a criação do MPLA, em Luanda, em Dezembro de 1956, referiu que integravam esta organização sindicalistas, funcionários e estudantes do país.
Por outro lado, teria o apoio expresso ou tácito duma grande parte do clero africano. Aí se integra, naturalmente, o Cónego Manuel das Neves, a quem a direcção do MPLA em Conacry fez chegar a documentação relativa à proposta para a passagem à "Acção Directa”. Daí à decisão de iniciar a luta armada foi um passo muito curto.
Quase
50 anos depois da Independência, como são vistos os protagonistas do 4 de
Fevereiro em termos de valorização e memória?
Os protagonistas do 4 de Fevereiro, representados pelos sobreviventes desta importante gesta política, e por todos os que já partiram para outra dimensão, merecem o reconhecimento da sociedade angolana pelos seus feitos, pois a sua obra política constitui um importante legado para as novas gerações.
O processo em curso para a valorização da gesta do "4 de Fevereiro” e dos seus protagonistas não terá alcançado ainda o ponto desejado, mas acredito que os passos subsequentes das instituições vocacionadas cuidarão seguramente da preservação da Memória desta gesta, não só através do Monumento erguido em sua memória, mas de mais actos que mobilizarão a sociedade angolana para o tributo devido aos Homens e Mulheres que abriram a estrada da nossa Liberdade e Independência.
Que
papel as mulheres desempenharam no 4 de Fevereiro?
O papel das mulheres no "4 de Fevereiro” foi efectivamente simbólico, pelo que sabemos da inclusão da nacionalista Engrácia Francisco Cabenha, que era ainda adolescente.
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